A SOLIDÃO DE NOSSAS HORAS

“Solidão é quando o coração, se não está vazio, sobra lugar nele, que não acaba mais”. Padre Antônio Maria.

Acho que é bem por ai. Quantas vezes ao nos olharmos no espelho não nós deparamos com alguém de certa forma tão só? Só e não é por falta de gente a nossa volta, mas de um vazio que parece não ter fim e vez ou outra fechamos os olhos para mergulhar nesse vazio e tentar entender, o que nos faz falta.

Hoje a solidão das grandes cidades beira uma realidade bem superior ao que conseguimos imaginar. Vivemos num corre-corre danado, com tempo contado para tudo, com compromissos que beiram a loucura e tendo que atender a tudo, ao mesmo tempo, que muitas vezes não nos damos conta do quanto nos sentimos sozinhos. Optamos por um mundo prático, que não nos faça perder tempo e que nos ajude a esticar as horas. Que tudo funcione ao toque do botão e que saia pronto para ser consumido em minutos. Fazemos tudo tão automático para atendermos a pressa que só paramos para respirar quando voltamos para casa e ligamos o rádio e já pensando qual o prato congelado aqueceremos para o jantar. A pressa para terminar o dia, antes que o outro comece faz com que esqueçamos o motivo pelo qual chegamos ali. A TV se desliga no automático, mal conseguimos contar cinco minutinhos e já estamos dormindo. Nossa vida passou a ser cronometrada, que mal conseguimos administrar nossa rotina e o pior, a saber, é que nós nos acostumamos a isso e que todo mundo, de alguma forma, faz a mesma coisa. O transito, a pressa, as tarefas, as obrigações que nos aprisionam a todo instante, camuflam o que sentimos ou como nos sentimos, talvez seja por isso que as redes sociais cresçam tanto hoje em dia. Funciona como uma válvula de escape, um meio de sustentar um tipo de vida social, com poucos ou muitos amigos que o sigam, quase sempre de gente desconhecida, num ambiente tão pouco caloroso, uma vez muita gente acaba não resistindo à tentação e acaba tomando conta virtualmente da vida dos outros.

A internet e a velocidade com o qual o mundo tem se movido nos dias de hoje tem nos colocado numa ilha virtual onde só é possível chegar através de conexões realizadas com algum meio de comunicação como MSN, Orkut, Face book e tantos outros por ai. Graças a esses meios de interação, as pessoas têm se aproximado mais, tem estabelecido contatos mais facilmente e se aproximado uma das outras, no entanto esse meio também acaba não fixando ou valorizando quem está do outro lado, devido à mesma facilidade de descartar pessoas do mesmo modo que às adiciona, na pressa de encontrar outro melhor, o que acaba colocando em xeque o valor individual de cada ser humano. Estamos vivendo um desajuste social e não apenas interação entre pessoas. O excesso de gente nos impede de ver as pessoas, já dizia Quintana.

Muitas coisas nos dias de hoje ganham mais intensidade. As tecnologias, a versatilidade de produtos, o acesso a determinado tipo de informação que antes só era possível nas enciclopédias. A tristeza, que hoje vai além do pranto, dando lugar ao que chamamos corriqueiramente de depressão. A busca incansável por uma beleza padronizada que não existe e por uma perfeição que jamais será alcançada, levando nossos passos a uma realidade fantasiosa e que se torna um dos agentes que alimentam a solidão das grandes cidades e que aumentará com o passar dos anos.

A violência, a falta de segurança e de respeito entre as pessoas faz com que nos aproximemos de um egoísmo que nos protege e nos afugenta de outras pessoas.

Nós acostumamos à cor acinzentada das marquises, mas estranhamos quando alguém desconhecido sorri para a gente. Surpreendemos-nos, quando um passarinho pousa em nossa janela voluntariamente ou quando a velha orquídea aparentemente morta na sacada amanhece nos presenteando com uma flor. São coisas que deveríamos estar acostumados e não surpresos. Criamos paredes e nos apegamos a elas. Criamos pontes para gerar facilidade e não para ligar pessoas. A todo instante estamos buscando alguma coisa, que logo sai de linha, que logo perde a graça e nos faz esquecer que tudo o que fazemos, fazemos por alguém, porque é isso que move o nosso mundo. O operário que constrói casas, as casas onde moram pessoas, pessoas que alimentam as fabricas de outras necessidades. Somos seres humanos trabalhando para seres humanos e às vezes nos esquecemos dos seres humanos que somos.

Crescemos rápido demais à medida que o tempo passa. Praticamente a cada Copa do mundo lá se vai uma geração. Mal chegamos à adolescência e já somos instruídos a escolher uma carreira promissora, que seja economicamente rentável, para não deixar de estimular o consumismo do qual fomos acostumados, e deixamos de notar ou de nos preocupar com quais pessoas cruzaremos nessa jornada. Aprendemos a falar em público das nossas idéias, mas somos advertidos a falar pouco sobre nossos sentimentos. Somos estimulados a defender as nossas escolhas, mas seremos interpretados como fracos se chorarmos em público. A todo o momento somos instigados a conhecer o capitalismo que move esse mundo, mas não sabemos nada sobre como nos relacionar com outras as pessoas, sobre o que esperar ou de como investir em um relacionamento, como fazer e manter novos amigos. É duro abrir a guarda, mas solidão é um mal que oprime milhões de pessoas, quer sejam os de sucesso, os que possuem fama, os casados de curta, média ou de longas datas. Os acompanhados e até mesmo gente normal como a gente. Há solitários de todos os tipos e em todos os gêneros, mas nem sempre isso é uma escolha. Nem sempre isso é uma decisão meramente egoísta.

