O Mito do Arbítrio

A história dos sentimentos, em virtude dos quais nos tornamos alguém responsável, por tanto chamados sentimentos morais, percorre as fases principais seguintes. Em primeiro lugar, são denominadas “boas ou más” ações isoladas, sem qualquer consideração a seus motivos, mas unicamente pelas conseqüências úteis ou prejudiciais que têm para uma comunidade, ou para o todo social. Mas logo se esquece a origem dessas designações e se imagina que as ações em si, sem consideração a suas conseqüências, encerram a qualidade de “boas ou más”: cometendo o mesmo erro, segundo o qual a linguagem designa a pedra como dura, a árvore como verde; por conseguinte, tomando conseqüência como causa.

Em seguida, introduz-se nos motivos o fato de ser bom ou mau e se considera os atos em si como moralmente ambíguos. Aplica-se com isso o atributo de “bom ou mau” não mais ao motivo isolado, mas ao ser por inteiro de um homem, o qual produz o motivo, assim como a terra produz a planta.

Dessa forma, se torna sucessivamente o homem responsável de sua influência, depois de seus atos, depois de seus motivos, e, finalmente, de seu próprio ser. Contudo, podemos descobrir que esse próprio ser não pode ser tornado responsável, uma vez que é uma conseqüência absolutamente necessária e formada pelos elementos e pelas influências de coisas passadas, presentes, fisiologicamente internas e externas: dessa forma, o homem não pode ser tornado responsável de nada, nem de seu caráter, nem de seus motivos, nem de seus atos, nem de sua influência.

E a questão do remorso, onde fica? O filósofo Schopenhauer disse certa vez que certos atos acarretam depois mal-estar ( consciência de culpa), então ele concluiu que deve haver responsabilidade.

A partir do fato do mal-estar, Schopenhauer julga poder provar uma liberdade que o homem deve ter tido de alguma maneira, não em relação aos atos, mas em relação ao ser: liberdade, portanto, de ser dessa ou daquela maneira, não de agir dessa ou daquela maneira. Segundo o raciocínio desse filósofo, o homem se tornaria aquilo que queria ser, seu querer seria anterior a existência. Nem mesmo Jean Paul Sartre, o qual era totalmente contra toda forma de determinismo, concluiu dessa forma.

O mal-estar posterior a alguma ação não tem necessidade de estar baseado na razão (e certamente não o está), pois se baseia na suposição errônea que a ação não teria devido se produzir necessariamente. Logo, é somente porque o homem se julga livre, mas não porque seja livre, que sente arrependimento e remorso. Não há fenômenos morais, tipos bem e mal, certo e errado; o que existem são interpretações morais dos fenômenos, tantos ligados ao ser humano, quanto aos que são introduzidos no mundo e nas coisas. Tentemos mitificar o que não se compreende inteiramente, ou o que não se quer aceitar.

Segundo o filósofo Daniel Dennet, não existem coisas como experiências subjetivas; em vez disso ele propõe que o cérebro é um computador que possui informações de diferentes fontes com uma disposição para um comportamento particular e uma habilidade para distinguir entre estímulos diferentes. Muitos outros neurologistas e materialistas convictos postulam que nossas escolhas conscientes, nossa subjetividade, nossa moralidade ou imoralidade, nada mais são do que a conseqüência de certas interações de partículas em nosso cérebro - de fato, não é possível se declarar materialista sem concordar ao menos parcialmente com isso.

Demócrito, filósofo grego da antiguidade, com sua teoria atômica já prenunciava: “nada existe senão átomos, (moléculas), e o espaço vazio, todo o resto é opinião” e mais ainda: “Só na opinião humana reside o doce, o frio, a cor; na verdade nada existe senão átomos e o espaço vazio”.

A liberdade só existe conceitualmente, mas ela é uma ilusão necessária para podermos viver, desde que tenhamos consciência dessa ilusão: de suas formas, de suas variantes e de seus resultados.

Gilliard Alves

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 11/03/2010
Código do texto: T2132153
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