DE MNEMÓSINE A EUGÊNIA CÂMARA, DE CLEÓPATRA A MARIA DO CARMO LARA

De acordo com Ronald de Carvalho, “Um povo sem literatura seria naturalmente um povo mudo, sem tradições, sem passado, fadado a desaparecer como reles planta rasteira, nascida para ser pisada. De todas as artes, é a palavra, sem contestação, aquela que exerce uma influência mais penetrante, um papel mais saliente na formação das nacionalidades (...). A literatura é a própria história de cada coletividade: refletem-se nela, como um espelho polido, as imagens tristes e risonhas da vida humana”.

Mas expressando, em palavras, a vida por si, sem sonhos nem idealizações, tornar-se-ia a literatura muito fria, sem emoção, difícil de chegar às pessoas e à sua finalidade: fazer com que haja reflexão, mesmo que se realce apenas o amor, o abstrato, a leveza das paisagens.

Assim, nos são expostas lendas e mitos, como a das “musas”, descritas como sendo noves filhas de Zeus, o rei dos deuses, e de Mnemósine, a deusa da memória, e que têm os nomes de Calíope, a da bela voz, musa da epopéia, da poesia épica, da ciência e da eloqüencia, sendo a mais velha e considerada a rainha de todas as demais; Clio é a musa da história e da criatividade, a que divulga e celebra as realizações, presidindo a eloqüência; Érato, a amável, que foi a musa da poesia lírica e dos hinos; Euterpe, a doadora de prazeres, a musa da música e também da poesia lírica; Melpomene era a musa da tragédia, embora tivesse canto alegre; Polímnia, chamada musa da poesia sagrada, da geometria, meditação e da agricultura; Tália, a que faz as flores brotarem, era a musa da comédia; Terpsícore, a musa da dança; e Urânia que era a musa da sstronomia e da astologia. Em falando de musas de poetas, duas merecem destaque, pelo que representam as obras literárias de Tomás Antônio Gonzaga e Castro Alves para a Língua Portuguesa: Maria Dorothéia Joaquina de Seixas Brandão e Eugênia Câmara.

Tomás Antônio Gonzaga, poeta português e ouvidor da Corte Portuguesa em Vila Rica (atualmente Ouro Preto/MG) e, posteriormente, um dos inconfidentes mineiros em 1789, por causa da sua musa, a “menina” Maria Dorothéia, criou “Marília de Dirceu”, conjunto de poesias líricas mais popular da Língua Portuguesa, perdendo apenas para “Os Lusíadas”, de Camões, onde ele é o Dirceu e Maria Dorothéia a Marília.

Eis um pequeno trecho de “Marilia de Dirceu”:

(...)

”Os teus olhos espalham luz divina,

A quem a luz do Sol em vão se atreve:

Papoula, ou rosa delicada, e fina,

Te cobre as faces, que são cor de neve.

Os teus cabelos são uns fios d’ouro;

Teu lindo corpo bálsamos vapora.

Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,

Para glória de Amor igual tesouro.

Graças, Marília bela,

Graças à minha Estrela!

(...)

O jovem poeta Castro Alves (nascido em1847), largou seus estudos em 1866/67 e foi morar com a atriz Eugênia Câmara (nascida em 1837), que viera de Lisboa, Portugual, de estirpe fidalga, e que chegara ao Rio de Janeiro, Brasil, em 1859. Apresentando-se naquela cidade e em outras provincias, Eugênia Câmara é elogiada por Machado de Assis, que a descreve como “atriz de esfera própria”. Como poetisa, publica, de sua autoria, “Esboço Poético”.

Morando juntos no Barro, pitoresco bairro afastado do centro de Recife/PE, Castro Alves e Eugênia Câmara se amaram profundamente um ao outro, sendo a atriz e poetisa a musa real, de “carne e osso”, daquele poeta romântico, poeta dos escravos, que, defendendo os ideais libertários, lutava contra a escravidão, mas que, também, na sua produção poética, enfatizava a crítica aos governantes, o culto dos seus heróis particulares e públicos, o canto à natureza e ao amor.

