REJEIÇÃO. O ESPELHO QUE ESCONDEMOS DE NÓS

(“Prepare o seu coração prás coisas que eu vou contar. Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar...”) Geraldo Vandré e Théo de Barros.

É uma pena que nem toda rejeição resulte em letra de música, porém, a maneira de como a encaramos, pode mudar consideravelmente a reação que ela nos provoca. Seria bom se nenhum ser humano soubesse o que a rejeição é capaz de fazer e o mal que ela causa, no entanto, assim como os demais sentimentos são importantes, a rejeição também é, e faz parte do crescimento individual de cada um e do qual todos passamos. Um tipo de mal necessário para avaliarmos a nossa conduta e darmos o devido direcionamento a nossa vida.

De uma coisa a gente precisa ter consciência: existe vida após a rejeição. Embora pareça que não, e a gente só aprenda vivenciando, conforme vai ganhando maturidade e percebendo que faz parte da natureza de todo ser vivo, ser aceito, admitido, permitido e aprovado sob qualquer convívio coletivo, onde quer que haja uma hierarquia a ser respeitada.

Nossa moral, nossos sentimentos e principalmente nossos anseios mais íntimos de prosperidade passa, por isso. Somos postos a aprova desde criancinhas, quando somos admitidos no colégio, entre a turma da sala de aula, no time de futebol lá do campinho, entre os amigos do condomínio, enfim. E desce cedo somos lançados aos ‘bullying’ impiedosos que são o resultado de brincadeiras e maldades que nos coloca em choque com esse sentimento tão destrutivo, entristecendo, deprimindo e denegrindo a imagem ainda informe de nós mesmos.

Em qualquer ocasião, onde possa haver pessoas, estamos sujeitos a rejeição e ela pode acontecer da maneira mais sutil e imprevisível possível, como numa paquera corriqueira não correspondida na balada, no olhar de alguém que nos veja com certo desprezo, entre nossos amigos, nossos parentes e pessoas bem próximas. Não é fácil conhecer exatamente as intenções de cada pessoa para sabermos, se caberemos perfeitamente no que ela espera de nós. Assim como as nossas necessidades, as necessidades dos outros são inimagináveis e o tempo todo parece que vivemos nesse equilíbrio de interesses, buscando de alguma forma ser preteridos. Não é fácil definirmos a que grupo pertencer e quando isso acontece, corremos o risco de reforçamos nossos defeitos, nos permitindo ficar com quem pareça ter os mesmos limites que o nosso ou bancamos os arrogantes e nos juntamos aos ‘insuperáveis’. Em qualquer um desses grupos estaremos nos separando dos demais, e isso também não impede que sejamos repelidos de algum modo.

A todo instante estamos buscando aceitação, por isso ao longo da vida vamos pertencendo a diversas tribos, até que nossa maturidade e personalidade estejam devidamente formadas. Até que isso se defina, lá se vão anos de experimentos, que podem resultar numa grande perda de tempo ou num continuo laboratório, que levaremos conosco para sempre. O que devemos aprender com isso tudo, é que não importa as escolhas que façamos e no resultado que isso termine, nosso crescimento é pessoal e devemos buscá-lo por nós mesmos e nunca pelas pessoas, do contrário nossa personalidade estará sujeita a uma falsa aparência, que nos machucará ainda mais, uma vez que naturalmente separamos o joio do trigo e nos permitindo às certas de escolhas.

A roupa que usamos, a música que ouvimos e até os caminhos por onde vamos, define bem o estilo que temos. Não existe certo ou errado. O que existe é o aceitável e inaceitável pelas pessoas que nos observam, e o nosso individualismo que é quebrado quando nos sujeitamos ao direito de qualquer um contestar. O que não se pode fazer é tratar alguém inferior por causa disso, como se ela não tivesse sentimento e a autonomia para decidir sobre seu próprio estilo, mas infelizmente é exatamente o que fazemos. Repudiamos, recriminamos e a sentenciamos.

O tempo todo ‘pré-conceituamos’ alguém, e isso é maior quando não a conhecemos bem e não entendemos seus reais motivos para as atitudes que toma, como se vivêssemos numa grande fábrica de seres humanos em série, e todo ser humano saísse de uma linha de produção com um selo padrão de qualidade.

