PENSAR É TER LIBERDADE

O literato é um ser abençoado. Ele consegue ser pensante e formador de opinião, principalmente em momentos de grandes transformações no cenário em que vivem, sejam elas políticas, econômicas, sociais e religiosas. É notório perceber como o escritor tem a capacidade de mudar a sociedade e também a região em que vive.

Para exemplificar, cito a célebre obra “Dom Quixote” do escritor espanhol Miguel de Cervantes que, em virtude do que ele ali retratou, mudou o cenário de uma cidade, transformando-a em local turístico muito visitado, com o comércio da região movimentando e recebendo alguns milhões de euros anualmente. Dentre as várias opções, o turista pode ir àquela taberna descrita na obra e lá encontrar o Taberneiro trajado com vestimentas da época e, se quiser, pode tornar-se um Cavalheiro como o próprio Dom Quixote!

Outra característica do escritor é poder levar o leitor à reflexão. Um desses textos bastante reflexivos está no livro “A República”, de Platão. Considero-o particularmente muito revelador e também perturbador, pois exemplifica como podemos nos libertar da escuridão (no sentido mais amplo da palavra) imposta pelo “sistema” dominador.

Em sua narrativa, Platão conta a história de prisioneiros acorrentados dentro de uma caverna; as correntes, que os aprisionam, impedem que eles vejam o que se passa fora da caverna, tendo apenas sombras que surgiam e desapareciam diante deles, meros reflexos na parede, além de escutar os ecos emitidos pelas sombras. Por não terem visto outra coisa, acreditavam que aquelas sombras e os ecos eram as únicas verdades que existiam.

Porém, um desses prisioneiros consegue escapar. No primeiro momento, seus olhos não conseguem reter, com nitidez, o mundo por causa da luz ofuscante fora da caverna. Aos poucos, percebia todo um mundo novo diante de si.

Esse homem retornaria e contaria aos outros prisioneiros todas as descobertas e, não acreditando nele, o chamariam de louco e sua vida estaria em perigo.

O que tudo isso pode significar? No mito da caverna, Platão vê a infeliz condição da humanidade que vive num mundo de falsas verdades, o mundo de opiniões, cópia do real que ele chamou de sombras. A luz, que em princípio cegou o prisioneiro, são as novas descobertas, ou seja, novas verdades. Voltar e falar aos companheiros sobre as novas descobertas implica numa ação, seja ela influência ou idéias plausíveis de transformar os homens e a sociedade a partir de alguma reflexão.

Sair da caverna significa se libertar dos grilhões da própria ignorância e da inércia, deixar de pensar pelos outros e pensar por si próprio. Fora da caverna existe o mundo das idéias, da reflexão e do conhecimento.

No entanto, atualmente, é mais cômodo estar na caverna: ”tenho minha casa, meus amigos, meu futebol, meu salário, minha cerveja...” e estagnar-se. O fato é que muitos do povo vivem em constante ignorância e preferem discutir o capítulo da novela, do futebol ou do que se fala do sexo, a debater, por exemplo, “Não haverá país algum”, livro que trata do aquecimento global, e muito menos descobrirem a história por trás do conhecido “Bolero de Ravel” ou simplesmente analisar os candidatos aí expostos, quem são, donde vieram, o que pretendem realizar para as comunidades e para com o município como um todo... Salvo raríssimas exceções, esses muitos do povo ficam extasiados quando é anunciado o paredão semanal e o final do big brother, embora não saibam que o título do programa foi extraído do premiado livro de Orwel, escrito em 1984, que foi, mais tarde, fonte de inspiração para o filme “V de Vingança”.

Portanto, os muitos da sociedade alienada e fincados ao comodismo, preferem que outros pensem por eles, preferem continuar com a mente fragmentada de opiniões a buscarem o verdadeiro conhecimento, a buscarem a verdade que é o fruto da descoberta; em suma, esses muitos do povo vivem às sombras das opiniões e não se importam com isso. Mesmo aqueles que não tiverem a chance de uma escola, de uma boa educação e de uma formação profissional tem a capacidade de refletir e usar sua voz para questionar, basta apenas querer.

Pensar, refletir e questionar são os grandes ensinamentos dos escritores e filósofos e em especial o Mito da Caverna e, parafraseando o próprio autor, “o verdadeiro ser é constituído pela realidade inteligente e inteligível que lhes é transcendental”.

IEDA ALKIMIM

Academia Betinense de Letras
Enviado por Academia Betinense de Letras em 13/02/2010
Reeditado em 14/02/2010
Código do texto: T2085986