AS DUAS MATEMÁTICAS – a de Moisés e a do Cristo

Estabeleceu Moisés a lei do talião, sintetizada nas conhecidas palavras “Olho por olho, dente por dente”. Antes dele, vigorava a praxe da retribuição ilimitada do mal por mal; para vingar a morte de um membro da tribo, era exterminada, sumariamente, a tribo inteira do ofensor. Decretou Moisés que, para haver equilíbrio de justiça, fosse a punição proporcional à injuria: se alguém mata uma pessoa da minha tribo, eu mato uma pessoa da tribo dele – e estamos quites; se alguém me quebra um dente, eu lhe quebro um dente, mas não a dentadura toda; se me arranca um olho, eu lhe arranco um, mas não os dois – e estamos quites, porque ofensa compensa ofensa, uma dívida é neutralizada por outra dívida igual.

É esta a matemática da lei mosaica: dois negativos (males) em sentido oposto dão zero negativo.

É evidente que essa matemática é totalmente horizontal, de ego a ego, e por isto vê quitação no fato de o ofendido fazer ao ofensor o mesmo mal que dele recebeu. E, no plano horizontal, não está errada essa matemática; se fulano me deve 1 cruzeiro, e eu lhe devo 1 cruzeiro, ninguém deve nada, estamos quites. Ora, o plano mental e emocional, onde se movem as ofensas, obedece essencialmente ao mesmo critério do plano material; logo uma dívida compensa outra dívida.

Aparece, porém, um homem que não se move apenas no plano horizontal – o profeta de Nazaré – e estabelece outra matemática, muito diferente da de Moisés. Declara, peremptoriamente, que um mal não é compensado por outro mal; que um negativo (mal) praticado pelo ofensor e outro pelo ofendido, não se neutralizam mutuamente, mas se somam e dão dois negativos, e não zero, como na lei de Moisés.

Donde essa diferença?

O fato é que Moisés e o Cristo consideram o mal de dois pontos-de-vista diferentes: Moisés toma como ponto de referência o direito, que é do ego humano – o Cristo focaliza a justiça, que é de Deus.

O direito só conhece relação de homem a homem, na horizontal a horizontal – a justiça fala da relação do homem a Deus, de horizontal a vertical.

Se fulano me ofende, e eu o ofendo na mesma medida, estamos realmente quites, no plano horizontal, jurídico, onde se movem as relações de direito. Se fulano me ofende, é meu devedor; se eu o ofendo de modo igual, eu sou devedor dele – mas, neste caso, o meu débito é anulado pelo débito dele.

Neste sentido, Moisés tinha razão, e a lei do talião persiste até hoje no plano jurídico do direito, que é o plano de todas as sociedades organizadas; porque o direito é um produto do ego, e, por isto, não pode deixar de ser egoísta. Nenhuma sociedade, como já dissemos, tem por base a justiça, mas sim o direito. Só o indivíduo, nas suas relações com Deus, horizontal-vertical, é que pode guiar-se pela justiça.

O que Moisés estabeleceu é para uma humanidade infantil a soletrar o ABC na escola primária da evolução – mas o que o Cristo proclamou visa uma humanidade adulta no curso universitário do espírito. Para Jesus, a ofensa, o pecado, não atinge primariamente o homem, mas sim a Deus; o mal que o ofendido sofre é um mal externo, mas o mal que o ofensor pratica é um mal interno; antes que o ofendido receba o impacto do mal praticado pelo ofensor, já este se vulnerou a si mesmo pelo fato de ter praticado o mal. Mas, como a íntima essência do homem é Deus – “o espírito de Deus que habita no homem” – é evidente que todo mal deliberadamente praticado tem que ver com a justiça divina, e não apenas com os direitos humanos, reveste caráter horizontal-vertical, e não apenas horizontal-horizontal.

E é precisamente aqui que se encontra a razão última e mais profunda da diferença de atitude entre Moisés e o Cristo, no tocante ao mal. Pode haver neutralização entre homem e homem, entre o ofensor humano e o ofendido humano, quando este também se torna ofensor, porque ambos operam no plano finito e horizontal – mas não há neutralização, mas sim agravação e adição de males, quando consideramos o mal na perspectiva da horizontal humana para a vertical divina.

Por isto, o Nazareno não permite de forma alguma a lei do talião, porque seria multiplicar os males, em vez de os destruir.

E Mahatma Gandhi, sem dúvida, um dos mias iluminados discípulos do Cristo, quando resolveu adotar por norma de vida o espírito do Sermão da Montanha: “Não vos oponhais ao maligno!... amai os vossos inimigos! fazei bem aos que vos fazem mal!...”

Ultrapassou a matemática primitiva de Moisés – e compreendeu a matemática infinitesimal da Universidade do espírito do Cristo.

Mahatma – essa “grande alma”...

Coleção Huberto Rohden

MAHATMA GANDHI

Idéias e ideais de um político místico

3.ª EDIÇÃO

Pedro Prudêncio de Morais
Enviado por Pedro Prudêncio de Morais em 10/02/2011
Código do texto: T2783971
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