JUDAS, O APÓSTOLO DA ESCURIDÃO 
 
Desde menina, nunca partilhei a alegria insana das crianças que queriam ver o Judas queimado. Eu não me sentia bem em ver aquele espetáculo grotesco.
 
O sofrimento de Judas ao perceber seu ato abominável é relatado por Mateus e, me parece que somente por ele, no capítulo 27 do seu evangelho:
 
“1 Chegando a manhã, todos os príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo reuniram-se em conselho para entregar Jesus à morte. 2 Ligaram-no e o levaram ao governador Pilatos. 3 Judas, o traidor, vendo-o então condenado, tomado de remorsos, foi devolver aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos as trinta moedas de prata, 4 dizendo-lhes: Pequei, entregando o sangue de um justo. Responderam-lhe: Que nos importa? Isto é lá contigo! 5 Ele jogou então no templo as moedas de prata, saiu e foi enforcar-se. “
 
Volto o meu olhar para essa alma atormentada. Que noite terrível ele deve ter atravessado. Noite tenebrosa, de mil vozes interiores o acusando ininterruptamente. Com que angústia ele esperou que o dia raiasse. Só que o sol não mais o aqueceria. Tudo nele era completa escuridão. Só noite sem estrelas, sem lua, haveria para ele.
 
Com que espírito mutilado Judas deve ter ido logo ao amanhecer ao encontro dos poderosos a quem ele havia entregue Jesus. Talvez um fio tênue de esperança o tenha animado a se expor dessa maneira, pensando que se devolvesse o dinheiro o mal poderia ser apagado.
 
Não, não posso crer que Judas não tenha sofrido horrores. O pavor de continuar carregando o peso da traição assombrosa foi tão gigantesco que ele não se permitiu respirar o mesmo ar que a sua vítima – Jesus, o Salvador.
 
Estrategista de terceira grandeza que não soube escolher para quem dirigir o seu arrependimento. Tivesse ele procurado Jesus, em vez dos príncipes dos sacerdotes e anciãos, seguramente teria mudado a sua biografia. Sairia de lá com a alma lavada, liberta do perdão.
 
Tudo o que o Messias queria era resgatar esse filho perdido. Não importavam os açoites e todo tipo de tortura física e moral. A dor maior do Salvador foi saber que todo o seu ensinamento e exemplo não foram suficientes para resgatar a alma desse apóstolo. Dor suprema foi atestar o quanto ele era impermeável ao bem.
 
Judas, que conhecia as escrituras não se deixou inundar por elas. Se ele tivesse a compreensão de São Paulo, para o qual “onde abundou o pecado, superabundou a graça" talvez tivesse se despido da arrogância, da falta de humildade e se ajoelhado aos pés de Jesus pedindo perdão. Era essa atitude que teria mudado a trajetória de vida desse apóstolo.
 
Pobre Judas que conviveu com a Luz e permaneceu em completa escuridão. Infeliz criatura sobre a qual caiu a responsabilidade oceânica de ter contribuído poderosamente para o assassinato do Autor da Vida.
 
Judas, o filho da perdição, que vendeu o maior tesouro por apenas trinta moedas de prata. Trinta moedas que queimaram em sua mão logo que as recebeu. Dinheiro de sangue inocente.
 
Ah! Judas, que com um beijo fez cair sobre si a noite que nunca termina. Beijo amargo o de Judas. E Jesus, querendo alcançá-lo no momento derradeiro da queda no precipício, ainda o chamou de amigo “Amigo, a que vieste?” Mas ele, projeto de apóstolo, estava com a alma gangrenada. Por isso não pôde ouvi-Lo. Só depois a voz de Jesus ecoou em seu cérebro qual um trovão. E aí ele cometeu o maior erro – não confiou na misericórdia divina. Não acreditou que o autor do perdão fosse capaz de perdoá-lo.
 
Contudo, interpreto o seu desespero como o pavor maior de ter cometido um pecado não só contra Jesus, mas com alcance para toda a humanidade. Isso fez com que ele não enxergasse a possibilidade de perdão. Sinto pena de você, Judas.
 
Espero que de alguma maneira ele tenha alcançado a paz na eternidade.