Eugênia Câmara foi fonte de inspiração para vários poemas, como” O Gondoleiro do Amor”:

(...)

Teu seio é vaga dourada

Ao tíbio clarão da lua,

Que, ao murmúrio das volúpias,

Arqueja, palpita nua;

Como é doce, em pensamento,

Do teu colo no languor

Vogar, naufragar, perder-se

O Gondoleiro do amor!?

(...)

A união amorosa entre Castro Alves e Eugênia Câmara fez surgir “Gonzaga” ou ”Revolução de Minas”, escrita por ele e encenada por ela em várias cidades do Brasil, cuja estória retrata a vida de Tomás Antônio Gonzaga e seu amor impossível por Maria Dorothéia.

Modernamente as musas continuam a existir, muitas das quais, como na vida de Castro Alves, de “carne e osso”, sem, entretanto, no dizer do poeta e imortal da Academia Betinense de Letras, Paulo Ursine Krettli, “deixar diminuir a volúpia, o fogo, os sonhos, o abstrato, o desejo, especialmente quando se cria um vazio muito grande motivado pela ausência, pela saudade; ele escreveu, ao que parece, para a sua musa:

A MUSA

Lavava minhas mãos numa poça de água;

ao longe vi vultos que vinham lentamente

e, aproximando-se cada vez mais,

percebi serem dois velhos sorridentes,

felizes, que conversavam carinhosamente.

(...)

E tu, musa, em cada momento infinito de ti,

alinhas tuas lembranças, que te são senhoris,

às emoções que avivam sonhos,

fantasias e borrifos da vida, da vida afora!

(...)

A brisa forte. Tento me deter

em minha poesia; não consigo,

me perco em alguma fragrância

e embebo-me dela.

Vejo, pela janela, algumas estrelas

e uma lua tímida: enaltecem esta poesia,

tocam a sinfonia do feliz aniversário.

Não, não musa, não minto!

Ouça... Tudo anuncia amor

ante o encontro dos infinitos: céu e mar

cantam a vida e essa a dizer-me: poeta,

ela o ama, ela o ama muito!

E as musas estão fortemente presentes, direta e indiretamente na vida política, às vezes, atuando de forma decisiva no contexto político-social. A História é rica em exemplos de mulheres que exerceram o poder e influenciaram suas épocas de forma marcante. Quem não se lembra de Cleópatra, “Evita Perón”, na Argentina, Rainha Vitória da Inglaterra? Mulheres que quebraram tabus como Margaret Thatcher, que governou o Reino Unido como primeira-ministra por 11 longos anos; Corazón Aquino, a primeira mulher a chegar ao poder nas Filipinas; Mary Robinson, que foi presidente da Irlanda entre 1990 e 1997 e foi substituída por Mary McAleese; a Nova Zelândia é governada pela mesma mulher desde 1999, Helen Clark; assumiu a presidência da Libéria a economista Ellen Johnson Sirleaf, primeira mulher a governar um país no continente africano; Michelle Bachelet, que venceu as eleições presidenciais no Chile em 15 de janeiro de 2006.

No Brasil, apesar da desproporção muito grande entre homens e mulheres no poder, temos representantes de alto gabarito. São nove senadoras entre os 81 integrantes daquela Casa legislativa (11,1%). Na Câmara, há 46 deputadas federais entre seus 513 membros (9%). No Judiciário, o Supremo Tribunal Federal conta com uma ministra, a juíza Ellen Gracie, entre seus os 11 integrantes (também 9%). Dos 5.560 municípios brasileiros, 418 são governados por mulheres.

Em Betim, pela segunda vez, o poder está nas mãos de Maria do Carmo Lara, uma mulher que fez da vida política sua bandeira, sua razão de vida. Uma mulher forte que, parafraseando Milton nascimento, “traz na pele essa marca (Maria) possui a estranha mania de ter fé na vida.”

IEDA ALKIMIM

Academia Betinense de Letras
Enviado por Academia Betinense de Letras em 01/02/2010
Reeditado em 02/02/2010
Código do texto: T2063608