Paradigmas como DNA cultural

Paradigmas como DNA cultural

“O homem depende do seu pensamento.”

(Mokiti Okada)

“O que vemos, depende das teorias que usamos para interpretar nossas observações.”

(Albert Einstein)

A ciência é produzida a partir de uma visão de mundo, e os resultados de seus trabalhos, teóricos e empíricos, são interpretados através desta visão. Esta visão é o paradigma cultural. Cada época e civilização têm o seu. Um paradigma é puramente axiomático, ou seja, não necessita de prova, entretanto, influencia profundamente o modo de pensar, de agir, e de lidar com a natureza, da humanidade. Se pedirmos para uma criança ocidental, ou “ocidentalizada”, para desenhar a natureza, em quase cem por cento dos casos, ela vai desenhar árvores, bichinhos, um gramado e montanhas. Se indagada se aquele desenho representa Deus, ela sequer entenderá a pergunta, ou pasma, dirá que não, claro que não! Tampouco desenhará seu pai ou sua mãe, se a tarefa é desenhar a natureza. Achamos isso normal, óbvio, como se não pudesse ser diferente. Mas se pedimos o mesmo para uma criança de determinadas culturas, como da tribo africana Batawa, ela, para representar seu deus, sua família, e a natureza, fará um desenho só, afinal, para ela, tudo faz parte de uma natureza global. Essas crianças vêem o mundo tão diferente, porque o paradigma de suas sociedades é distinto. O pensamento de Descartes foi amplamente difundido e adotado no ocidente, a academia o privilegiou, os mais instruídos, influenciados, por sua vez, influenciaram o povo em geral, e alguns de seus conceitos foram se tornando senso comum. Para Descartes, Deus, o homem, e a natureza, eram coisas distintas e independentes. Para a igreja também, o que foi fundamental na consolidação dessa visão de mundo. Esse conceito tornou-se preconceito, e assim, até nossas crianças pensam dessa forma sem saberem porquê, e se espantam se lhes disserem que pode ser diferente. Nossas crianças são cartesianas, porque seus pais, seus bisavôs e seus tataravôs também o são. Não porque estudaram Filosofia, mas porque viveram numa sociedade, que inconscientemente, do açougueiro ao presidente do banco central, todos são bastante influenciados pelos pensamentos de Descartes, e de outros nomes, como Francis Bacon e Isaac Newton, mesmo que não percebam, ou não saibam disso. Deste modo, a Filosofia, ou seja, o paradigma que forma o DNA cultural de uma sociedade, exerce imenso impacto sobre o comportamento individual de seus membros, sobre a dinâmica social, a economia local, entre outros pontos. O paradigma determina, inclusive, o nível de progresso industrial, econômico, tecnológico e político de um país que o compartilhe. Para um tibetano, matar uma única formiga, ou arrancar uma planta, é um crime contra a vida. Isto porque o paradigma do Tibet, é o pensamento de Buda, segundo o qual, tudo é sagrado, e a felicidade é um conceito espiritual, de modo que os bens mais importantes são intangíveis e abstratos, e não materiais e econômicos. Para um britânico, um norte americano ou um brasileiro, ser bem sucedido não significa evoluir espiritualmente, como para um tibetano, mas acumular posses, galgar posições sociais elevadas, a fim de desfrutar de tudo que o dinheiro e o poder podem oferecer. Obviamente, o paradigma de nossa cultura não é o pensamento de Buda, mas, dentre o de outros, o de Francis Bacon. Para Bacon, o homem deveria explorar e controlar a natureza por meio da ciência, a fim de produzir e gerar riquezas, para promover a elevação do bem estar humano. Não há como negar a presença viva da filosofia baconiana, em cada indústria, cada banco, e em “quase” toda mente ocidental, e ou “ocidentalizada”. Não é difícil entender porque o Tibet é um pais agrário, com uma economia arcaica, e os Estados Unidos é industrializado e com uma economia arrojada, nem porque no Tibet quase não se mata nada, nem ninguém, enquanto os índices de crimes contra pessoas e contra o meio ambiente são elevadíssimos e alarmantes nos Estados Unidos. Afinal, o Tibet se construiu sobre a filosofia de Buda, e os Estados Unidos, sobre a de Bacon. Claro que fatores geográficos, geopolíticos e históricos influenciam muito a questão, mas não impediriam o Tibet de ser fundamentalmente diferente, se ao invés de ser budista, fosse baconiano-cartesiano.

As teorias, nas diversas áreas do conhecimento, cálculos, equações, pesquisas laboratoriais, as convenções acadêmicas, tudo isto são derivações de uma super teoria, isto é, do paradigma geral vigente. Não existe, por exemplo, algo como “a medicina”. Existem tantas medicinas quantas forem as culturas, e a China e a Índia souberam se fazer as terras mais férteis para nossa espécie, sem contar com nossa medicina ocidental, constituindo prova sociológica-histórica cabal, que a vida dispensa nossa medicina para se espalhar pelo globo.Chineses e indianos tem seus próprios métodos de promoção da saúde, que podem não ser tão “científicos”, mas se provaram extremamente eficazes. Da mesma forma que durante séculos elaboramos teorias, equações e teoremas e nos esforçamos através das mais renomadas escolas científicas do mundo, para provarmos a validade dos axiomas de Euclides, que propunham uma geometria plana do espaço, não por que haviam provas empíricas de que o espaço era plano, mas porque este era o paradigma vigente, hoje, só pesquisamos a estrutura da matéria com tanto afinco, não porque há prova de que só a matéria é real, mas porque acreditamos nisso, porque é esse o paradigma moderno.

O paradigma, pelo que já vimos e pelo que veremos, é o alicerce cultural das sociedades humanas. Mas um paradigma não nasce em laboratórios ou de equações. As equações e os trabalhos experimentais é que são concebidos pelo paradigma, influenciados por ele. Só fazem sentido, porque são práticas contidas dentro daquela visão de mundo. Portanto, um paradigma é aquela visão consensual, enraizada em todos os campos da cultura, é a super-teoria. Todavia, obviamente, paradigmas não brotam em árvores, ou simplesmente caem do céu, como estrelas cadentes. Paradigmas existem porque foram pensados, construídos intelectualmente, e porque apresentaram bons resultados, pelo menos por um tempo. Um paradigma é uma elaboração da razão, uma diretriz do pensamento. Paradigmas nascem como Filosofia, sobrevivem como Ideologia, e por fim, morrem como visões de mundo e estilos de vida ultrapassados e são substituídos por outros. O DNA cultural, formado por uma imensa trama de saberes que constitui o macro-paradigma de uma civilização, está entranhado nas pessoas, forjando, as vezes inconscientemente, seus estilos de vida, seus pensamentos, suas convicções, o modo como vêem o mundo. São o resultado de pensamentos elaborados há séculos e adotados em larga escala por nossos antepassados, de tal modo, que estão impregnados na raça humana, e foram “programados” culturalmente em nossas mentes, desde a nossa primeira infância, através do modo de vida de nossa sociedade, e da instrução formal, que muitos recebem.

A Ciência pode ser o carro que utilizamos para evoluir no caminho, mas a Filosofia, o DNA cultural, ou nosso CCC (código cultural civilizacional) é boa parte da estrada!

Mudemos de estrada, e mudaremos o nosso destino!