Eu amo estar amando (Histórias de amizade - II)


De vez em quando me vêm à mente ternas lembranças de quando ainda era uma garota.Já fazia faculdade, mas era muito mais menina que outra coisa.Sonhadora até não poder mais. E como vivia entre livros filosóficos e literários, aí que os sonhos se multiplicavam e aconteciam até de olhos abertos.

Naquela época comecei uma amizade que seria para a vida toda.A minha amiga era o meu oposto: séria, sóbria, compenetrada, extremamente madura e ajuizada.Passou a ser o meu norte, o meu protótipo a ser alcançado.Como invejava aquela compostura, aquele jeito centrado de ser! Eu era uma coisinha agitada, desorientada, que vivia trocando os pés pelas mãos e pagava micos terríveis .Também a minha vidinha ( como a da maioria dos estudantes da época) não era nada fácil.Saía de casa às cinco da manhã, trabalhava o dia todo e chegava à faculdade exausta, sonolenta, sem saber que prova estava marcada e pra quando.Quem sempre me salvava, me colocava no prumo, me relatava a agenda do dia, era essa minha amiga querida.

Lembro-me de quando a procurava nos finais de semana, para um desabafo, para falar dos meus amores platônicos.Ela me ouvia como uma terapeuta, com uma expressão imparcial e,ao final da sessão (ops!), ela me dava o diagnóstico.Depois que ouvia as suas considerações, mesmo quando discordava e tentava contrapor os meus argumentos, voltava para casa com suas palavras martelando em meu pensamento.E sempre acabava concordando com o seu veredicto.Como era ( e é) sábia essa minha amiga!

Mas de tudo que ela sempre falou a meu respeito, no puro intuito de me orientar, de me ajudar a crescer como pessoa, o que mais me calou fundo na memória foi o fato de me considerar " uma pessoa apaixonada pelo amor".Depois de muito me ouvir contar sobre os meus amores, que mais pareciam "amores de verão" tal a rotatividade dos mesmos, minha querida amiga foi taxativa: Você não ama ninguém ainda.A sua grande paixão é " o estar amando".Você ama essa sensação de plenitude que as suas fantasias amorosas lhe conferem.Você gosta mesmo é do AMOR.

Hoje, quando essa feliz convivência já ficou para trás há muito tempo, me vêm à baila essas lembranças.E não é que a maturidade não tirou de mim o que foi decretado pela minha amiga? Ainda me vejo, quando estou amando, indo além do aqui-agora, ultrapassando os limites da realidade, querendo que as emoções do "estar-amando" vão além do possível, se eternizem, enfim.

E ao relembrar o perfil tão bem delineado pela minha amiga a meu respeito, penso se outras tantas mulheres ( e até homens, por que não?) também não trazem consigo essa característica (defeito? virtude?) de estado permanente de amor.De ter dificuldade muitas vezes de viver um sincronismo entre o que se tem e o que se idealiza.

Pois é.Continuo me atrevendo aos meus prosaicos devaneios em relação à nossa psique.Gosto e muito de falar de Eros e sua manifestações.Até porque continuo acreditando que a nossa verdadeira vocação é a prática dos bons sentimentos, é a vivência do amor em todas as suas possibilidades.
amarilia
Enviado por amarilia em 20/05/2010
Reeditado em 20/08/2013
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