GOL: VÔO 1782

Eram 5 minutos do dia 18 de setembro e os passageiros do vôo 1782 da Gol, vindo de Brasília, preparavam-se para o desembarque. Logo, estariam no Aeroporto Eduardo Gomes, em Manaus.

10..., 15..., 20 minutos e a aeronave não embicava. A voz do comandante ecoou:

- Senhores passageiros, informo que o tempo está fechado e não nos dá condições de pouso. Fiquem tranqüilos: temos combustível suficiente e, a continuar a situação, optaremos por aterrissar em Ponta Pelada ou no aeroporto de Boa Vista.

Depois de muita apreensão, o Boeing 737-300 bateu no solo. Com a freada brusca e a rolagem naquela pista, a aeronave tremia e sacudia como se fosse despedaçar-se.

Parados na pista, por longos minutos, os ocupantes do avião esperavam por uma escada que estaria sendo trazida do Aeroporto Eduardo Gomes, a muitos quilômetros de distância (Ridículo, pois a pista de Ponta Pelada é normalmente usada como alternativa).

Enquanto os passageiros da Gol eram mantidos presos, um avião da TAM aterrissou e seus passageiros em trânsito foram encaminhados a hotéis ou ao Aeroporto Eduardo Gomes.

Ufa, cerca de uma hora depois, chegou a bendita escada. Aos passageiros que tinham Boa Vista como destino, recomendaram que desembarcassem e aguardassem instruções.

Mais tarde, nós - mais ou menos cem pessoas - fomos jogados dentro de dois ônibus. Crianças choravam, velhos reclamavam, peidos ecoavam e empestavam o ar carregado de dentro do veículo.

Deixados à própria sorte, vimos a nossa aeronave ser ocupada por dezenas de pessoas e partir com destino ignorado: Porto Velho? Brasília? Casa-do-chapéu? Quem sabe? Não nos disseram nada.

Fomos, então, levados à frente do que resta do Aeroporto de Ponta Pelada e, ali, ficamos sem informações, sem água, sem comida, sem banheiro, sem condições... Nem um só penico, comadre ou papagaio foi deixado para necessidades fisiológicas. Os homens, feito cachorros, mijavam nos postes ou nas rodas dos veículos, enquanto as mulheres faziam barreiras para que as companheiras, de cócoras, vertessem sua urina no asfalto.

O caos ali se instalava. Enquanto isso, três jovens funcionários da Gol tentavam contornar a situação com informações desencontradas e inseguras. Nós, os passageiros, estávamos revoltados.

Acionei a Polícia Militar. Chegando ao local, os patrulheiros disseram não poder fazer nada, pois ali era uma área militar. Contactada, a Polícia Federal deu a mesma justificativa. A nós, os incautos, restava a indignação.

Os funcionários da Gol limitavam-se a dizer que seguiríamos viagem em 18 minutos (Por que não 15 ou 20?). Como seguiríamos viagem, se não havia aeronave em solo...?

18 minutos, mais 18, outros 18... De dezoito em dezoito minutos, os relógios marcaram quatro horas da manhã. Passamos a exigir explicações e acomodações condignas. A Gol limitava-se a pedir que tivéssemos paciência.

Às 4:30, surgiu um engalanado comandante de aeronaves da Companhia solicitando compreensão. Ele observou que nós tínhamos direitos e que não entendia porque a Gol relutava em oferecê-los. Afirmou ainda que, de seu ponto de vista, as condições meteorológicas impediam o pouso de qualquer aeronave naquela pista. Mais: que ele, piloto experiente, não se aventuraria a decolar sob aquele nevoeiro; seria irresponsabilidade.

Na confusão, alguém lembrou existir um juiz entre os passageiros e que ele, talvez, pudesse ajudar com uma “carteirada”. Localizado, o cidadão, em terno deselegante e amarrotado, esquivou-se: “É que eu sou juiz de futebol”.

Aviões cruzavam as espessas nuvens em rasante, mas arremetiam e tomavam rumo ignorado por nós. Por volta das 6 horas da manhã, uma aeronave da Gol aterrissou (aterrissou ou bateu contra o solo?) em Ponta Pelada. Após o desembarque de seus ocupantes, fomos chamados para retomar nossos assentos.

Eu, lembrando as palavras daquele comandante, falei com a mocinha encarregada de organizar o caos e comuniquei-lhe não ter condições de viajar. Exigia, no entanto, vaga assegurada num próximo vôo. Fui atendido e tranqüilizado quanto ao meu crédito junto à Companhia. Tomei um táxi e me acomodei em hotel para merecido descanso.

Aquele avião decolou de Ponta Pelada às sete e meia e chegou em Boa Vista uma hora depois.

Mais tarde, dirigi-me ao balcão da TAM, comprei passagem e, às 12:20, embarquei para Boa Vista.

Por volta das 15 horas daquele mesmo dia, procurei o gerente da Gol no Aerorporto Internacional de Boa Vista. Fui informado que ele estava viajando, mas que eu poderia falar com um supervisor após as 21 horas.

Às 22:30, fui atendido por Glênio Pinheiro, que se dizia supervisor da Gol. Contei-lhe a história e pedi-lhe um documento que me garantisse passagem para o trecho que não utilizei: “Não podemos fazer nada, o seu caso é um caso de ‘no show’ e o senhor não tem direitos junto à esta empresa”.

O slogan da Gol é “Linhas Aéreas Inteligentes”. A Companhia é muito inteligente; burro é quem dela se utiliza e se submete aos vexames por ela impostos. Para a Gol, o passageiro não tem valor algum: dane-se.

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 03/10/2006
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