O ALMIRANTE NEGRO

Quando era criança vindo do Rio Janeiro com destino a Niterói ao passar pela Praça XV, meu avô que me acompanhava disse:

- aquele senhor sentado ali no cais é hoje um carregador de caixas de peixe, mas é um herói.

E complementou dizendo que era o ALMIRANTE NEGRO seu nome. João Cândido líder da Revolta da Chibata.

Para que se possa entender o que foi a Revolta da Chibata é necessário que se volte a 1910. Neste ano foi eleito Hermes da Fonseca para a Presidência da República.

No dia 22 de novembro de 1910, à noite, o Presidente recebeu a notícia que alguns navios da Armada estavam com os canhões voltados para o Rio de Janeiro, então capital, inclusive para o Palácio de Governo. As tripulações rebeladas haviam tomado os principais navios da Frota. Três oficiais haviam morrido e também o comandante do encouraçado Minas Gerais e os demais oficiais pegos de surpresa. Os marinheiros manobraram a frota exemplarmente. O movimento era articulado por marinheiros tais como Francisco Dias Martins, conhecido como “Mão Negra”e os cabos Gregório e Avelino, tendo como porta voz o timoneiro João Cândido.

Os motivos da Revolta eram simples: descontentamento com os soldos que eram muito baixos, a má qualidade da alimentação e principalmente os castigos físicos que eram humilhantes. Os castigos físicos haviam sido abolidos desde a abolição da escravatura, sendo mantidos na Marinha como forma de manter a disciplina à bordo.

No encouraçado Minas Gerais, no dia da Revolta, o marinheiro Marcelino Menezes é chicoteado como escravo por oficiais à frente de toda a tripulação. Segundo Jornais da época, recebeu 250 chibatadas e mesmo desmaiado continuou sendo castigado. Esta foi a principal causa da eclosão do movimento. João Cândido não estava presente em um primeiro momento. A morte dos oficiais presentes no navio trouxe trágicas consequências para os revoltosos.
Além do Minas Gerais os marinheiros também tomaram os navios Bahia,São Paulo, Deodoro,Timbira e Tamoio.

A frota possuía mais de 80 canhões apontados para a cidade. Foram disparados alguns tiros e os marinheiros encaminharam um radiograma com suas exigências: o fim dos castigos físicos, o perdão de seus atos e melhores condições de trabalho.

Como as ameaças eram reais, o Governo cedeu e aprovou então medidas que acabaram com a chibata e os amotinados foram anistiados. Depois de cinco dias a revolta terminou vitoriosa. Os marinheiros em festa entregaram os navios. Fianalmente o uso da chibata na Marinha estava extinto.

O governo traiu a anistia e os marinheiros passaram a ser perseguidos, dando origem a uma nova revolta desta vez na Ilha das Cobras. A ilha foi cercada e bombardeada.

Cerca de 100 marinheiros foram presos e encaminhados ao navio Satélite, ali misturados a toda sorte de marginais que haviam sido recolhidos pela polícia para” limpar” as ruas do Rio de Janeiro. Seriam usados para trabalhos forçados na Comissão Rondon, ou simplesmente abandonados na Floresta Amazônica. Os nomes marcados com uma cruz vermelha seriam fuzilados e jogados no mar.

João Cândido embora não tenha participado deste novo levante é preso e enviado para a prisão subterrânea da Ilha das Cobras na noite de Natal com mais 17 companheiros. Os 18 prisioneiros foram jogados em uma cela recém lavada com água e cal. A cela ficava em um subterrâneo, era fechada por um portão de ferro e ainda fechava-a uma grossa porta de madeira com um minúsculo respirador.

O Comandante do Batalhão Naval embora residisse na Ilha passou a noite na festa do Clube Naval, tendo levado consigo sem que se saiba porquê, as chaves da cela.

A falta de ventilação e a poeira da cal adicionados ao calor começaram a sufocar os presos, seus gritos foram ouvidos e chamaram atenção da guarda na madrugada de Natal, mas por falta da chave o carcereiro não podia abrir a cela. O comandante só chegou às oito horas da manhã. Ao serem abertos os dois portões da solitária só dois presos estavam vivos, João Cândido e o soldado naval João Avelino. O Natal trouxe a morte aos outros dezesseis.

O médico da Marinha diagnosticou insolação, o Comandante Marques da Rocha foi absolvido, promovido e recebido pelo Presidente da República em um jantar onde foi homenageado.

João Cândido continuou na prisão às voltas com os fantasmas da noite de terror. O jornalista Edmar Morel registrou assim seu depoimento pessoal: ”Depois da retirada dos cadáveres, comecei a ouvir gemidos dos meus companheiros mortos, quando não via os infelizes, em agonia, gritando desesperadamente, rolando pelo chão de barro úmido e envoltos em verdadeiras nuvens de cal. A cena jamais saiu de meus olhos”

Atormentado pela lembrança dos companheiros mortos, João Cândido foi algum tempo depois internado em um hospício. Depois de restabelecido, é solto e expulso da Marinha. Os navios mercantes não o aceitaram. Ninguém queria um agitador pobre e talvez doido. João Cândido continuaria junto ao mar até morrer em 1969 com 89 anos como simples carregador de caixas de peixe.

Em 24 de julho de 2008, através da publicação da Lei Federal n° 11.756/2008, foi concedida anistia post-mortem a JOÃO CÂNDIDO FELISBERTO e aos demais participantes do movimento.


Ao terminar deixo uma frase de Albet Einstein, para que as pessoas reflitam:

“Duas coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas, no que diz respeito ao Universo, ainda não adquiri a certeza absoluta”






Obs. GENTILEZA  era um profeta muito conhecido,que vivia nas  ruas do Rio de Janeiro e Niterói e pintava seus dizeres nas pilastras do Cais do Porto na Praça XV.



 

Ruy Silva Barbosa
Enviado por Ruy Silva Barbosa em 10/05/2010
Reeditado em 10/05/2010
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