A política do desalento

Em entrevista nas páginas amarelas da revista Veja desta semana o deputado Fernando Gabeira diz que o PT, ideologicamente, acabou. Sua constatação causou-me grande desconforto; obriguei-me a refletir melhor sobre a questão e percebi que o incômodo que sentia era devido a desesperança.

Nunca fui pestista, socialista ou abracei qualquer "ismo" porque nunca senti necessidade de identificação com algum grupo "ista". As doutrinas e ideologias sempre me pareceram muito limitadoras e perigosas no sentido de focarem apenas um lado de questões complexas e concentrarem esforços que findam em cisão, deixando o mais importante pelo meio do caminho. Ainda assim, a afirmação de Gabeira me apoquentou.

O fenecimento do PT já tinha sido anunciado há tempos. Desde a última campanha eleitoral para presidência, pareceu-me que o partido sinalizava que a vitória seria um fim em si mesmo; que tantos anos de luta tornava o objeto de desejo, a presidência, apenas um desafio; e que a ideologia de melhores condições para os desafortunados estava cedendo espaço à estratagemas eleitoreiros. Apesar disso, os sinais negativos que a campanha assinalou perderam força com a vitória do Lula.

A vitória do PT foi realmente algo bonito de ver. Com a acalorada posse, até os mais céticos sentiram respeito. Era a concretização da esperança de muita gente: intelectuais inquietos e com vontade de fazer alguma coisa pelo Brasil; estudantes que confirmavam seus propósitos idealistas; e pessoas carentes que vislumbravam alguma oportunidade num governo de origem humilde. Mas uma seqüência de fatos foi minando as expectativas.

E aí me pergunto: o que aconteceu, afinal? Criticar o governo parece reação óbvia. Mas não é possível deixar de questionar e tentar entender uma série de coisas. Acredito que houve combinação de vários fatores que acarretaram a atual realidade em que vive o PT, principalmente o governo federal.

Para começar, penso que a tomada de poder subiu à cabeça e desvirtuou os propósitos idealistas. Na área pública um cargo gerencial proporciona ao seu ocupante maior suscetibilidade à vaidade do que um cargo semelhante no setor privado. Isso porque no setor público qualquer tomada de decisão, por mais simples que seja, altera a vida de milhares de pessoas.

Outra questão é a arbitrariedade conduzida pelo autoritarismo. Versões diferentes de um anacrônico exercício de poder foram se repetindo, evidenciando dificuldade em lidar com opiniões divergentes, o que pode ser comprovado com a expulsão do partido da senadora Heloísa Helena. Prova disso, também, foi o desfecho do episódio com o jornalista que publicou artigo sobre o suposto alcoolismo do presidente. O presidente apresentou reações de fazer inveja a qualquer ditador.

Uma outra problemática é a elaborada política econômica em detrimento da simplista política social. O "Programa Fome Zero" é uma medida paliativa que sozinha não tem como resolver o problema da fome no Brasil. É inegável que o programa seja uma medida necessária porque quem tem fome não tem condições de esperar por uma elaborada política social, mas se as pessoas não forem preparadas - por meio da educação formal - para garantir seu próprio sustento, o problema nunca será resolvido. E até agora não vi nenhuma iniciativa robusta nesta direção.

Também não será o "Programa Fome de Livro" que dará conta do déficit de leitura no Brasil. Não é apenas distribuindo livros e construindo bibliotecas que essa situação é modificada. As pessoas precisam ser orientadas e preparadas para ler e apreender até isso virar um hábito. A leitura é uma atividade que propicia reflexão sobre a própria realidade.

Sei que administrar um país não é tarefa fácil, mas quem passou tantos anos tentando a posição deveria ter previsto que a esperança do povo seria proporcional à demora da conquista. Talvez haja faltado preparação para lidar com situação tão complexa. Talvez tenha sido desenvolvida visão simplista de que seria fácil mudar alguma coisa. Talvez, talvez, talvez... Meu principal desencanto com o governo Lula é a assunção da posição esperada de um governo de direita. Com a direita todos estávamos acostumados e não esperávamos muito dela. O que já era bem triste. Mas antes ainda havia esperança porque existia outra possibilidade. Queríamos ver no Brasil um real governo de esquerda, porém o hibridismo formado pelo atual governo nos deixa despreparados para acreditar em outra realidade. Já que com a direita nunca é bom e com a esquerda também não está sendo, sobrou o quê?

O pior de tudo é o desalento geral: os intelectuais e as pessoas mais esclarecidas imergem num mar de descrença e prostração; as pessoas mais carentes ficam a espera de outro herói para lhes salvar.

Carmem Lúcia
Enviado por Carmem Lúcia em 16/06/2005
Reeditado em 17/06/2005
Código do texto: T24991