Além das aparências

Luiz Luna*

Não pretendo fazer nenhuma alusão a uma canção musical. No entanto, convido o leitor, por meio de três historinhas (a grafia é pertinente), a realizar uma reflexão acerca de um dos assuntos por demais comentados e que nos leva a cometer muitos enganos: a aparência. Então, três observações diferentes que devem ser interpretadas num mesmo contexto, vejam:

Ele caminha semanalmente na feira. Com vestes simples, mistura-se na multidão e quem não o conhece, sequer o percebe. Chegou, inclusive, a ser confundido com um mendigo. Certa feita, um colega indagou se conhecia aquele homem, sugerindo escrever sobre ele. No início da conversa, nada entendi, até que ele disse tratar-se de um grande fazendeiro, um dos fundadores do município e que apesar de ter vendido muitas terras, ainda era considerado rico, dono de muitas cabeças de gado e propriedades. Ele tinha razão, a história de vida daquele homem era por demais interessante. Cultivava a simplicidade e honradez, servindo como um exemplo de vida. Como é comum nessas situações, nunca recebeu qualquer tipo de reconhecimento por parte das autoridades, mas isso nunca serviu como fonte de desestímulo.

A esposa reclamava constantemente do marido. Ressaltava seus mil e um defeitos e sua insatisfação, porque ele não atendia seus pleitos. Mas o que doía mais no “pobre coitado” era vê-la elogiar o esposo da vizinha, pois, aquele sim, seria um excelente marido e um exemplo a ser seguido, pois mesmo a mulher não podendo ter filhos, ele a tratava com carinho incondicional, auxiliava nas tarefas domésticas e ainda satisfazia todas as suas vontades... O tempo passou. O ex-marido também ficou escandalizado quando sua pretérita mulher telefonou, pedindo desculpas e contando do maior escândalo que já havia visto. O casal exemplo havia dissolvido a união conjugal depois que a esposa descobriu que ele tinha outra, com tempo suficiente para os dois filhos desse concubinato adentrarem na adolescência.

Ela entrou na sala, fez os comentários e apresentações de praxe. Depois, começou a apresentar o assunto da aula e os alunos, além de perceberem seu nervosismo, ficaram desconfiados de suas habilidades enquanto docente. Alguns, mais ousados, até se deram ao trabalho de verificar se tratava-se mesmo da professora anunciada, pois já haviam sofrido um trote semelhante. No início, realmente, dava para desconfiar, pois ela fazia sublinhações desnecessárias, na lousa, para explicar o conteúdo e o barulho de seu salto incomodava, já que ela andava de um canto a outro. Controladas as emoções, a situação normalizou-se. Descobriram até que a professora, além de habilidosa, havia sido homenageada em diversas ocasiões, por suas realizações enquanto docente.

E aí? Deu para entender alguma coisa? Quem não vivenciou situação semelhante? Alguém já parou para perceber porque atribuímos tanto valor às aparências? Afinal de contas, elas são importantes ou não? Infelizmente, no mundo atual, mantermos as aparências é questão de sobrevivência, porém, como já se pregava desde o início da civilização, não basta apenas aparecer, tem que ser. Não esqueçamos da realidade, porém, que sempre lutemos para que ela se amolde de acordo com os princípios do bom senso e do bem-estar comum.

* Jornalista e especialista em gestão de pessoas.

L L Jr
Enviado por L L Jr em 16/10/2006
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