UM CAMINHO PERIGOSO

Os programas televisivos comandados por um só ícone, encontraram uma fórmula, que parece mágica no ponto de vista de merchandising, trazendo temas polêmicos, almejando índices de IBOPE, mas abusam de falácias ultrapassadas, conservadoras e poucos construtivas ao senso comum do brasileiro.

No dia 27 de Julho, o SR Datena disparou sua fúria contra os Ateus usando um bordão de circo dos horrores, que nem mesmo Wood Allen, visto do ângulo cômico, por mais criativo que ele é, poderia fazer seu enredo. O show de intolerância coloca o bem diante do mal, de uma forma medieval, digno da inquisição, da escravidão, e das caças às bruxas.

Não é preciso destacar o quanto a intolerância atrasou a evolução da humanidade, basta lembrar um só fato: Hitler e a sua propaganda nazista no rádio e no cinema.

Relatar tantos fatos seria cansativo, mas, apenas para refrescar o neurônio do Sr Datena, na inquisição as pessoas eram queimadas vivas como hereges pelo simples fato de não acreditarem em nada invisível, e Galileu, acredito que ele saiba quem foi, acabou excomungado porque afirmou que a Terra girava em torno do sol.

Provocar a catarse e manipular a opinião pública usando veículos de comunicação de massa, deveria ser digno de cadeia, pois trata-se de uma covardia que geralmente atinge uma minoria, que discriminada, não têm os mesmos direitos a resposta, e esses doutores da verdade, quando questionados na justiça, se esquivam, desconversam, e até pagam um valor irrisório pela ofensa como se tudo fizesse parte de seu script.

Aqui trataremos apenas de dois pontos relevantes: primeiro o preconceito, a discriminação que é inconcebível contra qualquer que seja a classe atingida, pois a constituição braseira assegura tal direito, que são ignorados em nome do show. E em segundo plano, o preparo daqueles que “dirigem” esse tipo de show.

Não se trata de questionar se deus existe, ou se o bem está em desvantagem contra o mal, ou vice versa, mas sim analisar de uma forma racional esta comparação mórbida discursada pelo SR Datena, assim como questionar o sua capacidade intelectual para se julgar um bom entendedor da causa ateísta.

O primeiro agravo intelectual evidente deste Sr, é desconhecer o que é um Ateu, quando bastava abrir o dicionário e ler: Aquele que não acredita num ser criador, no caso em Deus, e nem aceita estes deuses conhecidos como os donos do mundo.

Pelo fato em si, de não acreditar num criador, um senhor de barbas sentado num trono que fica ouvido preces e nos observando vinte e quatro horas por dia, controlando todas as folhas que caem da árvores não constitui crime algum. No mundo civilizado já não se mata mais pessoas pelas suas crenças. O Sr Datena fala dos Ateus comparando-os com capetas, pois segundo ele, não têm Deus no coração. Os padres falam, lêem, escrevem, respiram Deus o tempo todo, mesmo assim temos padres pedófilos, vemos que não basta ter Deus no coração, é preciso ser íntegro, e generalizar é o caminho dos tolos.

Outra arbitrariedade do Sr Datena, diante de seu estresse pelo ibope, disse inconformado, existirem pessoas que não acreditam em Deus, oras o próprio Budismo é uma religião sem deus, e no meu ponto de vista, mesmo Ateu, é a religião que mais prega a cordialidade e a gentileza, inclusive prega o respeito aos animais.

Machado de Assis era Ateu. Jorge Amado, Fernando Pessoa, José Saramago, ícones da literatura portuguesa. Existem provas que eles compactuavam com o demônio, eles são entidades do mal?

Verifique Sr Datena, a lista de Ateus famosos, encontraremos a maioria dos filósofos, grande parte dos escritores, historiadores, cientistas, prêmios Nobel, artistas consagrados, médicos famosos, enfim até apresentadores da sua própria emissora, Ricardo Boechat consta na lista do site “Ateus famosos”, por favor verifique Sr Datena, se é que sabe fazer pesquisa...

