As Canções de King OU "Song of Susannah" / "Canção de Susannah" (2004)

“Então eu escuto o vento para predizer o dia vindouro

Deixando todo tipo de expectativa para o homem do tempo

Não, realmente não importa o que ele tem a dizer

Porque o amanhã continua soprando de algum lugar”

(Bic Runga, “Listening for the Weather, tradução livre)

“E no entanto o ka vem a mim, vem de mim, eu o traduzo e o faço traduzir; o ka flui do meu umbigo como uma fita. Não sou o ka, não sou a fita, trata-se apenas do que flui através de mim e eu o odeio, eu o odeio!”

(Stephen King, “Canção de Susannah”, © 2006 Editora Objetiva, Tradução de Mário Molina)

Durante longos anos, as canções de Stephen King ecoaram numa América principalmente suburbana, “middle-class”, leitora voraz de "pulp fiction", imersa numa sociedade onde a literatura é profissão, e os livros, consumo. Os críticos, avessos à facilidade com que King produzia "best-sellers" de terror e mistério, demorou a perceber o talento que se lapidava em frente às teclas, ano após ano.

Os filmes baseados em suas primeiras histórias eram um pouco pipoca demais para a inteligência americana, o que contribuiu para relegar o autor ao segundo planos dos grandes vendedores. Foi só com “Conta Comigo”, "Louca Obsessão” e “Um Sonho de Liberdade” (filmes densos e bem resolvidos) que as histórias simples e maravilhosamente humanas de King passaram a ocupar o destaque que sempre mereceram, abrindo as portas para uma multidão de leitores “cultos” mundo afora se preocuparem com seus escritos.

No meio disso tudo, “A Torre Negra”. Sim, pois a julgar pela forma como o autor se transmuta em personagem no sexto tomo da série, “Canção de Susannah”, ATN não é somente uma história – uma graaande história, vá lá – mas parte da vida de Stephen como jamais se poderia supor. E Roland Deschain, talvez um pouco mais que um personagem: talvez um co-autor.

Depois de um começo um tanto confuso, o livro toma fôlego ao decifrar antigos enigmas enquanto acompanha as jornadas de père Calahan e Jake por um lado e Susannah e Mia de outro – enquanto Eddie e Roland estão, é claro, escarafunchando a mente, a casa e os escritos de Deus.

SK não inova, distorce; não fecha, abre portas; não destroi, constrói; não plagia, cita; não repete, insere. Seu romance (e a série) refletem a angústia do devorador de lixo, tão comum na América quanto desconhecido por estas bandas, que, na impossibilidade de sentir o gosto das coisas, tenta pelo menos triá-las. Seu regurgitar, emotivo e cerebral, mexe com nossas lembranças e crenças. Sua violência, outrora crua, trepana agora nossas mentes com seu raciocínio implacável. Já não se procupa mais com as pontas soltas: amarra o que tem que o tempo da âncora vem aí.

King aparentemente precisou morrer para escrever os novos livros da série (pelo menos por um momento, em 19 de junho de 1999). Nada mais natural para esta fabulosa história que mistura tudo de bom e de ruim que a sociedade americana engoliu nas últimas décadas. Esperemos encontrá-lo na última planície. Enquanto isso, continuemos a andar na Via do Casco da Tartaruga.

“Uga”, diria Oi.

Ou a voz doce de Bic Runga:

“Estou certo de que

Enquanto eu escrevo

Você estará em algum lugar

Em seu caminho”

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 04/09/2006
Código do texto: T232592