Aula prática

Era sábado cedo, e amigos do Patrick se reuniam. Alunos de primeira série se juntaram para soltarem pipas. Já haviam feito isso antes, mas, em separado. O mês de julho no hemisfério sul tem os dias curtos, e naquela manhã eles se achavam num local descampado. Preferiam brincar no pátio da escola, ou na avenida, mas os pais alegavam perigo no fio elétrico. Chegou o Clayton de gorro amarelo-creme com uma bola de lã na cabeça - parecia um sorvete-; o pai do Lê é barrigudo e careca - ele não usava nada na cabeça, mas tinha um cachecol. Quim, filho do camponês também não veio, nem o Nino, filho do marceneiro; vai que eles não têm conta na papelaria. Era só chegar pegar e marcar...

Tinha pipa de origem chinesa, japonesa, com grandes rabiolas ou sem nada.

Havia serração e as crianças, bocejando, esperavam. Por último, o sol foi se levantando, vermelho, inchado - não são só os olhos das crianças ficam assim quando saem da cama-, mas cadê ele? O vento não veio. Ansiosos, alguns ensaiavam corridas com suas estrelas. Todos estão prontos, sonolentos, mas a energia invisível que faz as pipas e as árvores ricochetearem faltou ao encontro. Os brinquedos estavam estáticos. No ar elas são poderosa, imponentes; mas quando se vêem no chão, são inofensivas. Diferenciam-se pelos tamanhos, mas se igualam na incapacidade de expor a sua beleza, o seu poder. Sem a ação do vento elas são peças caras em desuso.

O sol foi recobrando sua aparência e se tornando quente. Enquanto esperam, alguém convidou a todos para um chocolate na padaria. Contrariados com seus papagaios nas mãos, alguns se revoltavam, choravam, mas se entreteceram pelos doces que havia na vitrine da panificadora. Desiludidos pelo fracasso das pipas, viam-se reunidos num local diferente da sala de aula, sem o mando de professores e com total liberdade.

Viram que pessoas compravam pães, café, açúcar, adoçantes. Ainda é cedo, mas as crianças de cor negra não usam agasalhos; será que elas não sentem frio? Nas proximidades do descampado, há pessoas ao relento, adormecidas... Porque será que elas não foram pra casa?

Outro fato que os amigos de Patrick notaram é que as pessoas, as casas e os carros, na medida em que vai se afastando do centro, vão se tornando mais simples, a rua é esburacada. Aquelas roupas que estão à venda nos brechós e feiras de usados invadem a periferia. Isso explica os modelos que a Conceição, colega de classe, usa. Dançam o funk, o sertanejo; as meninas usam roupas justas; há aqueles que têm tatuagens, brincos e piercings em partes do corpo. Será que não dói?

Abismados com o choque dos costumes se encurralam próximos dos pais enquanto as crianças da redondeza, vendo as pipas, vão chegando, rodeando e se apoderando delas. Falam do cerol que eles usam, o mesmo que a professora vive dizendo que é perigoso. Vendo o interesse daqueles pequenos pelos brinquedos, um dos pais sugeriu que fossem doados àqueles garotos; eles os receberam e saíram invadindo a rua e o trânsito.

O ambiente se torna tenso. Alegando que o sol estava forte, que era a hora de ir embora, os colegas vão saindo.

Tiveram uma aula prática de vida e, embora não entendam o ocorrido ou o que o futuro lhes reserva, os momentos contrastantes que conheceram é só um exemplo do paradoxo social com o qual eles terão de conviver.