Bóris Casoy, os garis e a vergonha

Wilson Correia*

No último dia útil de 2009 o “Jornal da Band” veiculou imagens e falas de garis paulistanos desejando felicidades para os telespectadores daquele telejornal, vídeo ao qual só assisti no dia de hoje. Às vésperas de 2010, nada mais oportuno. Exceto para o vetusto Bóris Casoy, apresentador do telejornal, o qual cuspiu: “Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto da suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho". No dia seguinte, no mesmo telejornal, Casoy pediu desculpas a quem tivesse ofendido, o que, aliás, não paga as ofensas.

Ao ver os vídeos (o do ataque à dignidade dos garis e o do pedido de desculpas pelo apresentador), não senti aliviada a percepção que sempre mantive desse homem da imprensa. Para mim, quando o tal jornalista levanta as sobrancelhas e arregala os olhos para emitir “opiniões” (a mais baixa forma de conhecimento na escala dos saberes humanos, como propuseram os gregos de antes de Cristo) sobre notícias diversas, algo como uma entidade néscia emerge de dentro dele, na forma de asno, quadrúpede. É quando as orelhas néscias borisianas crescem e a mente obscura dele fanatiza-se, transformando-o em um pequeno monstro vociferador dos mais crassos preconceitos e vitupérios, notadamente contra pobres, analfabetos, negros e demais minorias que campeiam as sociedades capitalistas que ele julga ser o suprassumo de modelo societário. O homúnculo Casoy surge na tela antropolagicamente míope e econômica, social e culturalmente obtuso. Uma toupeira. Crenças semelhantes às que deram origem ao nazismo alemão e ao fascismo italiano emergem de seus lábios e extravasam ódio, pequenez humana, e muita, muita falta de compreensão, muita da ignorância negativa que pode acometer um ser humano.

De modo que essa externalização do próprio pensamento (inominável!) sobre os garis paulistanos (e de todo o resto do mundo!) pelo jornalista da Band apenas corroborou o meu entendimento sobre Casoy: um “ledor de teleprompter” e de notícias editadas ao gosto dos representantes de uma elite brasileira que sempre manteve um modelo de sociedade estruturalmente injusto, excludente e socialmente preconceituoso, do qual Bóris faz-se um porta-voz. O que é uma pena! De um homem letrado como ele espera-se a “competência” e as “habilidades” (as palavras mágicas que os egóicos capitalistas que ele tanto defende gostam muito de utilizar) para fazer a leitura significativa da realidade, a qual lhe mostraria que tanto ele, Bóris, como os garis, na condição socioeconômica execrada por ele, são sujeitos socialmente produzidos; e que culpar os garis pelo fato de a sociedade ter dado a eles apenas essa condição de vida é duplamente injusto (é como culpar o doente por ser doente, o pobre por ser pobre e o analfabeto por ser analfabeto). É por isso que digo que Casoy representa uma parte da sociedade que se julga iluminada e por cima da carne seca, sem se dar conta de que ela só se encontra nessa condição porque seres humanos, todos os dias, iguais aos garis que ele vilipendiou, dão a própria vida para manterem suas panças repletas de gordura e bem alimentadas. É algo mais ou menos assim: “Eu contribuo para criar o pobre e, depois, condeno essa minha criatura exatamente por ela ser pobre”. É crueldade de classe para além da conta!

Se estivéssemos na Noruega, onde a economia é mista, e onde o mercado não é o deus todo-poderoso a ditar a vida e a morte das pessoas, como aqui no nosso Brasil, talvez Bóris não tivesse nenhuma “deixa” para falar de garis. Na Noruega, a diferença entre o menor e o maior salário é de apenas dez vezes. Se nossa economia seguisse esse balizamento ético, talvez Bóris não se sentisse muito superior e acima de garis. Detalhe: há algum tempo a Noruega é a número um do mundo em IDH, índice que mede o desenvolvimento humano das nações, em cujo ranking hoje o Brasil figura na 70ª posição na lista das 179 nações e territórios alcançadas pelo índice.

