Exemplo do pior amadorismo

(Contexto: futebol cearense)

Dirigentes que se sacrificam a pretexto de um amor irracional e pouco produtivo: assim caminham nossos simulacros de gestores.

Temos insistido na falência do modelo de gestão dos nossos clubes, tanto pelo que de bom ele deixa de produzir, quanto pelo que produz de mais pútrido como efeito residual.

Ao apontarmos a adoção do profissionalismo como a saída para Ceará e Fortaleza, a intenção não é a de aviltamento dos nossos dirigentes, e sim de ingressarmos na rota das soluções para antigos problemas.

Apesar de evitarmos mencionar as identidades dos envolvidos, isso não significa que nosso universo seja ficcional. Ao contrário, ele é muitíssimo real, sendo vivido por pessoas de bem, bem-intencionadas, capazes e até signatárias de certo sucesso em suas vidas pessoais e em suas profissões. Contudo, nem mesmo este perfil lhes garante competência na gestão específica do futebol, e menos ainda as tornam dirigentes profissionais.

Sabemos de um ainda imberbe dirigente que recentemente baixou ao hospital, motivado por uma série de afazeres. De tanto esforço e comprometimento com seu clube de coração, e por ver as contracorrentes que representam o atraso continuarem nele atuando, o estresse a que foi submetido causou-lhe um súbito aumento da pressão arterial.

Pergunta-se: É a atitude mais adequada aos clubes, promoverem a exploração desses aprendizes de dirigentes, que irracionalmente sacrificam a seus negócios, interesses e pessoas de seu convívio fora do futebol, para se submeterem a um trabalho pelo qual não há remuneração nem quase nenhum reconhecimento? (...)

É claro que é admirável tamanho devotamento. Todavia, isso não condiz com o verdadeiro profissionalismo. Como podemos cobrar resultados satisfatórios de um ‘explorado’? Seria justo reivindicar competência de quem não é especializado? Podemos esperar compromisso pleno de quem precisa, de outra parte, dar cumprimento a várias tarefas ligadas ao gerenciamento de sua vida pessoal e profissional? Estas são questões, dentre outras, sobre as quais precisamos refletir.

O jornalista Rafael Luís fez relato recente sobre o resultado de um evento promovido há 18 anos pelo O Povo, cujo objetivo foi discutir aquela conjuntura adversa para o futebol cearense. Apesar dos resultados do encontro haver apontado para velhos e recorrentes problemas, entre as situações elencadas não constavam nem a falta de profissionalismo dos dirigentes de clubes nem da crônica esportiva.

Embora possamos aceitar outras situações como causas, na verdade, quando não temos dirigentes profissionais nem uma crônica capacitada, as demais circunstâncias assumem a condição de efeitos, razão que nos remete a propugnar pela formação de uma nova classe de dirigentes - que sejam autênticos gestores do futebol. Não é por acaso que já começam a surgir as universidades corporativas, ligadas aos clubes de futebol.

Outro fator de inegável relevância persuasiva, no que concerne à falta de uma melhor formação da cartolagem, é o surgimento de movimentos como o “Fora Eugênio”, que por mais que se queira a ele emprestar caráter meramente politiqueiro, de fato representam o sentimento de uma parcela respeitável da torcida do Ceará Sporting Club. E para quem não costuma exercitar a memória, a própria historiografia do cartola alvinegro, por si só, já transmite legitimidade a muitas das críticas feitas à sua administração.

Cuidemos, pois, das causas primárias e secundárias geradoras dos problemas do futebol cearense, para que não tenhamos que tomar os efeitos pelas causas, condição contraproducente e impeditiva de que caminhemos rumo às soluções duradouras.

* Publicada em 2008