Os relacionamentos desinteressados estão a cada dia mais escasso, no entanto os relacionamentos por conveniência estão em alta. “Até que a morte os separe”, passou a ser “Até que a partilha dos bens nos declare”. Bem diferente do tempo de nossos avós que se casava com alguém para construir uma vida juntos, pau a pau, tijolo por tijolo, hoje a vida tem pressa. Não basta ter apenas a casa própria, mas ter dado entrada no financiamento para outra na praia. Ter o carro de passeio, mas também o carro da família e assim, a vida vai parecendo mais uma loteria em que quem acerta mais é quem consegue encolher o caminho que demoraria anos para percorrer.

É incrível o que fazemos hoje em dia para criar vínculos com alguém. Não basta apenas a empatia, mas também o status social e o profissional como moeda corrente entre nós. É como se dissemos: Fale-me quem tu és que te direi se passo o meu cartão, se te dou meu email, se te adiciono ao meu Orkut.

Francis Bacon, certa vez pronunciou que "A pior solidão é não ter amizades verdadeiras." E ele não estava errado. Quanto mais perto do céu a gente está, mas longe do chão a gente fica. Quanta gente por ai de sucesso só vai tomar conta dos amigos que tem, quando perde o que lhe faz atraente? Nem queira fazer um teste para avaliar se você tem muitos amigos ou quanto está sozinho, quando a dificuldade bater a porta. Num mundo competitivo como o nosso, poucos são os aliados que não nos vêem como concorrentes.

"Que importa morar aqui ou lá, quando se descobre que se está sozinho em qualquer lugar?" Já dizia Débora Bötcher.

Ainda há solução para a solidão que sentimos, ainda que não a admitamos. O sucesso é sempre uma desculpa para riscar a solidão do dicionário, afinal de contas, quem o tem, não está sozinho, não é isso? Então porque é que as drogas estão cada vez mais perto de quem não tem motivo algum para reclamar de solidão, do que a nós mesmo que a única droga que usamos é nos afugentarmos no trabalho como forma de escapar dela? A solidão está para o espírito, assim como a dieta está para o corpo.

Há uma diferença muito grande entre viver sozinho e morar sozinho. Morar sozinho todo mundo mora. Acho até que deveria ser uma condição irrefutável, antes de se tentar viver a dois ou em mais. No entanto viver sozinho é para poucos. Apenas para os que conseguem se afugentar entre paredes brancas e sólidas e verdadeiramente conseguem viver ilesas da necessidade de expor seus sentimentos e sua individualidade, mas dependendo do quanto isso faça alguém feliz, até nem vejo como problema. O ruim está para os milhares de pessoas que sentem solidão e também a dificuldade de encontrar com quem partilhar sua vida, sua intimidade, seus sonhos, suas frustrações.

Solidão: tai um lugar bom de visitar uma vez ou outra, mas ruim de adotar como moradia. Josh Billings. Preto e branco, pobre e rico, feio e bonito. Do menor para maior. Todo mundo sente solidão.

Há momentos infelizes em que a solidão e o silêncio se tornam meios de liberdade e isso nos torne forte, no entanto não acredito que tenhamos vindo a essa mundo para vivermos trancado numa torre sujeito a poucas visitas. Há tanta coisa para vermos longe da aldeia, onde vivemos e tanta gente para conhecer além do trabalho, que acaba sendo um desperdício passarmos pela vida e irmos direto para a morte, sem deixar alguém, que ao menos sinta a nossa falta. Conheço muita gente que só sabe a falar de si mesma e que quando não encontra quem a ouça, ela se fecha e vai embora dizendo que não tem amigos. Mas isso, por mais que pareça um exemplo de egoísmo, na verdade é uma maneira que ela mesma encontrou de chamar a atenção de alguém. Fazemos isso o tempo. De alguma forma sempre achamos um meio de expressar como estamos nos sentindo.

“A solidão é o preço que temos de pagar, por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo”. Soseki Natsume.

Não podemos viver alienados por achar que quem morre de solidão são os outros. Não importa quem somos ou onde vivemos, em algum momento somos acorrentados por esse sentimento e o sabor dele já causou um travo amargo na boca. É a coisa mais natural que existe e que nos acostumamos facilmente. Solidão de amigos, dos familiares que moram distantes, de um amor para ter por perto, que aqueça nossos pés e nos que nos olhe com sinceridade.

Somos de carne, osso, cartão de crédito e débito. Mas, não será tudo que poderemos comprar com dinheiro. Temos a necessidade de nos relacionarmos, de termos nossas confusões e te termos um amigo que nos acompanhe na hora do almoço, ainda de graça. Ninguém de sucesso chega ao topo sem ter ninguém ao lado para celebrar, porque até para o sucesso precisamos das pessoas. Ninguém nesse mundo nasceu para ser só e ainda que tenha nascido essa seria uma escolha muito dolorosa.

Se esse for o seu caso, aprenda de alguma forma a levantar a sua pedra bem alta, para que em algum lugar haja alguém precisando dela para montar o ‘quebra-cabeças’ que essa vida nos obriga a jogar todos os dias.

Como já dizia o escritor Pablo Neruda: “Solidão é uma ilha com saudade de barco.”

Joel Thrinidad
Enviado por Joel Thrinidad em 02/08/2010
Reeditado em 02/08/2010
Código do texto: T2413807
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