INTRODUÇÃO À FORMAÇÃO ESTÉTICA NO SER HUMANO.

[Retirado de “Sobre Arte” (pequeno ensaio sobre o conceito de arte a ser publicado) este fragmento é uma introdução à minha teoria de constituição estética do ser humano, a ser desenvolvida em seu devido tempo. O objetivo é investigar p. ex. “o que nos leva a gostar de certa coisa”, “por que determinada coisa nos provoca certa reação só por aparecer”, analisar e explicitar a diferença e validade dos gostos distintos e a relação de tudo isso com grupos humanos (cultura).]

Não sou capaz de dizer como aconteceu historicamente o jogo entre a palavra alma – com sua perfeita utilidade para descrever, didaticamente, no ser humano o que não é diretamente seu corpo – e o “ente” alma. Penso que parte da alma é formada pela experiência do ser; e, na medida em que por “experiência” entendo a percepção do mundo pelos sentidos (tato, paladar, olfato, audição, visão, noção de equilíbrio, aquele que nos faz perceber idéias etc.), é fácil perceber por que, para minha filosofia, deve-se interpretar o termo como um recurso didático. Ainda mais quando digo que a parte que resta é de conseqüência biológica.

O que achamos engraçado ou não, belo ou não, não tem outra origem diferente. E, claro, justo por nossa formação ser distinta, a valoração estética de uma mesma coisa varia segundo o sujeito. Não existe algo bonito em si. Nada então é justo em si. Na verdade, em si não existe nem o valor; o valor sempre depende da existência de um sujeito.

É necessária uma volta às convenções: “sujeito” para mim é, assim como “alma”, apenas um termo heurístico prático. Que se observe quão curto é o caminho entre estes dois termos, chegam a descrever a mesma coisa. Essa coisa, esta formação a que chamamos de alma e que nas relações com o mundo denominamos sujeito, conforma-se justo por se relacionar com o mundo, o mundo exterior; quando notamos que deste “mundo exterior” fazem parte também outras almas, parece, ao menos me apareceu, conveniente igualar todos (sujeito e mundo exterior/sujeito) numa unidade sob o nome de “mundo” – o que seria realmente existente.

À parte o quanto de estética possa ser esta conclusão, reconhecendo-se minha paixão por Spinoza, tomemos, antes do tempo, esta situação mesmo como exemplo de uma formação estética específica dentro de uma alma, a minha. Não só pelo contato dos meus dedos com a Ética (livro de Spinoza) nem pelo da minha visão das letras tampouco somente pela experiência daqueles pensamentos em minha mente, nenhuma destas coisas solitariamente me fizeram ter confiança além da puramente racional num mundo formado de energia, espaço e tempo... Não somente porque Spinoza nunca disse isso, mas por ter havido incontáveis experiências anteriores para me levar até esta admiração.

Ninguém consegue determinar todas as relações que levam a um dado efeito, digamos, de uma folha cair num igapó, ainda que limitássemos no tempo, digamos, aos dois segundos anteriores. Podemos fazer uma analogia, separando (tão didaticamente quanto separamos tudo em teorias, conceitos e palavras) de um lado os efeitos físicos naturais e de outros aqueles que serpenteiam as almas. Parece-me, porém, que esta separação explicativa em minha teoria nos faz chegar a um gargalo: ora, mas se muitas das experiências são, justamente, extrações do mundo exterior?

De qualquer forma, entendendo assim que tanto experiências além de nossa própria alma quanto aquelas trabalhadas internamente nos levam até certa valoração estética específica, é possível enxergar a dificuldade. Várias ciências trabalham com este jogo, da publicidade à psicologia. Algo que eu tenha visto na infância, ouvido, sofrido, compõe minha alma de tal modo que influenciará em todas as minhas ações, mais diretamente ou menos; o mesmo para o que acabou de ver num outdoor.

Pergunta-se, finalmente, se diante da diversidade de experiências – cada ser humano tem a sua – é possível estabelecer traços afins em sua formação anímica. Nossa origem condição/origem biológica é o primeiro indício desta possibilidade, afinal somos seres humanos. Em relação a experiências mais claramente externas: vivemos agrupados; pertencemos a uma família, uma sociedade etc., onde há grande probabilidade de experiências comuns aos diversos membros; assim como também viver em certa região torna indivíduos compartilhantes por assim dizer de uma mesma experiência – do calor, da altitude, duma cordilheira que os cerca.