Um amor para se relembrar

UM AMOR PARA RELEMBRAR

Imagine uma jovem sonhadora, com leucemia, que, aos dezessete anos, nunca namorou, mas deseja casar na mesma igreja em que casou a mãe. Essa mesma jovem foi a causa da morte da mãe, pois houve complicações no parto que determinaram a separação definitiva entre o bebê e aquela que lhe supriu a vida durante nove meses. O pai, que amava profundamente a esposa, durante algum tempo não conseguia olhar a filha por achar ela lhe roubara a mulher. Depois de mais outro tempo, porém, tendo passado a dor pela separação absurda, o pai devotou à jovem filha um amor tão grande que parecia mesmo a concentração em dose dupla de um amor insuperável: o que ele ainda devotaria à esposa e o que deveria, como pai, dedicar à filha. Amou-a em superdimensionada escala. E quando soube que ela estava com câncer, amou-a mais do que a própria vida.

Imagine uma escola onde os paradigmas de comportamento são estratificados, e todos os segmentos, ou grupos afins, não se misturam, como água e óleo convivem mas se mantém cada qual em sua própria natureza, repelindo-se no íntimo. A jovem sonhadora, religiosa, integra o grupo que não faz sucesso, não é popular, ou, como se diz, era uma estranha no ninho, vivendo à margem dos agitos, das pegações, dos muitos “ficar” com tantos quanto possível. Sua maneira de se vestir era, no conceito da maioria, cafona, brega, antiquado. Usava costumeiramente um mesmo suéter, colocado sobre um vestido que quase lhe cobria os pés. Puritana aos olhos dos jovens da escola, não chamava a atenção, sendo preterida quando o assunto fosse namoro. Era conhecida de todos pelas excentricidades, como observar as estrelas em seu telescópio e ajudar alunos de escolas carentes.

Imagine que essa menina, sendo assim tão deslocada, sonhe em encontrar um grande amor que lhe mostre possível a felicidade. Ela freqüenta a igreja, porém nenhum dos jovens que levam a religião a sério despertou nela qualquer interesse. Como seria possível essa jovem descobrir o amor? Quem sabe ela precisasse testemunhar um milagre. Aliás, esse era um dos itens da lista de realizações que ela estabeleceu como prioridades para sua tão curta vida, já que ela não tinha expectativa de viver além dos vinte anos. Somente um milagre para misturar em um mesmo elemento água e óleo...

Imagine que nessa escola há um jovem muito popular, cuja personalidade exuberante atrai a atenção de todos, como o ímã aos metais. Esse jovem é namorador, irreverente e não pratica os ensinamentos que ouve domingo após domingo na mesma igreja em que o pai da jovem sonhadora é pastor. Pelo contrário, a pouca crise de consciência por seus atos se revela tão somente quando, tendo retirado da água um amigo seu que se atirara no lago para provar ser corajoso e digno de entrar no grupo mais popular da escola, deixa-o agonizante ao perceber que a polícia se aproxima. Na fuga, bateu o carro em uma cerca velha, sendo preso imediatamente. Na cadeia, explicou que somente tentou ajudar um jovem que estava se afogando, e que fugiu da polícia pelo temor de ser acusado injustamente. Por causa desse episódio, o jovem é repreendido na escola, e, para não ser expulso, aceita participar dos grupos de solidariedade e teatro da escola. O primeiro grupo visita escolas carentes, para ajudar os alunos que têm deficiência no aprendizado, o outro, encena peças anuais, como parte do encerramento das atividades escolares. Em ambos os grupos, o destino da jovem sonhadora e do jovem rebelde iria se cruzar.

Imagine que, durante os ensaios para a peça, o jovem passe a conhecer melhor a jovem sonhadora. E que ele, contra todas as expectativas, apaixone-se por ela. Por essa paixão, ele vai enfrentar a resistência do pai da jovem, que vê nele um imenso perigo à integridade física e moral da filha. Ao dizer ao pai que também amava o jovem, ela é aconselhada a abandoná-lo antes que fosse tarde, como prova de que o amava realmente.

Imagine que, aos poucos, a vida desse rapaz passe por imensas transformações, e ele comece a demonstrar sinais de mudanças até então improváveis. De repente, torna-se atencioso, solidário, sensível. Foi ao hospital pedir perdão ao jovem que abandonara no lago; foi à escola da periferia ensinar a um estudante como transformar um triângulo reto em um isóscele. Mais que isso, levou a namorada à fronteira entre dois Estados, pedindo que ela pusesse um pé afastado do outro, dizendo-lhe que, assim, ela estava em dois lugares ao mesmo tempo, pois esse era um dos seus sonhos.

Imagine que ao saber da doença de sua namorada, e, que, depois de ela ter sofrido uma convulsão que a deixou debilitada, ele a peça em casamento. O casamento se dá exatamente como a jovem queria, na igreja onde a mãe casara, sob as bênçãos de Deus e pela instrumentalidade do pai-pastor. Mais um sonho seu havia se realizado.

Imagine, então, que após três meses de casamento, a jovem morreu, deixando o marido e o pai quando não tinha ainda dezoito anos. Ao visitar o sogro, durante as férias de sua faculdade de medicina, aquele jovem que há quatro anos sequer pensava em entrar numa universidade diz que ainda ama e amará para sempre a jovem *Helen. Que ela o fez experimentar um amor tão puro. Que ela o fez reconhecer que a felicidade independe de dinheiro, de tempo ou de saúde. Que a vida é um bem precioso, e que deve ser gozada em sua plenitude em cada detalhe, gesto, olhar e palavra. E que ele agradece a Deus por ter aprendido isso com a filha daquele senhor, que agora adotou o genro como filho.

Imagine que esse jovem diga ao sogro que sua única tristeza é não ter visto Helen presenciar um milagre, que era o seu principal desejo. Imagine que, olhando ternamente aquele jovem, o idoso e sábio disse: “Você foi o milagre!”

Resenha do Filme, “A Walk to remenber”, que assisti nesse weekend, título em português: “Um amor para relembrar”.

* não me lembro o nome dos personagens.

Clóvis Luz da Silva
Enviado por Clóvis Luz da Silva em 04/09/2006
Código do texto: T232302