Uma abordagem sociológica da violência no sertão de Sergipe

Uma abordagem sociológica da violência no sertão de Sergipe

Rangel Alves da Costa*

Não faz muito tempo, cerca de uns quinze anos atrás, que os moradores da cidade de Poço Redondo, após muita fadiga do longo dia de trabalho e do sol escaldante a experimentar suas forças, ao anoitecer colocavam suas esteiras nas calçadas das casas e ali deitavam, proseando com os seus, e depois adormeciam sossegadamente, no ventinho bom da paz sertaneja até altas horas da madrugada. Não havia quem os importunassem, quem os ameaçasse ou praticasse qualquer tipo de violência. As portas e janelas podiam ficar abertas noite adentro; os noctívagos podiam vagar debaixo da lua até a hora que quisessem; a tranqüilidade reinava nas ruas e nos recantos. Eram raros os casos de homicídios, estes ocorrendo basicamente nos povoados e envolvendo gente forasteira; os roubos e furtos eram raramente constatados; as desavenças, sem graves conseqüências, eram quase sempre causadas pelas longas bebedeiras em dias de feira. Tempos idos, que nem de longe se compara com o crescente estado de violência que impera atualmente por todo o sertão.

Os atos de violência tão propalados nos tempos de Lampião, se verdadeiros ou lendários, agora ressurgem na sua mais cruel frieza e tragicidade. A imprensa é testemunha desse presumido ressurgimento e a cada dia noticia a disseminação da degradante realidade do semi-árido: “Ontem, o governador em exercício, Ulices Andrade, demonstrou preocupação com a onda de violência registrada no sertão sergipano, especialmente com a grande incidência de roubo de gado”( Jornal do Dia – 13/01/2009); “A população de Monte Alegre (SE) promoveu um ato público, na sexta-feira passada (4), em protesto contra os assassinatos de uma criança e de uma adolescente ocorridos no município, no dia 28 de abril” (site Direito2.com.br, em 08/05/2007; ) “O roubo dos animais de José, que pode parecer desimportante a quem não conhece a realidade do sertanejo, não está atingindo apenas a pequena propriedade dele, mas toda a região do alto sertão sergipano, na qual pequenos, médios e grandes criadores de gado do Estado vivem aterrorizados” (Cinform – 12/01/2009); “Suspeito de envolvimento em arrombamentos, homicídios e roubo de animais, o desempregado Antônio Júnior, foi assassinado a tiros e teve a cabeça decepada. O crime aconteceu às 2 horas de ontem, no povoado Capim Grosso, em Canindé do São Francisco” (Jornal da Cidade – 03/07/2009); “Policiais da delegacia de Porto da Folha, a 190 KM de Aracaju, prenderam o maior traficante de droga do sertão de Sergipe. Damião dos Santos agia há meses em Porto da Folha e segundo investigações da polícia local, negociava mensalmente mais de 12 quilos de maconha” (Boletim da SSP/SE, em 10/05/2007). Caberia citar centenas de outras notícias nesse mesmo teor, vez que os jornais e sites estão repletos da criminalidade sertaneja envolvendo assassinatos, roubos e furtos, tráfico de drogas, exploração sexual de menores etc.

As conseqüências da violência todos conhecem, e são as mesmas noticiadas pela imprensa, acrescentando-se a isto o pavor que se espalha naquele que deveria ser o romântico e bucólico mundo caipira, além do medo constante que se interioriza nas pessoas e no sentimento de impotência que é criado. Ora, alguém poderia perguntar: A que estágio chegamos meu Deus? Será que o desenvolvimento do sertão é somente nos aberrantes aumentos dos índices de violência e criminalidade? Como resposta inevitavelmente teria que esse é o preço que se paga quando os municípios são invadidos por forasteiros, tornam-se descaracterizados pela dispersão das famílias tradicionais e de outras famílias que constituem o núcleo de valorização da comunidade, perdem a importância que se dava antes às relações de parentesco e de amizade, deixam de lado a noção de vida comunitária e participativa e passam a ser regidos por disputas entre os velhos e os novos habitantes, enfim, quando o lugar perde a sua feição de cidade interiorana e torna-se cosmopolita, importando os modismos da cidade grande, incluindo-se aí a prática de todo tipo de violência e a proliferação do uso de drogas.

Neste sentido, a questão ganha um cunho sociológico, pois as possíveis causas citadas se constituem em fatos sociais novos, impostos por uma realidade forçadamente introduzida e que confronta com as regras da suposta pacificidade social até então existente. Essa realidade introduzida de forma abrupta, pois as mudanças negativas passaram a mostrar toda sua força do final do século passado para cá, redundou no que se pode chamar de “império da violência”. Qual seria, então, o principal fator de violência existente na estrutura social sertaneja moderna? Logicamente, como já foi dito, tem-se que o principal fator é o inchaço, o acúmulo de pessoas estranhas aos municípios que passaram a conviver nas localidades, seja como sem-terra, assentados, migrantes ou mesmo como simples opção de moradia.

Nesse contexto de proliferação de pessoas totalmente estranhas num mesmo município, onde cada estranho tem um passado desconhecido, com cada um querendo mostrar sua força perante o outro, o que se vê é que o lugar que era familiarmente estabelecido, torna-se terra de ninguém. Dessa desconfiguração do status próprio da comunidade, o fruto mais perverso é a proliferação da violência, e esta sendo praticada, na grande maioria dos casos, pelos forasteiros espalhados ali e acolá, nos assentamentos, povoados e nas periferias das cidades. Mas as manchetes dos jornais não falam sobre a naturalidade dos infratores, dos meliantes. São mostrados apenas como sertanejos.

Advogado e poeta

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