Linguagem e poesia

LINGUAGEM E POESIA

O homem é um animal que fala, chora e ri. O mundo em sua volta precisa ser interpretado em sua materialidade, e para tanto se utiliza o homem da linguagem. Os objetos precisam de nomes, e estes nomes somente existem porque a língua os classifica segundo suas espécies e características. A lua, o sol, os rios, os animais, um homem, uma mulher, um grito, um gozo...Tudo passa pelo filtro da língua, e sem isso o mundo seria um vazio de significados. Pois bem, a poesia enquanto manifestação possível dos sentidos desse mundo material empreende a restauração da linguagem, matéria-prima do fazer poético (poiein) até sua origem.

A ciência que estuda a linguagem humana, a Lingüística, quando admite a evolução do seu objeto de estudo, revela um desgaste natural da linguagem no campo fonológico, sintático e semântico.

Fonologicamente a linguagem se desgasta devido o processo de “economia” no falar, ou seja, durante o processo de aprendizagem da língua, o falante tende a utilizar o menor número possível de fonemas, limitando esse número ao nível mínimo possível que lhe permita continuar se comunicando com o próximo de modo eficaz.

Sintaticamente, a linguagem sofre o desgaste pela simplificação das estruturas sintáticas.

No campo semântico, a linguagem sofre desgaste pela padronização das metáforas, cuja rápida depreciação no tempo não desperta o mesmo interesse de quando surgem, tornando cada vez menor seu impacto e importância no uso da língua.

Esses fatores têm contribuído para que a linguagem se torne ordinária, cotidiana, corriqueira, convencional, sem o viço poético, sem a beleza das imagens metafóricas que dão perfume à vida, momento em que os homens são abatidos por um falar que privilegia as palavras naquilo que têm de essenciais: o poder de transmutar a realidade pela sugestão imagética da poesia.

Será que todos nós somos poetas? O que é ser poeta? O que é, aliás, poesia?

A poesia não inventa a linguagem, ela a transfigura. “As palavras que emprego são as palavras de todos os dias, e no entanto não as mesmas...” “Estas flores são vossas flores e dizeis que não as reconheceis...”

Sim. Todos nós podemos transfigurar a linguagem, posto que, diferentemente de um pintor, não existem pre-requisitos que definam quem pode ou não ser um poeta.

Prestem atenção. A poesia é uma expressão em dois tempos, e o seu processo de criação pressupõe a memória e a imaginação.

O primeiro momento da expressão poética é quando a mente entre em contato com aspectos da realidade no seu sentido imediato, material, objetivo. É um encontro denotativo com a realidade. A partir das imagens que esse encontro suscita, faz surgir, estimula na consciência, através de associações, temos o segundo momento, o conotativo.

Exemplificando... A lua, as estrelas, as flores, são os instrumentos invocadores, os motivos a partir dos quais a consciência imagina situações, experiências, vivências, ou seja, caracterizando o estado poético.

O mesmo objeto pode produzir imagens diversas nas pessoas. Um objeto pode evocar a saudade de alguém querido e outras emoções correlatas.

A sexta-feira treze...Por que essa linguagem poética é tão natural a qualquer homem? Porque temos necessidade de materializar aquilo que sentimos. Nosso estado poético precisa encontrar formas expressivas de manifestação. Assim como a rocha bruta do mármore se transforma em linda pedra a decorar um templo, também a linguagem precisa que o homem a tire de sua inexpressividade, de sua univalência semântica, para, transfigurando-a, manifestar aquilo que emana de seu estado interior, o eu-lírico.

Os homens que mais se esforçam para usar a linguagem em

estado poético são conhecidos como poetas. E que tal se nos esforçamos para revigorar nossa condição de poetas?

Clóvis Luz da Silva
Enviado por Clóvis Luz da Silva em 25/09/2006
Código do texto: T248903