Descolando da Ota

Descolando da Ota

Defendi num artigo anterior, intitulado “As Grandes Obras Públicas”, a construção do novo aeroporto de Lisboa como sendo um empreendimento de decisão urgente devido ao facto da actual infra-estrutura se encontrar desde há muito obsoleta e presentemente quase encravada no centro da cidade, com os perigos e inconvenientes daí advindos, e de estar a estrangular o planeamento concertado e o crescimento harmonioso da Lisboa do futuro.

Pouco tem vindo a público sobre o arranque dos trabalhos e menos se sabe ainda quando e em que moldes serão lançados os concursos nacionais e internacionais para as várias e diversificadas fases de uma obra com esta envergadura. Possivelmente as doutas cabeças da nossa administração já pensaram e acautelaram o que tem ocorrido a alguns cidadãos comuns, grupo no qual me incluo, e que passo a narrar:

A obra é fundamental e a localização foi escolhida. Ponto assente. A grandeza do investimento e a sua durabilidade no tempo são inquestionáveis. O número de postos de trabalho directos e indirectamente necessários e gerados para a feitura do empreendimento é elevado. É sabido que a conjugação destes e de outros factores pode ser um bálsamo para a redução do desemprego e a atenuação da crise económica, mas de forma alguma será a cura, e não resolve de fundo as deficiências crónicas da nossa economia. Salvo se… aproveitássemos esta grande obra pública, em conjunto com a do CAV (comboio de alta velocidade), e outras de menor impacto, mas também elas de importância vital, para modernizar e desenvolver o nosso tecido industrial.

Desconheço até que ponto os nossos compromissos comunitários e as leis de comércio internacional limitam o direito do nosso Estado a impor certas condições proteccionistas aos concursos que obviamente serão na sua quase totalidade ganhos pelos grandes consórcios internacionais. Creio no entanto que nada impede o governo português, e não deixaria de ser atractivo para todas as partes envolvidas, que uma certa percentagem das infra-estruturas, obras, equipamentos, tecnologias de ponta, serviços, etc. fossem obrigatória e exclusivamente desenvolvidos e produzidos no país, isto está bom de ver, sem retirar aos grupos ganhadores os seus direitos de contrato. Ou seja; os concursos públicos incluiriam de início a cláusula de que x % do contratado teria obrigatoriamente que provir do mercado interno podendo os consórcios produzirem e/ou abastecerem-se no tecido empresarial nacional no mínimo nessa percentagem.

Sendo esta ideia possível chegamos a um outro ponto igualmente, se não mesmo, o mais interessante; Se os nossos industriais e investidores, primando pela qualidade e pela competitividade, tiverem a garantia do escoamento dos seus produtos durante um determinado período de tempo, obviamente alargado, porque não estimulá-los a modernizarem-se e a apostarem na investigação e na competitividade? Talvez até, conjuntamente com outros estreantes, muitos dos nossos descrentes e desmotivados investidores olhassem com esperança para o país apostando em modernas PME’s, em tecnologias e empreendimentos, ousados mas seguros, ganhando fôlego para competir no mercado internacional, visto haver à partida a salvaguarda do escoamento interno de parte da sua produção. Isto depois de passada a mensagem, por quem de direito, de que para tocar uma melodia afinada é fundamental ter um bom instrumento.

Moisés Salgado