Mulher "Negro do Mundo"

Quem quer ser escravo, objeto ou apenas uma mobilia? Ser dominado sem qualquer direito, ver a vida passar em branco, como um simples vegetal. Ou tomar a decisão de construir seu próprio caminho, mesmo que as custas de romper com a comodidade do dia-dia, dizer não ao dominador.

Abandonar o pássaro na gaiola, deixar a violeta morrer de sede, jamais voltar a recolher o jornal. O apelo da personagem do conto de Dalton Trevisan, parece ser a descoberta que a solidão existe, ele quer a volta da senhora, pois não sabe viver por si mesmo. No entanto ele não pensa em mudança, pensa apenas o quanto era cômodo ter alguêm para satisfazer todos os seus desejos.

A briga pelo sal no tomate apenas reflete a sociedade, onde o macho dominante mostra seus dentes, não aceitando qualquer gesto contrário. Não aceita a palavra não como resposta. Na nossa sociedade, onde temos quem manda e quem obedece, muitas vezes somente a luta pode quebrar a cadeia de dominação que paira sobre os ombros das chamadas minorias. Quando a mulher parte em busca de seus sonhos, muitas vezes, ela não sabe que está criando um caminho por onde passará todos os dominados e marginalizados da nossa sociedade.

A senhora do conto partiu, nós não sabemos seu nome, mas o que importa é saber que o homem, o macho, já não é tão poderoso assim. Se tudo o que ele quer é sua vida de volta, pode ser que acabe descobrindo que jamais à terá novamente. O conto é uma crítica a nossa sociedade que descrimina, não só as mulheres, mas também, o negro, o branco pobre e todos os marginalizados. Talvez a mulher seja a face mais visivel, por ter que conviver com o macho. Se a mulher conseguiu quebrar barreiras, e conquistar alguns direitos, ela ainda é, como diria Lennon "O negro do mundo".

A luta pela igualdade entre os gêneros está longe de acabar, cabe a mulher romper todos os grilhões que à faz pensar que é inferior ao homem. Quando a mulher conquistar todos os seus direitos, estará servindo de exemplo à todas as outras minorias. Sem luta nada conseguiremos. O conto de Dalton é um apelo para que nós os homens, olhemos nossas mulheres, não como objetos, como um sapato velho que se joga fora, quando já não nos serve. Mas como parceiras nessa nossa aventura pela vida. A roda da história gira sem parar, quem sabe um dia a mulher dominará o mundo. Nesse dia não teremos crianças morrendo de fome, não teremos mulheres sendo mortas por contrariar os machos de plantão. Nesse dia talvez não exista lugar para aqueles que acredita que o lugar da mulher é na cozinha. Ou na porta do banheiro com a toalha e os chinelos na mão, aguardando seu macho chegar. Nesse dia, a mulher e todas as minorias deixarão de ser "O negro do mundo".

O conto O apelo de Dalton Trevisan é um texto descarado, pois não esconde nada, não esconde as mazelas da nossa sociedade. É feito de personagens planos que não mudam o oposto entre eles. Ela era a poesia personificada no pássaro e na planta, ele a brutalidade, capaz de brigar pelo sal no tomate. No momento em que a senhora vai embora, o homem sente-se livre, como se não tivesse que se preocupar com coisa alguma. Porém logo ele começa a sentir a falta dela, pela bagunça em que a casa está. A solidão logo bate a porta, no entanto o narrador personagem não pensa em mudança. Ele a quer de volta, para que tudo volte a ser como antes. Parece ser uma opção do autor trabalhar com personagens truncados e espaço opressivo. A casa que antes era o porto seguro, agora é o lugar da solidão e do abandono. O homem antes um rei, hoje um excluido. O conto é o retrato de uma realidade universal, o homem e suas misérias. Meio social e humana. O velho Dalton mostra seus dentes, nós os homens não somos os todo poderosos que pensávamos ser, precisamos repensar nosso papel nesse mundo em que vivemos, pois quem sabe um dia não seremos "O negro do mundo".

O conto O apelo pode ser encontrado no livro "Mistérios de Curitiba" página 73 Editora Record/1979 ou no site "releitura",

velho beat
Enviado por velho beat em 30/07/2006
Reeditado em 06/08/2006
Código do texto: T205348