Por quantas mudanças cada um nós não passa, da infância até a velhice? De tempos em tempos, mudamos de estilo, de corte de cabelo, de opinião. Conhecemos a nós mesmos à medida que vamos conhecendo os outros. O que o outro faz, pode nos causar uma mudança de atitude, de opinião, assim como vamos excluímos automaticamente todas as outras que não fazem parte da nossa preferência.

Está observando como a rejeição está tão presente em nossa vida, como o álcool para o perfume? Sem esse sentimento, não conseguiríamos aperfeiçoar os outros, como o perdão, por exemplo, quando reconhecemos que julgamos friamente e condenamos, quem quer que tenha uma opinião contrária a nossa. No entanto há escolhas inevitáveis que a vida nos faz encarar e que somos obrigados a aceitá-las. Escolhemos nossa identidade, mas não a nossa família. Escolhemos nossos amigos, mas não os nossos vizinhos. Escolhemos a profissão, mas não as pessoas com quem trabalharemos. Tudo de alguma forma nos ensina um jeito novo de ver as coisas e é isso que nos faz mudar de opinião constantemente.

Condenamos à prostituta, mas não compreendemos os seus motivos, separamos o negro do branco, como se pudéssemos separar a raça do ser humano, como se vivêssemos num processo seletivo tão intenso, e isso nos excluísse da condição de sermos reprovados, por quem quer que seja. A rejeição, assim como egoísmo, a avareza, a raiva são sentimentos que precisam ser cuidadosamente dosados para não comprometer os dentes da boca, porque tanto por quem pratica a rejeição, quanto pelo que sofre a rejeição é natural a reação de repulsa, de ódio e de rebeldia por não aceitar tal condição e isso resulte em outra forma de agressão. Hoje existem leis que protegem os cidadãos, colocando essa atitude desumana, como condenável perante os homens, no entanto, isso não exime que a pratiquemos todos os dias, mesmo sujeitos a uma punição severa.

Não podemos excluir de nossas vidas às pessoas que terão menos importância, como nos processos seletivos de uma empresa, onde somente seres humanos eficientes, inteligentes, competentes, qualificados e descentes são postos para dentro. Que sejam capacitados, com uma conduta exemplar e moral para a oportunidade em questão. Fazemos isso também em nossa vida pessoal, não é mérito apenas do local que trabalhamos, no entanto, é de direito de todos a uma vida descente, de crescimento, de conhecimento e de oportunidade de se expor ao sol numa pedra bem bonita, como um sapo à beira da lagoa.

Assim como o fracasso, o sucesso também é uma conseqüência, quer seja os que estudaram em escolas particulares, quanto os de escolas públicas. O negro também pode ser eficiente, o aleijado pode ser competente, o homossexual pode ser inteligente. A condição de vida de cada um, não exclui a sorte que a vida reserva para cada pessoa. Não temos o direito de excluir o feio, assim como não podemos afirmar que em nossa vida só os mais belos nos fizeram felizes. Estaríamos limitando o que chamamos de felicidade e isso ninguém jamais aceitará. De pais bonitos também nascem filhos feios, assim como o contrário. E francamente, se nossas mães fizessem apenas o que nossos pais gostavam, certamente não teríamos nascidos e não teríamos nos tornados o que somos hoje, quer sejamos bonitos ou feios aos olhos de quem nos julgue.

Nossa vida é um processo de aceitação e quando essa aceitação, não passa no controle de qualidade, somos lançados impiedosamente num poço aparentemente sem fundo e raso ao mesmo tempo. Todo mundo já passou, por isso em algum momento de sua vida e para muita gente, a reprovação só o tornou melhor do que era, o deixou mais seguro do que pensou que fosse, e mais forte do que imaginava ser. Quando vamos entender que a aparência não é tudo, não compra tudo e não garante tudo? Desprezamos e somos desprezados a todo instante. A cada hora estamos mais perto dos cem anos do que dos cinco, e por esse motivo, somos tratados como ultrapassados pelos mais jovens, que chegam a esse mundo, como se viessem com mais garantias do que muita gente que chegou na frente. Os mais jovens, trazem consigo muita inexperiência, no entanto se baseiam no tempo que possuem para alcançarem o tal selo de aprovação, porém, se não fossem cuidados pelos mais velhos que fizeram parte de sua vida, como sobreviveriam?

