A pornografia da morte no jornalismo

Vivian Sobchack é professora do Film, Television and Digital Media Department da Universidade da Califórnia. Em ensaio denominado “Inscrevendo o espaço ético: dez proposições sobre morte, representação e documentário”, ela, como está claro no título do ensaio, relata dez proposições sobre a morte e sua representação cinematográfica. Na esteira do seu pensamento, quero falar sobre a pornografia da morte que anda assolando o jornalismo.

O significado da morte ao longo dos séculos passou por grandes mudanças. Desde a Idade Média até o tempo presente, a maneira como a encaramos sofreu mutações radicais. De evento público no início, a morte passa a ser uma experiência privada, desprovida de qualquer encenação social, e assim como o sexo, a morte agora é um motivo de transgressão.

Atualmente, no século XXI, temos outra atitude diante da morte. Se antes, ela era assistida em público e logo mais nos lares, de forma privada, agora a vemos sendo deslocada para leitos de hospitais. Dessa forma, a morte passa a ser um assunto quase não discutido, um tabu. Temos medo de falar dela, é quase proibido tocar em seu nome.

Como disse Geoffrey Gorer, em “A Pornografia da Morte”, de 1955, citado no texto de Vivian, quanto mais a sociedade se libertava dos constrangimentos vitorianos em relação ao sexo, mas rejeitava a morte. A mistura de erotismo e morte, procurados nos século XVI ao XVIII, reaparece em nossa literatura sádica e na morte violenta em nossa vida diária.

Aí chego ao jornalismo atual, na morte violenta apresentada diariamente. Uma morte que é atrativa aos olhos por ser grotesca, mas que não leva a nenhuma reflexão crítica da realidade, dos fatos, como o bom jornalismo deve fazer. A tela da TV passa a ser uma espécie de vitrine de açougue para os nossos olhos ávidos pela miséria alheia.

Nesse quadro inserem-se programas televisivos ou jornais encharcados de sangue, nos quais transbordam esquartejamentos, facadas, queimaduras, assassinatos, corpos mutilados, expostos para quem quiser comprar alguma parte. Filmes como “O Albergue”, de Eli Roth, confirmam “nosso fascínio” atual pelas atrocidades. Banquete que excita pela maneira como a narrativa é construída, seja no jornalismo ou na ficção ou no jornalismo-ficção.

É claro que o público não quer ver cenas trágicas como essas. O atua sistema de valores simbólicos em relação à morte é que propicia o aparecimento massivo desse tipo de jornalismo ou pseudo-jornalismo. Mas não exclui a culpa pela péssima qualidade das matérias produzidas, o cinismo daqueles que pensam esse tipo de programa e que deliberadamente querem fazer sensacionalismo disfarçado de moralidade.