“CIDADÃO KANE”, A EXPRESSÃO MÁXIMA 
                    DE UMA ARTE CENTENÁRIA


     O cinema é fruto de uma noite de insônia. Pouco antes do Natal de 1894, rolando na cama com uma febre que não o deixava dormir, Louis Lumière teve a grande inspiração de sua vida: o sistema de dentes que permitiria prender o filme num cinematógrafo, que havia inventado com o irmão Auguste, e reproduzir as imagens a uma velocidade regular e natural (16 quadros por segundo, na época; hoje são 24). No dia 28 de dezembro de 1895, no Grand Café, em Paris, ocorreu a primeira exibição pública das produções dos irmãos Lumière. Durou exatamente meia hora e exibiu 10 filmes, entre eles “A Saída dos Operários da Fábrica Lumière em Lyon Monte Plaicir” e “A Chegada do Trem na Estação de Ciotat”, que causou verdadeiro furor pelo “realismo”. Se os Lumière criaram o espanto ao retratar a imagem em movimento, outro francês, Georges Miélies, em 1900, criou o sonho, levou a fantasia para o cinema: foi o primeiro a fazer filmes de ficção.
     Ao completar cem anos, o cinema contabiliza uma grande quantidade de filmes produzidos em todas as regiões do nosso planeta. Uma produtora norte-americana fez, em 1996, um documentário mostrando os cem melhores filmes produzidos nos Estados Unidos da América, no primeiro século do cinema. A escolha foi feita por um respeitável e diversificado grupo de pessoas. O filme Cidadão Kane foi considerado o melhor filme da história do cinema.
     Como a pesquisa foi feita pelos norte-americanos, poder-se-ia pensar que se tratava de uma armação para enaltecer as produções hollywoodianas. Até porque ficaram de fora o cinema francês, com filmes como A Regra do Jogo (de Jean Renoir); a URSS com O Encouraçado Potemkin (de Sergel Eisenstein); a grande produção japonesa Rashmon (de Akira Kurosawa); o cinema italiano, com grandes filmes, como Amarcord ( de Frederico Fellini); além de outras obras aplaudidas pelo público em todo planeta. No entanto, é incontestável a consagração de Cidadão Kane. O Jornal A Folha de São Paulo ouviu, em 1995, cem críticos de 27 países para conhecer os melhores filmes de todos os tempos, incluindo filmes de todas as partes do mundo. O resultado não foi diferente: Cidadão Kane foi citado por 48 dos cem críticos consultados, ficando em primeiro lugar.
     A história do cinema pode ser dividida em dois períodos: antes e depois de Cidadão Kane. Orson Welles, um jovem de apenas 25 anos, não só foi o diretor como também interpretou o papel principal e assumiu outras funções na produção. Há três anos, agitara a América com a aterrorizante radionovela A Guerra dos Mundos. Entretanto, era inexperiente em cinema, fizera apenas dois filmes amadorísticos (em 1934 e 1938). O filme Cidadão Kane, que estreou no RKO Palace de Nova York no dia primeiro de maio de 1941, foi, em parte, baseado no magnata da imprensa americana William Randolph Hearst, que moveu uma campanha contra a produção, logo que soube que o projeto teria execução. O filme relata a vida privada do magnata Charles Foster Kane. É a história de um jornalista que tenta desvendar os mistérios da sua vida. Trata de temas contemporâneos, como a vaidade, o narcisismo, a ambição e a solidão.
     O professor de História da Arte da Unicamp, Jorge Coli, no seu livro O que é a Arte, diz: “É possível dizer que arte são certas manifestações da atividade humana diante das quais nosso sentimento é admirativo, isto é: nossa cultura possui uma noção que denomina solidamente algumas de suas atividades e as privilegia”. O filme Cidadão Kane enquadra-se perfeitamente nesta definição, podendo ser considerado uma obra de arte, a expressão máxima do cinema. É uma obra definitiva. Tem como importantes características a força narrativa, originalidade técnica e beleza visual. Transformou-se num mito porque é inesgotável nas suas surpresas tanto estéticas quanto dramáticas. Orson Welles mostrou um novo jeito de fazer cinema: abandonou a narrativa linear, modificou a maneira de se conceber os planos (abusando do uso dos planos-seqüência) e mudou na forma de dirigir os atores.
     O cinema é a arte centenária que ainda se mantém como uma das mais importantes formas de expressão humana. Dos irmãos Lumière aos dias atuais produziu grandes filmes que fizeram delirar milhões de pessoas. Um deles, Cidadão Kane, influenciou inúmeros cineastas e foi o ponto de partida para o cinema moderno.