Sobre a nova Lei Rouanet - fiquem atentos às mudanças

por André Raboni

Redator do blog Acerto de Contas

Foi encaminhado, na semana passada, à Câmara dos Deputados, o projeto de lei que substiturá a chamada Lei Rouanet. O texto da Lei passou por várias mudanças durante o ano passado, quando foram realizadas consultas públicas para debatê-lo. Algumas desses mudanças causaram polêmicas, como a questâo dos direitos autorais, entre outras. Com o novo texto, o governo federal pretende reajustar alguns dispositivos da Lei, e criar outros com o intuito de dar maior dinâmica à sua aplicacao – sobretudo no sentido de reduzir algumas distorções geográficas na distribuição das verbas para fomento de atividades culturais no País.

Pra se ter uma ideia do nível de concentração dos financiamentos, mais de 18 anos depois da criação da Lei nº 8.313/1991 (lapso de tempo em que circularam cerca de R$ 8 bilhões), estados do Sudeste ainda abocanham quase 80% do montante de recursos anuais – que, em sua grande maioria (95%), são provenientes de renúncia fiscal. Dados do Ministério da Cultura indicam que de cada R$ 10 investidos através da Lei, R$ 9,50 são públicos, e apenas R$ 0,50 são privados. E desses R$ 10, cerca de R$ 8 vão para o Sudeste, e o restante para as demais Regiões.

A distorção é grande, e há quem diga que ela se dê porque as pessoas no Nordeste não sabem “preencher os formulários”. Isso tem uma carga de preconceto, mas é meio verdade. Subtraindo-se a carga de preconceito regional embutido na assertiva, é preciso também reconhecer que o número de agentes culturais capacitados para escrever projetos poderia ser ampliado, no Norte e no Nordeste, mediante ação dos próprios governos estaduais e municipais.

Seria muito bom, inclusive, que, aqui em Pernambuco, a Fundarpe tomasse as rédeas nesse problema, e promovesse com regularidade oficinas de capacitação para agentes culturais, focando a escrita de projetos e também a captação de recursos, visando, ou não, especificamente a Lei Rouanet.

Acontece que a maior parte dos recursos é direcionada de acordo com as prioridades de marketing das empresas que adotam o sistema de financiamento de atividades culturais através da Lei, obtendo, com isso, isenções fiscais. Nesse sentido, o Sudeste está bem à frente de outras Regiões, como o Norte e o Nordeste.

A iniciativa do Ministério da Cultura, com o novo texto da Lei, é possibilitar o aporte direto às iniciativas, pra que se elimine essa etapa da busca de patrocinadores.

A nova Lei pretende transformar o quase morto Fundo Nacional de Cultura (FNC) no principal mecanismo de financiamento da área. Para este ano, o FNC já dispõe de R$ 800 milhões, e os repasses serão feitos diretamente para os fundos estaduais e municipais (Estados e Municípios precisam ficar atentos á nova Lei, para formarem seus próprios fundos).

Essa medida pretende impulsionar a própria cooperação federativa, e se busca uma redução substancial da concentração das verbas apenas no Rio de Janeiro e em São Paulo. O FNC terá de garantir que pelo menos 30% desses recursos serão repassados para Estados e Municípios. Estes, por sua vez, precisam se mobilizar nosentido de formar seus próprios fundos de cultura.

É evidente que se precisa otimizar o processo burocrático, para dar maior fluidez e praticidade aos encaminhamentos de projetos. Outra evidência é que as verbas precisam ser distribuídas de forma mais equânime nas Regiões. No entanto, essas evidências precisam seguir o passo de outra: o olhar vigilante da sociedade civil para com a transparência dos novos critérios de avaliação dos projetos. Isso com dois fins:

1 – garantir que o direito à liberdade de expressão não sofra danos;

2 - garantir lisura nas comissões setoriais de avaliação de projetos, evitando favorecimentos escusos.

Com tais mecanismos, busca-se eliminar intermediários, para que os recursos cheguem diretamente aos proponentes. Além disso, deve-se incentivar uma maior participação da sociedade civil nas comissões setoriais, que terão origem na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC).