Se existem modelos socioeconômicos que poderiam nos ajudar a ir em busca de justiça e liberdade, também existem modelos de formação humana que poderiam ajudar Casoy a melhor entender o mundo produtivo, em que as pessoas se unem coletivamente para manterem a vida em comum porque, individualmente, é impossível mantê-la. Esse modelo ele poderia encontrar, por exemplo, na empresa japonesa de um amigo meu, o qual me contou que o pai e a mãe dele ainda hoje, quando chegam na empresa, a primeira coisa que fazem é ir pessoalmente lavar o banheiro da organização, atividade que eles executam duas outras vezes ao longo do dia, para espanto de “visitantes” ocidentais que por lá passam, sem entenderem o princípio de gestão daquela empresa e que meu amigo me conta: “Todo novo funcionário, pode ser um engenheiro, um contabilista, um administrador que acabou de sair da faculdade, quando é admitido na empresa do meu pai, primeiro eles se dedicam à faxina do chão da fábrica e dos escritórios. Depois eles tiram xérox. Em seguida, tornam-se contínuos, “office boys”... entram debaixo para cima, conhecem toda a estrutura organizacional da empresa e, depois disso, depois de três meses, então são encaminhados aos cargos para os quais foram contratados. Isso dá dignidade a todo mundo dentro da empresa. Ninguém se sente superior a ninguém. Todos são tidos como colaboradores concretos uns dos outros. E todos podem substituir todos porque ninguém está autorizado a dizer que foi contratado apenas para fazer ‘A’ e que desconhece como se faz ‘B’”. Então... Se Bóris tivesse sido educado segundo essa pedagogia holística dos nossos irmãos japoneses, será que ele teria encontrado em sua mente pequena o torpe motivo para espezinhar a honra dos garis paulistanos e de todos os cantos do mundo? Suponho que não e que ele saberia mais: a verdade de que, em nossa sociedade, onde todos tem a ver com todos, um Bóris só é possível porque existem os garis (razão pela qual o gari tem de ganhar algo que faça frente à sua dignidade de ser humano).

Bom... outras idéias estão aqui, mas julgo que o que já escrevi é o suficiente para eu descarregar a minha indignação, não apenas com a pessoa de Bóris Casoy, mas com essa mentalidade que ele veicula e da qual ele e garis são vítimas. Eu desejei ardentemente que os humanos já tivessem criado os garis para faxinarem a mente de pessoas que se deixaram sujar por ancianidade, preconceito e megalomania. Mas esses faxinadores de mentes doentias ainda não existem. Se existissem, não tenho dúvida, Bóris Casoy seria o primeiro a ter a mente de toupeira muito bem faxinada. Até porque, em pleno Século XXI, ter uma cabeça tão tacanha como a dele não passa da pior das misérias possíveis, o que, sem dúvida, É UMA VERGONHA!

.///P.S.: Peço desculpas aos amigos e amigas aqui do RL por estar afastado nesse período. Em breve estarei de volta. Obrigado a todos e a todas pelo carinho. Perdão se não estou respondendo. Em breve quero voltar a interagir com todos, para prosseguir no meu aprendizado e crescimento contínuo sob a troca tão rica que vocês me possibilitam.///.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br.

"CASO BORIS CASOY

O destino acerta suas contas

Por Celso Lungaretti em 5/1/2010

Na manhã de segunda-feira (4/1), as dezenas de postagens no YouTube referentes aos comentários que o apresentador Boris Casoy inadvertidamente fez sobre os garis no Jornal da Band já haviam sido vistas quase 1,2 milhão de vezes. A mais assistida estava na casa de 850 mil hits.

Se alguém ainda não sabe, o noticioso levou ao ar saudações de Ano Novo de dois simpáticos garis: um senhor branco já com cabelos brancos e um negro na faixa de 40 anos. Causaram ótima impressão, com seu ar digno e uma alegria que não parecia forçada. Depois, enquanto eram exibidas vinhetas, ouviu-se a voz de Casoy no fundo, comentando com a equipe:

"Que merda! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras... dois lixeiros... o mais baixo da escala de trabalho!"

No dia seguinte Casoy pediu "profundas desculpas aos garis e aos telespetadores da Band" pelo que escutaram em razão de um "vazamento de áudio" (na verdade, só ouviram isso porque ele disse...). Fê-lo, entretanto, de maneira burocrática e pouco convincente, não aparentando estar nem um pouco arrependido do desprezo aristocrático que manifestou pelos trabalhadores humildes. As postagens relativas no YouTube não somavam hoje nem 100 mil exibições.

Lembrei-me da rainha Maria Antonieta recomendando aos pobres que, se não tinham pães, que comessem bolos. Perdeu a cabeça. Casoy teve mais sorte, só quebrou a cara...

