Parlatório__Uma reflexão

As vezes invejo os gatos: "Blá, Blá, Blá, whiscas sache". Os humanos falam, falam, falam, e os felinos registram apenas o que interessa: a comidinha saborosa que vai para seu pratinho.São seletivos e compreendem exatamente o que interessa para seus instintos existenciais. Mas apesar disso, são bichanos extremamente carinhosos, brincalhões, compreensivos. Sabem fazer-se entender com um olhar, com uma parada estratégica, com um miado ao lado da porta, enfim, se comunicam melhor que muita gente.

Eu passo os dias ouvindo discursos de tudo o que é gênero e sinceramente, me cansa! Pouca objetividade, pouca escuta do outro, pouca troca de conhecimento, é um blá,blá, blá sem fim; nem ao menos whiskas sache.

Aí eu me pergunto? Onde chegaremos com esse parlatório vazio, as vezes enfeitado de conceitos téoricos, artimanhas de manipulação, se não há espaço para construção, apenas para repetecos pré-concebidos, estabelecidos e cheios de razão.

Cadê a dialética, o falar, o escutar o outro, o pensar no que o outro argumenta, cadê a reflexão para o surgimento de novas idéias?

É sempre fato dado, ou palavra dada para o convencimento de pessoas que tem toda uma gama de conhecimentos teóricos e emocionais, prontos para contribuirem para avançar no debate e na construção de novas possibilidades.

Eu amo as palavras. Admito que ultimamente elas me oprimem. Não posso aceitá-las sem toda sua riqueza que constróem expressões maravilhosas, com sabedoria milenar, sempre prontas a estabecer o caos, formar novas (des)ordens, transmitir emoções, sensibilidades, sentimentos, que realmente tem haver com a vida das pessoas e não apenas com ditados acadêmicos há muito superados.

Não me entendam mal. Considero demais os estudos científicos e toda a gama de conhecimento gerada para a humanidade. O que não aceito é que se pegue uma frase aqui, outra ali, para reforçar parlatórios sem significado.

"Parafraseio o Alberto Caeiro, num texo de Ruben Alves: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.” Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg – citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.” Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…" (in Curso de Escutatória – Rubem Alves http://www.rubemalves.com.br/escutatorio.htm)

Eu complementaria, não basta apenas ter boca para falar. É preciso falar para os outros realmente ouvirem, não para a gente mesmo. É preciso silêncio até para falar, para dar ao outro a chance de elaborar suas próprias opiniões. E claro, deixar nosso interlocutor manifestar-se, sem estar pronto para contestar.

Não me tomem por exemplo, com certeza também me enquadro dentro do parlatório. É apenas uma reflexão para sermos mais coerentes com os seres humanos melhores que queremos ser.

Paola Caumo

30/05/2010