O Caleidoscópio de Dziga Vertov e suas torções espaço-temporais.

O Caleidoscópio de Dziga Vertov e suas torções espaço-temporais.

Introdução: Berson, Deleuze e o Cinema.

Bergson se contrapõe ao primeiro cinema, pois o vê como uma maquina de produzir a ilusão de Zenão: crer na fragmentação da realidade, na imobilidade do mundo, no engessamento do tempo. Este cinema que ainda se apresenta como seqüência de diversas fotos, produz o movimento como um mero fenômeno do imóvel. Divertimento parmenidico, transmissor do engodo intelectual, pensa-o Bergson e aponta-o no capítulo IV de “A Evolução Criadora”: O mecanismo cinematográfico do pensamento e a ilusão mecanicista.

O cinema, na época de Deleuze, já não estava neste nível, e Deleuze pode perceber, e que ironia, que o processo cinematográfico, dinâmico, mutante, com contrações e distensões, torções e retorções, era um processo, bergsoniano, em muitos aspectos.

O caleidoscópio de Vertov: As múltiplas conexões entre imagens em “Um homem com uma câmera”

“O caráter cinematográfico do nosso conhecimento das coisas deriva do caráter caleidoscópio da nossa adaptação a elas”.

( Bergson, Henri. A evolução Criadora, Editora Opera Mundi, 1971 p 299)

A montagem, no cinema de Vertov, revela-se fundamental no seu cine-olho, fazendo com que as imagens-percepção se interconectem de múltiplos modos. Para Deleuze, a montagem vertoviana desloca a percepção para cada objeto, e para as inúmeras relações entre os objetos, superando as lacunas temporais e as distâncias espaciais:

“O que faz a montagem, segundo Vertov, é levar a percepção às coisas, colocar a percepção na matéria, de modo tal que qualquer ponto do espaço perceba, ele próprio, todos os pontos sobre os quais ele age, ou que agem sobre ele, por mais longe que se estendam essas ações e reações”.

(Deleuze, L’image-mouvement. Paris: Minuit, 1983, p. 117. (A imagem-movimento. SP:

Brasiliense, 1985, p. 107

O que Deleuze aponta acima como sendo o projeto vertoviano; “levar a percepção às coisas, colocar a percepção na matéria, de modo tal que qualquer ponto do espaço perceba, ele próprio, todos os pontos sobre os quais ele age, ou que agem sobre ele”, Bergson aponta no na frase final do “Resumo e Conclusão” de “Matéria e Memória”, como sendo justamente a “dinâmica da percepção”: “O espírito retira da matéria as percepções que serão seu alimento e as devolve a ela na forma de movimento, em que imprimiu sua liberdade”.

Vertov revela a importância da Montagem, neste processo de conexão entre as imagens, gerando um fenômeno caleidoscópico cinematográfico onde a percepção ameaça não dar conta do recado, a saber, acompanhar a vertiginosa interconexão e sobreposição de imagens:

“A sobreposição de montagens significa uma sobreposição especular de olhares. Intermediação de um diálogo intersubjetivo que na hipermídia pode ser superlativizado, já que tal sobreposição expande o seu espaço de atuação e cria uma instância de sentido coerente com o corte, com a ruptura e com a falta. “A tomada rápida, a microtomada, a tomada ao inverso, a tomada de animação, a tomada móvel, a tomada com os ângulos de visão mais inesperados etc., não podem ser consideradas trucagens, mas procedimentos normais que se devem aplicar com grande amplitude.”

(Vertov, Dziga. Kino-eye. The writings of Dziga Vertov. Los Angeles, London, University of California Press. 1984. p.123)

Em uma cena do filme, a aceleração do tempo vai aumentando, de modo que as imagens começam a se interconectar efusivamente, imbricando-se umas nas outras, de modo que os limites físicos dos objetos dão lugar a fusões entre corpos e coisas, a aceleração, então, atinge níveis tão extremos, que toda matéria se descondensa, tornando-se luz pura, e a velocidade prossegue sendo elevada, até que a massa do mundo parece ser acelerada ao quadrado da velocidade da luz, e explode em um sem fim de pura energia.

Vertov e suas experimentações lúdicas com o tecido do espaço-tempo

“Um misto se decompõe em duas tendências, das quais uma é a duração, simples e indivisível; mas, ao mesmo tempo, a duração se diferencia em duas direções, das quais a outra é a matéria. O espaço é decomposto em matéria e em duração, mas a duração se diferencia em contração e em distensão, sendo esta o princípio da matéria”. (Deleuze, G. Bergsonismo, Editora 34, p. 133)

Para Bergson, o Tempo é puro movimento, dinâmica incessante, mutação ininterrupta, que agindo sobre a matéria e o espaço, os torcem e distorcem, os molda e os desenvolvem. Em “Um homem com uma câmera” Vertov parace transformar em Imagem-Movimento este Tempo bergsoniano. Suas experimentações cinematográficas nesta obra são também experimentações desta “física extrema e de altas energias”, que puxa e repuxa o Tempo e o Espaço, os acelera, os passa de traz para frente e vice e versa, fazendo do tecido do Mundo um malabarismo metafísico. Em uma cena, filmando uma bela praça com majestoso edifício ao fundo, o espaço começa a curvar-se, e a câmara vertoviana o torce, contraindo-o e dilatando-o como um Espaço-Elástico que sofre a ação de um Tempo-Movimento radical. Em outra parte do filme, Vertov inverte a linha temporal, nos mostrando peças de xadrez viajando para o passado, meio que “desderramando o leite, ao invés de chorá-lo”.

