A Estilização Literária

O estudo crítico da literatura brasileira tem sido fundamentado, tanto na educação básica como na Academia, dentro da organização das escolas literárias, calcado em tendências que seguem um padrão mais ou menos uniforme de “evolução artística”.

Sim. Segundo a maioria dos estudiosos, a literatura passa por este processo evolucionista onde o mais novo se sobrepõe ao mais antigo; onde determinados valores perdem razão de ser e dão margem a outros valores, a novas construções. A Arte, neste ponto, segue um eterno redescobrir de formas, legitimada principalmente em razão de quanto um determinado artista conseguiu “revolucionar” com sua arte os arquétipos anteriores. É sabido que não apenas na literatura, mas também na lingüística assumem os estudiosos tais concepções. Não à toa a gramática classificada como “normativa” tem sido alvo de críticas duras, apenas por se servir dos exemplos literários mais proeminentes de nossas letras.

Mas o que há de perverso?

Ora, partindo da premissa supracitada, ou seja, de que o ato literário é um ato individual; ao submetê-lo a escolas e uniformidades intelectuais é o mesmo que reduzi-lo, limitá-lo naquilo que este possui de mais íntegro: sua autenticidade. E esta inglória tarefa punitiva – seletiva e arbitrária – tem sido delegada aos críticos literários que, num simples jogo de escreve e apaga, forjam a tal “evolução artística” que, dizem, ser o desenvolvimento das letras brasileiras.

Ao pensar nestes propósitos, dois exemplos me vêm mais claramente à cabeça: O glorioso Machado de Assis e a famigerada Semana de Arte Moderna, de 1922. Quanto ao primeiro, ícone de uma nação inteira, basta uma pergunta: onde os críticos enfiaram a poesia de Machado de Assis? Aquele que é, para muitos medalhões, o maior escritor brasileiro não sabia, segundo os mesmos medalhões, escrever poemas. Creio que o leitor deste artigo não duvidará num instante do talento do gênio em rabiscar seus versos. Mas temos de encarar: Alguém já ouviu falar em “Americanas” de Machado de Assis? E o que dizem os leitores sobre “O Alienista” e “Dom Casmurro”?

Pois então vejamos o segundo exemplo, a tal “Semana de Arte Moderna”. Ora, para ser um artista moderno, em 1922, não era uma coisa das mais fáceis. Além de um talento nato para a iconoclastia, era essencialmente primordial ao artista ter bolsos pesados. Ao que se entende, é que A Semana foi, entre outras coisas, um capricho tremendo de uma juventude sem inspiração. Não usarei o termo oligárquico aqui, pois traduziria muito imediatamente e com uma crueza que não é de meu costume a fiel representação destes artistas. Mas, no entanto, podemos entender a “nova arte brasileira” por um amontoado de percepções estrangeiras que parte do principio, unicamente, de não ser brasileira. É uma arte que começou a ser escrita no primeiro Manifesto Republicano de 1870, onde dizia com letras garrafais: “Somos da América e queremos ser americanos”. E conseguiram. Destruíram a obra de D. Pedro II “em nome da nação” que, logo depois, passaria a se chamar “Estados Unidos do Brasil”.

Mas o que diabos tem isso a ver com o modernismo brasileiro? Ora, como se sabe bem, era preciso criar uma nova nação. Um novo ideário de nação. Não bastaria sobrepujar a república ante a bandeira do Brasil. Era necessário o pensamento que justificasse, em essência, o golpe militar que se deu no ano da graça de 1889.

Este foi o legado do modernismo: importar modelos de conduta. Destruir símbolos vivos e póstumos do Brasil, quebrar o desenvolvimento natural que se seguia de uma literatura essencialmente brasileira na pena de artistas de talento. Vociferar pelo mundo o triste fado de possuir o sangue lusitano, indígena e africano. Era a estilização, o glamour de todas as idéias marginais, desprezadas completamente no século anterior. É a proliferação dos ismos que trariam ao mundo inteiro o peso de duas guerras mundiais e um sem número de cidadãos encarcerados sob bandeiras totalitárias.

Não me alongarei mais neste segundo exemplo, unicamente, por entender que tal época merece um estudo acentuado e definitivo.

O mais importante é o seguinte: precisamos de estudiosos compromissados na pesquisa disto tudo. Revirar o baú ideológico que se apoderou de nossas artes é não apenas um exemplo de civilismo em respeito ao nosso povo, como também, um deslumbramento que se dá pela descoberta de uma arte esquecida, encarcerada nos mofos das bibliotecas públicas.

Mãos à obra, corajosos!