DESFAVELIZAÇÃO DO BRASIL

Como o conceito "favela" evoca uma realidade desumana, há sugestões de que não se denomine mais os conjuntos favelados de "favela", mas de "assentamentos subnormais", o que teria conotação menos pejorativa. Evidentemente, seria uma tremenda injustiça considerar todos os favelados como marginais, vagabundos, ou coisas que valha. A maioria dos moradores das favelas não está lá porque quer, mas porque não possui alternativas. Por isto mesmo, ao entrar em favelas, o que se presencia é uma ofensa à dignidade humana. E se ainda possuímos sensibilidade humana, naturalmente, se sente uma indignação política por não se colocar como prioridade das prioridades governamentais a desfavelização do país. Isto demonstra uma incrível insensibilidade de nossos políticos, de nossos empresários, de nossos religiosos perante esta situação indigna de moradia da maioria da população favelada. Simultaneamente com os belos projetos de "fome zero", de "bolsa família", de "minha casa, minha vida", e tantos programas sociais e gestos de solidariedade pelo Natal, que, em geral, são puros paliativos, deveria nascer uma indignação nacional frente à permanência das milhares de favelas nas grandes e médias cidades brasileiras. Pois, nenhum brasileiro, minimamente informado, ignora que as favelas são fonte, ou retrato, de múltiplos problemas sociais. Embora não em maioria, mas em grande parte, as pessoas faveladas estão psicológica e culturalmente desestruturadas, pelo ambiente perverso e desumano em que vivem. Psicologicamente vivem sem a tranquilidade de uma vida normal. A maioria vive angustiada com o seu futuro e o futuro de seus filhos. Grande parte das pessoas ali residentes não possuem relacionamentos familiares estáveis e tranquilos. Muitas mulheres são induzidas à prostituição, ou à prestação de sub-serviços, sujeitando-se a uma sub-remuneração, e constantemente expostas à violência. Muitos homens desempregados perambulam de boteco em boteco, embebedando-se, a se drogar e prostituir, e gerando filhos sem responsabilidade. Pois estes são os seus únicos e principais divertimentos e prazeres.

A falta de inclusão comunitária leva à violência e à desordem. O desemprego e a falta de ocupação tornam os jovens vítimas fáceis da bandidagem, das drogas e de outros vícios. Faltam as condições e o estímulo para os valores humanitários. O ambiente nas favelas não favorece apenas a ignorância literária. O "analfabetismo" que ali floresce é também de sãos costumes e trato social civilizado. A privacidade é praticamente impossível. A falta de espaço obriga os indivíduos a invadirem o espaço vital mínimo necessário a uma privacidade existencial. Por isto a alta taxa de promiscuidade, de violência, de agressvidade que define as favelas. Assim se deve entender que a vida nas favelas não favorece nem uma vida humana digna, nem civilizada. Por isto o Brasil, caso queira ser considerado um país civilizado, em que haja um conceito positivo de seus políticos, do sistema judiciário e dos sentimentos humanos de seu povo, necessariamente, e de imediato, terá que propor um amplo projeto de desfavelização do país. Quem não se indigna com 2.000 favelas em São Paulo, com 1.000 favelas no Rio de Janeiro, com 600 favelas na região metropolitana do Recife, e com outras centenas de favelas pelos centros urbanos de todo território nacional? Os mandatários deste País deveriam se envergonhar por não enfrentarem com o devido empenho este problema fundamental, que ofende a dignidade de todos os brasileiros, minimamente humanizados.

Não há dúvida que são louváveis outros projetos sociais, mas o primeiro e fundamental deveria ser a desfavelização do Brasil. Enquanto isto não acontecer, nosso país continuará a ser visto pelo mundo civilizado, como um país corrupto, subdesenvolvido, um sub-mundo. Somente um Brasil desfavelizado nos permitiria viver de "cabeça erguida", pois isto nos permitiria alardear pelo mundo inteiro que aqui vivemos uma vida humana digna e humana, sem a precariedade de moradia de grande parte da população, obrigada a viver no sub-mundo de nossas favelas, que envergonha a todos. Mas é preciso também considerar que "favela" nem sempre é apenas um espaço geográfico. Muitas vezes "favela" também é um "estado de espírito". Mesmo nas coberturas de nossos prédios encontramos este tipo de "favela". Mas, sobre estas "favelas" refletirei em outra oportunidade.