A MINHA VISÃO SOBRE SALAZAR

Ultimamente a figura de António de Oliveira Salazar tem vindo a se transformar numa fonte de inesgotáveis discussões que ocupam espaços na Internet, bem como se apresenta entre os temas preferidos nas reuniões informais entre os cidadãos portugueses. A razão principal dessa ocorrência prende-se ao facto da sugestão da criação de um Museu a ser localizado na casa onde nasceu e residiu o dirigente de Portugal, que governou o país e o destino dos portugueses por mais de 40 anos. Outro razão pela escolha do tema é a próxima estréia do programa televisivo “Os Grandes Portugueses” a ser levado ao ar pela RTP, no qual, na lista inicial não constavam, o nome de Salazar, nem o de Marcelo José das Neves Alves Caetano.

Eu, praticamente, posso afirmar que não vivi sobre o regime imposto por Salazar aos portugueses. Embora nascido no Porto e tendo vivido os meus primeiros sete anos em Portugal, deixei o país em 1953 acompanhando os meus pais na esperança emigrante que povoava o sonho da maioria dos portugueses. A razão da saída de meu pai em busca de melhores condições de vida no estrangeiro, prendia-se em parte à vontade de oferecer melhores condições de vida à família e a decepção que tinha pelas atitudes desastrosas para a sua vida profissional pelo política econômica de Salazar que, ao instituir o calçado nacional popular, inviabilizou o fabrico de calçado de nível superior, levando à falência a empresa que meu pai dirigia. De certa forma posso afirmar que a minha vinda para o Brasil, deveu-se a essa medida salazarista. Era razão mais do que suficiente para nutrir-lhe o maior desprezo e antipatia pelo sua governação. Entretanto o tempo e a vida me fizeram ter a oportunidade de ler e meditar muito a esse respeito e hoje, quando ultrapassei o período de formação universitária, a minha carreira profissional, o meu envolvimento no serviço público brasileiro ao qual servi orgulhosamente por 22 anos e a minha experiência como emigrante ao presidir o Conselho Mundial das Comunidades Portugueses e ao ser Deputado na Assembléia da República, me permitem ter uma visão ampla e isenta sobre a figura de um dos maiores portugueses que Portugal já possuiu e que a sua acção deve ser fruto de uma análise por todos os que pretendem conhecer algo sobre o Portugal de hoje em que vivemos e no qual acreditamos.

Salazar, após o seu período de estudante universitário durante o qual despontou como um aluno exemplar, foi convidado, logo ao concluir a sua formação, para lecionar na Universidade de Coimbra, tornando-se um defensor dos interesses dos estudantes e um mediador entre a direcção universitária e o Centro Acadêmico. Era querido e estimado pelos alunos que viam nele um líder na defesa de seus interesses. Estimulado pelos seus alunos concorreu ao cargo de Deputado sendo um dos mais jovens parlamentares que tiveram assento no Parlamento de Portugal. Lá foi um defensor da democracia e do direito, revoltando-se com o nível de despreparo e de corrupção que grassavam entre os seus pares a ponto de rasgar em plenário o seu diploma de Deputado. Quando da revolução militar comandada pelo marechal Gomes da Costa, fez aos seus dirigentes pesadas críticas e acusações, que ao invés de lhe trazerem problemas pessoais, acabaram por levar os militares e convidarem-no para integrar o Ministério. Portugal, vivia um período altamente conturbado pois de 1917 a 1926 tinham ocorrido no país 132 levantes armados, nunca se sabendo por quanto tempo um governo poderia exercer as suas funções tal era o quadro de desordem e de questionamento que imperava, não permitindo a adopção de qualquer política ou planeamento adequado. A dívida externa era enorme e crescia a nível galopante, deixando em dúvida a própria viabilidade do país como nação independente. Salazar, após dois anos como Ministro e como não tinha o apoio que entendia necessário por parte dos militares, acabou por renunciar e quando solicitado a explicar a sua renúncia, convidado a permanecer no posto condicionou a sua permanência no poder desde que como Primeiro Ministro com poderes extraordinários e sem a presença dos militares no governo, no que foi surpreendentemente atendido pelos mesmos, tornando-se a partir de então o dirigente máximo, com poderes ditatoriais, de todos os portugueses.

A verdade não pode nem deve ser omitida e Salazar, no decorrer dos anos, acabou por dar ao país a tão desejada estabilidade e a recuperação financeira de sua economia, fazendo com que o país pagasse a sua imensa dívida externa e transformando o escudo na moeda mais estável do mundo e com o maior lastro em ouro entre todas as demais. Não podemos de deixar de reconhecer a sua capacidade como financista e como organizador do processo de recuperação interna de uma economia que estava totalmente desorganizada e um país que se encontrava à beira do abismo. A dependência económica para com a Inglaterra era de atemorizar a qualquer um. Certamente muitas outras coisas podem e devem ser alvo de críticas negativas e não há dúvidas de que, durante o seu período governamental a economia não andou tão bem assim, as relações internacionais, devido à independência das posições que Salazar sempre adoptou não aceitando o jugo de nenhuma potência, acabaram por não permitir obter os apoios tão necessários ao desenvolvimento das políticas com o concerto das nações, etc., mas o que mais causou questionamento foi exactamente a acção ditatorial repressiva adoptada e que acabou por fazer inúmeras vítimas e o afastamento de muitos cérebros importantes ao desenvolvimento nacional. A falta de uma flexibilização do exercício discriminatório do poder, acabou por criar um clima de ódio por parte daqueles que se sentiam perseguidos, situação que a meu ver poderia ter sido minimizada com uma política de abertura e de diálogo com as oposições. Certamente que se eu, tivesse vivido aqueles momentos da vida nacional, acredito que teria me colocado contra o estado de coisas vigente à época por achá-lo negativo para o futuro do país, mas não posso deixar de reconhecer o valor ímpar da figura de Salazar como um grande português, um homem inteligente, um idealista, um homem determinado, um homem extremamente honesto e uma pessoa que dedicou toda a sua vida ao serviço da pátria e do povo português.

EDUARDO NEVES MOREIRA

Economista

Ex-Deputado da Assembléia da República

Ex-Presidente do Conselho Mundial das Comunidades Portuguesas

Eduardo Neves Moreira
Enviado por Eduardo Neves Moreira em 16/10/2006
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