O Sr Datena compara Ateus a marginais impiedosos, capaz de matar velhos e enterrá-los vivos, capaz até de matar crianças indefesas de dois anos, e ainda “surpreso” de constar na sua enquête (opinião pelo telefone) de ateus se manifestando, ele diz em cólera: “Essa pessoas que não acreditam em Deus devem estar ligando da “cadeia”

Segundo as estatísticas, os melhores países do mundo para se viver são: Suécia, Noruega, Dinamarca, países considerados ateus, de baixo índice de criminalidade.

E para o conhecimento do Sr Datena, se é que ele se interessa pelas pesquisas cientificas feita por órgãos renomados e internacionais existem menos de 1% de ateus nas cadeias, onde a maioria é cristã. Basta pesquisar na internet, é bem simples.

É notório para qualquer leigo no assunto, que o fundamentalismo religioso comete inúmeros atentados e crimes pelo mundo, como o recente atentado às torres gêmeas, as guerras no oriente médio, e outrora, as cruzadas, sem contar os massacres étnicos nos países teocratas...

Por isso, afirmo aqui, que os programas televisivos, visando o lucro, dão espaços a apresentadores populistas, despreparados, sem estudo científico, sem conhecimento de causa, que apenas caem no gosto do povo apresentando um circo, sugando o sangue de vítimas, explorando os crimes e julgando a revelia sem consultar fontes ou até mesmo um simples dicionário.

As redes televisivas abertas, como órgão de concessão de sinais, amparados pelo governo federal têm a obrigação legal de colocar no ar programas de qualidade, e selecionar e preparar estes profissionais a lidar com a democracia e a tolerância para não serem cúmplices do retardo mental na era da globalização. Devem ser penalizadas pela lei constitucional pela responsabilidade de colocarem no ar apresentadores vazios e programas sem valor construtivo e educacional. Mas se lhe faltam criatividade e a competência, que não andem na contra mão da história, atacando minorias intelectuais, que declaradamente não assistem estes tipos de programa, e por isso a falácia do Sr Datena produz um efeito placebo quando diz: “Não quero ateus me assistindo”.

Falando ainda do preparo para tais apresentadores, condição que se faz jus a cultura deste país, que vem saindo aos trancos do atraso secular, é o tom grosseiro do Sr Datena contra aqueles que o questionam, pois no status em que está concebido, é virtude senão praxe a simpatia, lembrando que muitos sábios muitas vezes abriram mão da razão pela gentileza de reconhecer no outro um direito a ser respeitado.

Falando em grosseria e sem baixarmos o nosso nível, lembremos de fatos ocorridos com o mencionado apresentador envolvendo Gilberto Barros, Milton Neves e o jogador Neto, quem é que tem deus no coração?

Vivemos num país democrático, construído com muitas mortes, de pessoas que lutaram por um ideal de igualdade, e hoje sofremos na pele um grande problema social oriundos da covardia da escravidão ao negro e ao índio, e agora, ditadores da comunicação abrem mão deste elo para encontrar no ibope popular uma crescente onda de intolerância para fazer deste circo, do sangue, da exploração da desgraça alheia uma fórmula para hipnotizar pessoas humildes, simples, ingênuas, sem muitas oportunidades de estudo, consumidores final, que inocentemente, acreditam na sua falácia.

Isto não é jornalismo, é apenas sensacionalismo barato, fútil, lágrimas de crocodilo que justifica o circo, pois não sejamos intolerantes também, pois o circo em si é uma cultura, é um lazer, é uma forma de relaxarmos do estresse e dar oportunidades a vários profissionais de talento. O circo que aqui menciono é o circo da hipocrisia, da discriminação, do monopólio da comunicação. E o palhaço deste tipo de circo, que quer que o mundo gire em torno de seu umbigo, é aquele que tenta chamar a atenção a qualquer preço para aparecer mais do que seu próprio Deus.

Wagner Ferreira