O carnaval de Minas é mais que isso...

Um amigo paulista resolveu me rebaixar afirmando que em Minas Gerais não existe carnaval. Estávamos comentando sobre a festa no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Vitória do Espírito Santo. Fiquei cabreiro com a provocação, mas inicialmente a aceitei, pois estamos longe de ter as escolas desses lugares, ainda mais com a sofisticação que elas alcançaram.

Todavia, gostaria de informar ao meu amigo que o carnaval em Minas Gerais tem suas peculiaridades e suas escolas de samba. Como se sabe, as escolas, tal como vemos hoje, foram resultado de um longo processo histórico de ranchos, cordões, blocos, associações etc. Por aqui, entre os morros digo que em Belo Horizonte temos algumas escolas de samba e há tempos são conhecidas como a “Acadêmicos de Venda Nova”, “Canto da Alvorada”, “Chame-Chame”, “Cidade Jardim”, “Estrela do Vale”, “Galoucura”, “Imperatriz de Venda Nova”, “Império da Nova Era”, “Inconfidência Mineira”, “Mocidade independente Bem-te-vi”, “Unidos da onça” e “Unidos Guaranis”. São muitas e, como nos grandes centros, seguem as diferenças sociais, culturais e econômicas de cada região. Mas não é erro dizer que andam engatinhando. Há muito tentam emplacar novamente os desfiles no “Bulevar Arrudas”, mas sempre dão de cara com as regras da Prefeitura e do pouco investimento nesse campo. Penso mesmo que estamos patinando, haja vista a possibilidade de abertura de empregos e a criação de uma nova atração turística e ramos profissionais. Vale frisar que é tradicional na capital mineira a presença de blocos caricatos que desfilam todos os dias da festa.

De todo modo, ainda é possível indicar ao meu amigo o famoso carnaval de Juiz de Fora: uma cidade de médio porte que leva a sério a festa. Lembro-me das escolas “Feliz Lembrança”, “Juventude Imperial”, “Real Grandeza”, “Turunas do Riachuelo”, “Unidos do Ladeira” e “Vale do Paraibuna”. Talvez nesta cidade da Zona da Mata o pessoal seja até mais organizado e possuem grupo especial e de acesso. Além dessa cidade, também temos escolas em municípios de pequeno porte, mas nada muito diferente do grande montante que possui o Rio de Janeiro e São Paulo. Creio que valeria à pena um censo neste sentido.

Por outro lado, é bastante animado para os foliões o carnaval nas cidades históricas. As festas chegam mesmo a lembrar os velhos ranchos da década de 20 (sem a guerra de talco) e os blocos da década de 30 e 40. Ouro Preto, Diamantina, Mariana, Tiradentes, São João Del-Rei e Sabará compõem um grupo de seis irmãs que se esforçam por manter acesa a chama da festa. Nas duas primeiras cidades é muito peculiar a sensação de estar em carnavais de séculos passados, principalmente quando a noite cai e a madrugada chega. Obviamente, este é um momento para aqueles que ainda gostam das marchinhas e das festas em clubes. Nas outras cidades, além de existirem os blocos temáticos, ainda temos a oportunidade de ver as inversões de papéis entre homens e mulheres, o denominado “bloco-sujo” e as sátiras e críticas dos mineiros e mineiras que possuem muita criatividade. É bem verdade que em meio a tudo isso, temos as cópias enganosas de trios elétricos que ensurdecem os mais velhos e que fazem a alegria dos mais jovens. Eu, que estou mais para lá do que prá cá, já não suporto ouvir Ivete Sangalo tampouco Cláudia Leite. Meu sobrinho não abre mão delas e, pelo jeito da coisa, muitos amigos deles também.

É forçoso ainda comentar sobre os carnavais de outras cidades de pequeno porte, às quais, às duras penas, ainda mantém pequenas escolas de samba, blocos, cordões e festas tradicionais na rua e em clubes. De uma forma ou de outra, “os dias da carne” são aproveitados pelos mineiros, seja no norte, no sul, no centro, no triângulo ou na zona da mata, até porque muitos não tem se rendido a ficar em frente à TV assistindo as potentes, belas e maravilhosas escolas de São Paulo e Rio de Janeiro. No interior de Minas, é possível um carnaval com “muita água” em São Lourenço, Lambari, Baependi e Caxambu. São cidades maravilhosas e aconchegantes. Uma festa com muito sol e calor em Governador Valadares, Ipatinga, Coronel Fabriciano, Teófilo Otoni, Montes Claros e Janaúba. Também temos carnavais com muita tranqüilidade, próximos a coretos, bandas e muita gente pacata em Ubá, Viçosa, Leopoldina, Tocantins, Rio Pomba, Cataguases, Barbacena e Santos Dumont. Os mineiros também brincam, apesar da eterna desconfiança e olhar taciturno para os acontecimentos ao redor das montanhas de nosso estado.

Uma crítica deve ser feita: a massificação dos trios elétricos e a banalização da cultura local têm matado a tradição da festa em certas cidades. As prefeituras - numa clara visão política esquizofrênica de “pão e circo” - contratam baterias, passistas e mulatas de escolas de samba do Rio de Janeiro para “darem um show na cidade”. Alguns podem ver com bons olhos tal empreitada, afinal muitas pessoas de nosso interior nunca viram de perto uma bateria profissional e mulata para lá de dois metros de altura e com roupas sensuais e provocantes. No entanto, não deixa de ser hilária e trágica esta idéia: a festa se transformou em um show bizarro, de muito barulho, pouco enredo, conteúdo, poucos minutos e integrantes da bateria, mulatas e passistas se aproximando a atrações circenses. É um claro cenário de morte da cultura, da criatividade, da estética e da poesia local. Isto sim, meu amigo, além de lamentável - definitivamente - não deveria ser chamado de carnaval.

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Lúcio Alves de Barros - Professor de antropologia da educação na UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais). Mestre em sociologia e doutor em Ciências Humanas pela UFMG. Organizador, dentre outros, do livro, “Mulher, política e sociedade”. Brumadinho / Belo Horizonte: Ed. ASA, 2009.