TENTAÇÃO (Texto I)

PALAVRAS DE VIDA

Pr. Serafim Isidóro.

TENTAÇÃO

Tentar não é só "empurrar para cair". A tentação às vezes se presta benéfica porque eleva, promove purifica. A tentação aprimora, aperfeiçoa, fortifica. O termo tentação, tão usado nas Escrituras Sagradas, nos MSs. (manuscritos) do Novo Testamento, Peirasmós na sua forma de substantivo e Peirazô, como verbo, é traduzido em nossas Bíblias como: teste, prova, tentação, experiência. É usado sessenta e uma vezes no Novo Testamento.

DEUS TENTANDO O HOMEM

É neste particular que, como em outros textos, o assunto parece-nos antagônico, contraditório. Tiago o escritor do texto sagrado diz: "Bem-aventurado o homem que suporta com perseverança a tentação (peirasmós) porque, depois de ter sido aprovado (dokimos), receberá a coroa da vida, a qual o Senhor prometeu aos que O amam. Ninguém ao ser tentado (peirazomenos) diga: sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado (apeirastos) pelo mal (kakon) e Ele mesmo a ninguém tenta (peirazei)" - Tg. 1:12-13.

Este texto é continuamente usado, de forma geral pelos cristãos evangélicos para afirmar categóricamente que Deus a ninguém tenta. Para tais, dizer-se de um Deus que tentasse o homem pareceria blasfêmia, coisa absurda, sacrilégio... O papel de tentador não seria de Deus, mas de outro personagem que, sendo mau, se ocuparia continuamente a "empurrar" o homem para cair, como ele mesmo caiu da graça e do favor de Deus...

Para sermos em favor dessa premissa, entretanto, estaríamos colocando tal personagem em uma posição elevada, de autoridade e poder que ele realmente não possui. Este é apenas o executor de tarefas, escravo da soberania de Deus, dominado e preso pelas rédeas da vontade divina e o máximo que lhe cabe é propor os seus anseios acerca do homem, como se deu no caso de Jó, o patriarca, relatado nos primeiros capítulos do livro do mesmo nome.

Passemos a analisar o texto de Tg. 1:12-13:

Quando esse escritor da carta sagrada diz que Deus a ninguém tenta (peirazei) porque Ele mesmo não é tentado (apeirastos) pelo mal, está usando a palavra grega Peirasmós, que é um substantivo masculino, singular, e que significa (necessitamos repetir): teste, prova, tentação, experiência. Todas estas palavras portuguesas e mais os seus sinônimos podem ser traduzidas da palavra grega original acima descrita, usada neste e em outros textos bíblicos. Tentar, portanto, é: testar (colocar sob teste) provar (colocar sob prova) experimentar (colocar sob experiência).

Observe-se, agora: em Gn. 22:1 lemos: "Depois destas coisas tentou Deus a Abraão (epeirase) (tradução da Septuaginta), e lhe disse: Abraão - este lhe respondeu: eis-me aqui. Acrescentou Deus: Toma o teu filho, o teu único filho Isac, a quem amas e vai a terra de Moriá. Oferece-o ali, em holocausto sobre um dos montes que eu te mostrarei..."

Pesada e difícil tentação...

A Edição Revista e Corrigida - ERC - da Imprensa Bíblica Brasileira - 1978 - traduziu: "E aconteceu, depois destas coisas, que tentou Deus a Abraão". A Tradução Brasileira - da Soc. Britânica e Estrangeira, edição 1939 - traduziu: "Depois disto experimentou Deus a Abraão". A King James Version - 1976 - traduziu: "God did tempt Abraham". - Pelo que se nota nestas traduções da Bíblia, tentar e experimentar são sinônimos da palavra grega peirasmós usada no texto Gn. 22:1 pela Septuaginta (tradução grega da Bíblia Hebraica).

D E U S T E N T O U A B R A Ã O ! ...

É possível encontrarmos, nas Escrituras Sagradas, termos que têm dupla aplicação: Jesus é a "Estrela da Manhã" - Satanás é (foi) a "Estrela da Manhã - Is. 14:12. - Jesus é comparado ao Leão - Ap. 5:5 Satanás é comparado (também ) ao Leão - I Pd. 5:8. Assim, Deus tenta, o Diabo tenta. A palavra é a mesma: peirasmós. Muda, porém, o significado dessa tentação: a tentação a que o escritor Tiago se refere em sua carta não tem o mesmo significado usado em Gn. 22:1. Há grande diferença entre a tentação promovida por Deus e a tentação executada pelo Diabo.

No motivo que ilustra a capa de nosso livro sobre este assunto, podem-se observar duas setas significativas apontando para sentidos diferentes acompanhando a palavra tentação. A seta que aponta para baixo significa a tentação aplicada pelo Diabo, ao passo que a seta que indica para cima significa a tentação aplicada, dirigida e executada por Deus. No texto do Gn. 22:1, Quem falou com Abraão foi Deus. É Ele, Deus, Quem leva Abraão a um penoso, difícil mas necessário teste.

