Por que me tornei professor?

Wilson Correia*

Já perdi a conta das vezes que me perguntaram: “Por que você escolheu ser professor?” Quase sempre respondo que é porque vejo na “docência” um caminho para a “decência”. De outro modo: vejo no “ser professor” a opção político-profissional que pode potencializar o meu inconformismo diante de coisas como a injustiça, a falta de liberdade e a falta de respeito reinante entre homens e mulheres. Coisas que, diga-se, contribuem para o embrutecimento do nosso mundo.

Por conta dessa escolha, cursei licenciatura em filosofia, pois vejo na filosofia o campo do saber que pode me oferecer melhores “instrumentos práxicos” (teoria e prática, visão e ação) para que a decência do parágrafo anterior se torne projeto de vida, abrangendo assuntos pessoais, profissionais e coletivos. A filosofia pode possibilitar a realização de experiências de pensamento em que o trabalho da razão se volte para a compreensão da vida vivida, com possibilidades de lhe oferecer caminhos à busca de sentido e significado. Daí a articulação entre educação, ética e política.

No meio docente, no entanto, aspirações como a que acabo de descrever são seguidamente confrontadas pelo seguinte dito: “Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina”. Duro golpe na confiança no trabalho de educabilidade implicado no magistério, o qual tem conduzido à seguinte resposta; “Quem sabe e sabe o sentido do que sabe, ensina”. Não se trata de uma resposta formal apenas, mas de um entendimento que acarreta a afirmação de que o professor é aquele que detém três domínios:

1. O domínio específico, no meu caso, o da filosofia (professor de matemática precisa saber matemática), o qual deve garantir ao docente sólida base teórico-conceitual, voltada para a compreensão da área de conhecimento que escolheu para fazer o percurso formativo, na condição de pessoa, trabalhador, cidadão, sujeito social;

2. O domínio metodológico, voltado para o saber ensinar, saber pesquisar e saber mobilizar informações e conhecimentos específicos e correlatos para solucionar problemas humanos e sociais verificados no entorno em que atua e do qual se sente parte;

3. Domínio ético, o qual imprime propósito e sentido político ao “quefazer” docente ao justificar o trabalho no magistério na perspectiva de formar identidades e subjetividades de sujeitos sociais compromissados com a própria história, a ser pautada no desafio de transformar para melhor a realidade particular e social concretamente experienciada.

Esses domínios contribuiriam para que tivéssemos um professor profissionalmente melhor preparado? De minha parte, creio que sim. Contudo, há quem pense diferente. Há até quem advoga a idéia de que, para alguém entrar na sala de aula, domínio específico basta. E quem, entre os professores, pensa dessa maneira, rechaça, veemente e peremptoriamente, qualquer tentativa de oferecer uma formação inicial e continuada mais completa para o professor. Não é cômico, mas triste, trágico até... Nunca vi um médico fazer chacota, desdenhar e desqualificar pelo sarcasmo as medidas formativas do profissional da medicina, mas, amiúde, vejo professores, que vivem da função docente, se definem identitária e subjetivamente como professores, em atitudes guiadas pela desqualificação do magistério. Pode uma coisa dessas? É contraditório demais!

Muitas vezes, são esses docentes, os quais pensam, arrogantemente, que apenas domínio específico basta para alguém atuar como professor, aqueles que encontram dificuldade de fazer frente aos desafios do ensino e da aprendizagem. Se um médico não consegue realizar a contento suas funções, a sociedade não o tolera. O que dizer de um médico que leva a óbito 70% de seus pacientes? Absurdo!, você diria. Porém, há professores “assassinando” pessoas em sala de aula, em número que ultrapassa os 70%, e nada acontece com eles. Vai ver, muitos deles faltaram à aula sobre o domínio metodológico e ético do que “quefazer” docente, algo que em nada contribui para que a decência seja a marca maior dessa prática social que é o ato de ensinar.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e professor de Filosofia da Educação na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, CFP Amargosa. É autor, entre outros, de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br.