Fiquei matutando sobre o destino e seus contrapesos. Às vezes a mesma pessoa é brindada com a sorte grande num momento e tira o azar grande adiante. Ou vice-versa.

Casoy é elitista, racista, conservador e reacionário desde muito cedo. Um velho companheiro que com ele cursou Direito no Mackenzie me contou: aos 23 anos, Casoy era um dos líderes da ala jovem do Comando de Caça aos Comunistas, que tinha nessa faculdade um de seus focos principais.

Mais: nos idos de 1964, Casoy chegou a ser citado em reportagem da revista Cruzeiro como membro destacado da juventude anticomunista.

A quartelada o beneficiou, claro: foi homem de imprensa de um ministro do governo Médici e do secretário da Agricultura de São, Herbert Levy, outra figurinha carimbada da direita. Mas, nem tinha texto de qualidade superior, nem era uma figura agradável na telinha, portanto estava direcionado para uma carreira mediana no jornalismo, não fosse uma moeda que caiu em pé.

Sete anos

Isto aconteceu quando o comando do II Exército aproveitou uma frase imprudente do cronista Lourenço Diaféria (sobre mendigos urinarem na estátua de Caxias) para intervir na Folha de S.Paulo.

Os militares exigiram a destituição do diretor de redação Cláudio Abramo (trotskista histórico), o afastamento de alguns profissionais (demitidos ou realocados) e o abrandamento da linha editorial.

O proprietário Octávio Frias de Oliveira, que sempre se definiu como comerciante e não jornalista, negociou. Servil, aceitou até substituir Abramo por um homem de absoluta confiança do regime militar: Casoy, que editava a coluna "Painel" (sobre os bastidores políticos), então um espaço dos mais secundários no jornal.

Igualmente secundário era Casoy para os leitores da Folha e para os próprios militantes/simpatizantes da esquerda. Suas posições fascistóides eram ignoradas pela maioria.

Aí, como diretor de Redação, calhou de ser ele o principal defensor do jornal num episódio de reação à censura. Ou seja, sob palco iluminado, o lobo teve seu momento de cordeiro, o caçador de comunistas maquilou sua imagem para a de defensor da liberdade de expressão.

Sua carreira deslanchou. Depois de comandar a redação da Folha por sete anos (saiu para dar lugar ao filho do patrão), voltou a editar a coluna "Painel", cuja importância crescera nesse ínterim. Finalmente, tornou-se conhecido pelo grande público como apresentador do Telejornal Brasil, do SBT, entre 1988 e 1997.

Justiça divina

Novamente os fados o bafejaram. Numa emissora que investia pouco em jornalismo e não tinha reportagens para mostrar que, quantitativa e qualitativamente, chegassem nem perto das exibidas pela Rede Globo, o jeito foi deixar crescer o espaço do apresentador.

Casoy pôde, assim, atuar como um âncora à moda dos EUA, fazendo comentários catárticos sobre episódios de corrupção política (principalmente) que eram concluídos com um ou outro de seus bordões habituais: "Isto é uma vergonha!" é "É preciso passar o Brasil a limpo!".

Ou seja, para telespectadores da classe "C" e "D", ele passou a personificar o justiceiro que atirava a verdade na cara dos poderosos. É um público que, em sua ingenuidade, valoriza desmesuradamente essa justiça retórica e ilusória, sem perceber que, depois do desabafo, continua tudo na mesma...

Assim, por novo golpe do destino, um comunicador azedo conquistou a simpatia dos pobres e dos muito pobres, ao expressar seu inconformismo impotente face às agruras que os atingem e eles são incapazes de compreender em toda sua extensão.

É fácil canalizar seu justo ressentimento contra os políticos desonestos. Tanto quanto é conveniente, para os poderosos, mantê-los na ignorância de que o maior vilão em suas sofridas existências atende pelo nome de capitalismo.

Servindo tão bem os interesses do sistema, Casoy atravessou as duas últimas décadas como um aclamado populista televisivo de direita.

Só teve alguns percalços ao exagerar na dose contra o governo Lula, mas seus pés de barro continuaram, tanto quanto possível, ignorados pelo grande público. Agora, um acaso revelou ao Brasil inteiro que indivíduo insensível e preconceituoso é, na verdade, Boris Casoy.

Alguns viram este episódio como um exemplo da justiça divina em ação. Quem sabe?"

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=571FDS003