É do vocabulário evangélico o dizer-se que Deus prova o justo. O que não tem sido, contudo, entendido é que provar, e: tentar, originalmente são uma e a mesma coisa; apenas sinônimos, apenas preferência de tradução nas diversas versões da Bíblia. Examinemos ponderadamente os motivos da tentação que vem da parte de Deus:

UMA PROVA

É uma prova para revelar ao homem a fraqueza deste e a necessidade de total dependência Àquele. Deus tenta, prova, testa Abraão para mostrar-lhe (e para mostrar a todos nós) a fraqueza e a incredulidade que esse patriarca demonstrara no passado. Abraão, chamado por Deus creu e por isso deixou, abandonou atrás de si sua parentela e sua terra e rumou como que vendo o invisível, para uma terra desconhecida - Canaã... Abraão tinha setenta e cinco anos de idade - Gn. 12.4.

Oito anos após a chamada divina, ele tinha oitenta e três anos e Deus entrou em aliança com ele, selou o pacto com fogo, falou-lhe do seu futuro e Abraão creu no Senhor - Gn. 15:6.

Dez anos após a chamada, ele tinha oitenta e cinco anos de idade e, por sugestão de sua esposa Sara e por increulidade frente a incapacidade dela para conceber filhos, se uniu a serva de sua "Princesa" - Sara, e gerou com aquela escrava Agar - "Fuga" ( ! ) um filho a quem chamou Ismael - "Quem Deus ouve".

Vinte e quatro anos após a chamada, Abraão com noventa e nove anos de idade e Sara com oitenta e nove, Deus lhe falou novamente acerca do nascimento do "filho da promessa" - Gn. 17:1-14. "Então se prostrou Abraão, rosto em terra e riu e disse: a um homem de cem anos há de nascer um filho? Dará a luz Sara com seus noventa anos?".

Para que se tornasse padrão, o modelo, o pai na fé daqueles que haveriam de crer, Abraão necessitava de um aperfeiçoamento e merecia da parte de Deus uma correção, acerto de arestas, uma lapidação desse diamante bruto que, apesar de tantos anos de experiências, ainda não chegara a posição de fé exigida por Deus. A fé de Abraão oscilava como um pêndulo durante esses longos anos de espera pelo cumprimento da promessa divina. Ia e vinha, vinha e ia, naqueles vinte e quatro anos que se passaram. Deus havia exigido dele: "Anda na minha presença e sê perfeito" - Gn. 17:1 - Perfeito em quê?-"Repreenda-os severamente para que sejam sadios (perfeitos e sãos) na fé" - Tt. 1:13. A fé que não é doente, a fé que não oscila, a fé firme como uma base, um fundamento imóvel, era o que Deus desejava de Abraão, porque: "O meu justo viverá da fé e se ele recuar, a minha alma não tem prazer nele". - Hb. 10:38.

A prova (tentação) da parte de Deus revela ao homem o verdadeiro estado da humana imperfeição!...

Porém, duas das importantes facetas do caráter de Deus são: a misericórdia e a longanimidade. Apesar da desconfiança de Abrão e de sua esposa Sara - ambos riram diante da declaração de Deus - aos cem anos de Abraão e aos noventa anos de Sara, Isaque, o filho da promessa, nasceu. "Os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento". Ficou, porém, um déficit da parte de Abraão para com o Senhor: a perfeição da fé. Quinze ou mais anos se passariam, Isaque já seria um moço amado, privilegiado herdeiro de de seu pai, quando Deus vem pedir a Abrão o sacrifício maior: a vida de Isaque sacrificada pelo próprio patriarca.

O tempo não apaga, perante Deus, nossas faltas e pecados. "Porque a sentença de Deus não é executada logo, o coração dos filhos dos homens é propenso a pensar que ela não virá". Deus tentou a Abrãao numa forma de prova, mesmo depois daquele já ter recebido o "diploma" da promessa.

"De que se queixa o homem? - Queixe-se dos seus próprios pecados."

A tentação (prova, teste, experiência) peirasmós de Deus a Abrão visava o aperfeiçoamento deste que viria a ser, teológicamente, o pai de todos aqueles que crêem. Não é desta tentação que Tiago, o escritor está a se referir no seu escrito. Há uma tentação malígna, prejudicial e destruidora que assola o ser humano. Esta, a seta para baixo. Mas a tentação de Deus promove, aperfeiçoa.

Ilustraremos usando o princípio básico da Homeopatia - Homeô, semelhante + Pathia, doença, sofimento. A técnica usada como remédio é provocar um aumento dos sintomas da doença afim de que o próprio organismo reaja contra ela.

Depois daquela prova, agora crendo, Abraão viveu ainda setenta e cinco anos, casou-se com Quetura, gerou príncipes com ela e tornou-se o pai de Ismaelitas, Israelitas e Árabes.

De Deus,escreveu Paulo, o grande apóstolo: "Quão insondáveis são os Seus caminhos".

Só Deus.

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O Pr., Th. D., Honoris Teologia, D.D., Serafim Isidóro oferece seus livros, apostilas e aulas do grego koinê: serafimprdr@ig.com.br