Na teoria da relatividade, as três dimensões do espaço e a dimensão do tempo(quarta dimensão) estão amalgamadas, formando um tecido, o espaço-tempo, sobre o qual se dispõe toda a matéria do universo. Qualquer concentração de energia e matéria deforma esse tecido com sua força gravitacional, gerando uma depressão ao redor de si, como fariam pedras colocadas sobre um lençol, que preso por suas pontas em varais, estivesse suspenso no ar. Onde cada peso fosse colocado, afundaria, deformando o lençol. Bolinhas de bilhar largadas sobre o tecido tenderiam a descer pelas inclinações do lençol, geradas pelo peso das pedras. Se a velocidade das bolinhas fosse elevada em um sentido diferente do centro da depressão e elas se encontrassem nem tão perto, nem tão longe do objeto central, e’ de se esperar que as bolinhas orbitassem em torno do núcleo, como fazem os planetas em volta das estrelas. Sendo assim, o Espaço plano absoluto euclidiano-newtoniano, da lugar a um espaço curvo, de Gauss e Riemann, que sofrendo a ação de uma força gravitacional einsteiniana, pode ser torcido e retorcido, como a praça de Vertov.

Como prognostica a teoria da relatividade, em velocidades e campos gravitacionais elevados o tempo se torna relativo, de modo que o tempo passa mais rápido ou mais lento, de acordo com a velocidade na qual viajamos. Essa dilatação pode ser verificada experimentalmente. Dois relógios atômicos, de altíssima precisão, sincronizados por computador, acionados rigorosamente no mesmo momento e paralisados no mesmo instante, um colocado em uma base terrestre, o outro a bordo de um avião supersônico, demonstrarão uma diferença de contagem, revelando que o tempo passou mais depressa na base terrestre do que no objeto em locomoção. A velocidade de um objeto, portanto, altera o fluxo do tempo. Do seu tempo!

O físico Paul Davies, no seu livro “Outros Mundos”, nos lembra que se viajarmos numa velocidade próxima a da luz ou permanecermos em um campo gravitacional intenso, como os que existem nas regiões próximas aos buracos negros, o tempo passara’ mais devagar para no’s do que para quem esta’ numa velocidade e campo gravitacional normais(tendo os parâmetros terrestres como referenciais.) De modo, que se permanecêssemos nesta situação pela quantidade de minutos correspondentes a um ano terrestre, sendo registrados em relógios em nossas naves, quando voltássemos para terra, dezenas, centenas, ou milhares de anos, teriam se passado, de modo que poderíamos ter partido no ano de 2008, e após 1 ano no espaço na velocidade da luz, voltaríamos para terra, por exemplo, no ano de 3010, empreendendo, portanto, uma viajem para o futuro. Exploremos, todavia, as possibilidades de viagens no tempo para o passado.

A viajem ao passado coloca problemas lógicos, quiçá, insolúveis. Imaginemos um observador que volta para o passado, e acidentalmente, provoca o falecimento de um menino de cinco anos. Acontece que o menino em questão, era o seu pai quando criança. Mas se ele matou o seu pai, ele não poderia existir, e se não existisse, não teria matado o seu pai. Se ele voltou do futuro, e colocou fim na vida de seu progenitor, ele próprio não teria nascido, logo não existiria para ter colocado ponto final na existência de seu patriarca... (e ficamos rodando em círculos, querendo morder nosso próprio rabo!). Ou, se ao voltar para o passado, ele destruísse o projeto científico de viajem ao passado, de modo que nenhum meio de empreender esta viajem fosse descoberto no futuro? Então como ele conseguiu voltar, se não havia meios para tanto?

De qualquer forma, o importante é sabermos que em condições especiais e em altas velocidades, o tempo se torna relativo, e podemos distorcer o tecido do espaço-tempo, fazendo o fluxo do Tempo acelerar e retroagir, como o tabuleiro de xadrez de Vertov, no qual o fluxo do tempo e’ invertido, e as peças, que já haviam sido derrubadas, voltam para a posição original.

Vertov parece ser um alquimista, fundindo em seu caldeirão cinematográfico, filosofia bergsoniana e elementos de física relativística.Não transformará chumbo em ouro, mas dará vida às imagens de tal modo, que possam retratar os fenômenos tempo-espaciais de Bergson, experimentando o Tempo e o Espaço como Imagens-Movimento, e impregnando de Percepção, cada milímetro do mundo, como o aponta Deleuze.

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