Da mesma forma que não é gentil trocar a namorada por outra de seios mais fartos; trocar uma pessoa mais velha por outra mais nova, não parece justo, mas como eu disse acima, a novidade pode ser um fato importante, mas ainda sim, não impossibilita que a jovem, não troque no futuro, o mais velho por outro mais novo à medida que seu gosto seja apurado com o tempo.

O negro, o albino, o muito alto ou muito baixo, o muito gordo ou muito magro, o pobre, os alegres, os tristes, os falantes e até mesmo os tímidos, enfim, qualquer um posto perante o espelho comparativo de superioridade humana, já passou por algum tipo de rejeição e sabe bem o mal que isso causa e que lateja na mente intermitentemente. Não existe uma padronização de pessoas, o que existe é a capacidade das pessoas de se olharem nos olhos e antes de qualquer julgamento, veja um irmão. Esse assunto é muito extenso, no entanto, não podemos calar uma realidade que está bem diante dos nossos olhos, ao alcance de nossas mãos na face de alguém.

A rejeição é uma ferida assintomática. Pode até não sangrar, mas dói do mesmo jeito.

Não podemos julgar a vida dos outros pela sorte que tivemos. Isso só complicaria ainda mais o julgamento de nós mesmos, quando poderíamos ter sido mais feliz do que realmente fomos, e poderíamos ter feito muito mais pelo outros e não fizemos. Se o reino dos céus fosse herdado somente aos afortunados, aos bonitos, aos perfeitos e aos que atingiram em sua vida o padrão máster, ultra, mega da qualidade, imagina como seria esse Deus que nos julgaria e os anjos com quem viveríamos a eternidade? Certamente não seria o mesmo Deus que veio a Terra, que foi humilhado, cuspido, traído e morto. Não teria sido o mesmo que emudeceu quando o seu povo bradou: Soltem Barrabás!

Como se dissessem: _ Soltem o bandido, o corrupto, o assassino, o enganador, o estuprador de criancinhas indefesas e coloque o justo, o inocente, o sábio, o humilde, o Deus na cruz e preguem suas mãos e pernas e o matem na frente de todos. Ainda bem que Deus é bom e justo porque do contrário, caso quisesse testar a nossa humanidade, nos dias de hoje, seria posto à cruz novamente.

Não somos melhores que ninguém, nem mesmo perante os loucos que em sua confusão mental, são mais inteligentes e sensíveis que nós. Debaixo do sol e das condições do clima padecemos do mesmo modo, não importa a raça, a crença e nem tão pouco a condição social. Basta um dia sem banho e nosso corpo começa a exalar a humanidade que há em nós. Basta à alma sair do corpo e tudo o que temos e o que fomos é trancafiando na escuridão da sepultura. Não existe garantia que algum ser humano nessa vida, seja mais perfeito que outro ou que haja uma linha exclusiva de dons e talentos para determinado tipo de gente, que não se misture com os menos prováveis a tê-los. Somos passiveis de substituição, de troca, por qualquer um que esteja mais capacitado, mais eficiente, mais qualificado. Não há nada quem mude isso, nem mesmo a sorte.

Somos iguais perante a lei, não importa quem nos julgue ou quem bata o martelo. A única coisa que devemos uns aos outros é o amor, a compreensão de não existir seres humanos iguais, nem mesmo os nascidos da mesma placenta.

É uma pena que a mesma mão que faça a guerra, resista tanto plantar a paz.

A única coisa que difere um ser humano de outro ser humano é a quantidade de amor que este, seja capaz de dar a quem quer que seja sem preconceitos e sem a péssima mania de querer que o outro pense como nós. No mais, somos tão carentes de afeto e de carinho quanto o filho carece do leite da mãe, do contrário, conforme Chico Buarque de Holanda em “A Construção: _ “Morreríamos na contramão atrapalhando o sábado...”

Joel Thrinidad
Enviado por Joel Thrinidad em 29/08/2010
Reeditado em 29/08/2010
Código do texto: T2466310
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