No âmbito do FNC serão criados oito fundos setoriais*:

1 - Artes Visuais;

2 - Artes Cênicas;

3 - Música;

4 - Acesso e Diversidade;

5 - Patrimônio e Memória;

6 - Livro, Leitura, Literatura e Humanidades (criado através de lei específica;

7 - Ações Transversais e Equalização;

8 - Incentivo à Inovação do Audiovisual.

* Os fundos setoriais irão se juntar ao já existente Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

Linhas gerais do novo projeto

De acordo com o site do Ministério da Cultura, as linhas gerais do novo projeto são as seguintes:

1 - renovação do Fundo Nacional de Cultura (FNC), reforçado e dividido em nove fundos setoriais;

2 - a diversificação dos mecanismos de financiamento;

3 - o estabelecimento de critérios objetivos e transparentes para a avaliação das iniciativas que buscam recursos;

4 - o aprofundamento da parceria entre Estado e sociedade civil para a melhor destinação dos recursos públicos;

5 – o estímulo à cooperação federativa, com repasses a fundos estaduais e municipais.

Outro detalhe importante é que o FNC também poderá receber doações de organismos internacionais. Como o Fundo Nacional de Cultura existia em estado vegetativo numa maca burocrática, esse dispositivo também contribuirá com o seu fortalecimento. Por sua vez, os Estados e Municípios irão se beneficiar com o envio obrigatório de 30% dos recursos do FNC.

Algumas polêmicas em torno do projeto

1) Os Direitos Autorais, ou Patrimoniais:

O principal ponto de divergência da nova Lei Rouanet diz respeito à questão dos Direitos Autorais dos produtores culturais que receberem financiamentos e incentivos. Embora se refira a Direitos Autorias, o termo foi reajustado pelo Ministério da Cultura para “Direitos Patrimoniais”. A polêmica não se esgotou porque a redação do projeto de Lei fala em direitos autorais, e não patrimoniais.

Esse dispositivo funciona de seguinte forma. Três anos após a conclusão de um bem cultural (um filme, um disco, um livro, et cetera), o Governo poderá dispor da obra para utilização gratuita com fins “não comerciais e não onerosos”. Inicialmente, a proposta era o prazo fosse de um ano e meio. O projeto de Lei entende que depois de passado esse período incial de exploração econômica das obras financiadas com recursos públicos, não faz sentido a proibição ou limitação de sua veiculação em tv’s públicas ou educacionais.

Com o fim dessa reserva de direitos patrimoniais (ou autorais), o Ministério da Educação poderá, por exemplo, para fins pedagógicos, reimprimir livros de valor artístico financiados pela Lei. Assim como redes públicas de tv’s poderão transmitir filmes igualmente produzidos com recursos da Lei.

2) A Comissão Nacional de Incentivo à Cultura e as comissões setoriais:

Outro dispositivo polêmico é o que trata dos critérios para acesso ao Fundo Nacional de Cultura (FNC) e aos incentivos ficais. Esses critérios serão aplicados com base nas diretrizes anuais da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que avaliará os pedidos de incentivos fiscais. Serão criadas comissões setoriais, com um número paritário de representantes do governo e da sociedade civil.

As divergências apontam no sentido de que essas comissões poderão causam danos à liberdade de expressão dos artistas em suas obras. O governo, pelo contrário, diz que se pretende justamente o oposto, que tais comissões têm o objetivo de garantir esse direito. Segundo o Ministério da Cultura, esse sistema dará maior agilidade e aperfeiçoará os processos de análise dos projetos.

Como já disse mais acima, é fundamental o olhar vigilante da sociedade civil por sobre os novos critérios de avaliação dos projetos. A transparência desses processos é algo que nosso comportamento republicano não pode abrir mão.

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Aos que tiverem maior interesse em se informar sobre o novo projeto de Lei, encaminhado ontem à Câmara dos Deputados, recomendo a leitura do material informativo do Ministério da Cultura, que está em pdf. no link abaixo:

http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2010/01/projeto-15-28jan10-web.pdf

Por fim, recomendo a leitura da íntegra do próprio projeto de lei:

http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/files/2010/01/PL-Nova-Rouanet.pdf

Este texto foi publicado originalmente no blog Acerto de Contas, no seguinte link:

http://acertodecontas.blog.br/cultura/atencao-a-nova-lei-rouanet/

André Raboni
Enviado por André Raboni em 01/02/2010
Código do texto: T2064103
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