Construção coletiva?

Wilson Correia

“Trabalhas sem alegria para um mundo caduco” (Carlos Drummond de Andrade).

O que entendo por “construção coletiva” de decisões sobre os processos humanos parte de um princípio claro e transparente: o poder de decidir está nas mãos do coletivo. Esse poder não está, monocrática, asfixiante e arbitrariamente, nas mãos de um ou de uns que se imaginam “mais coletivo” que o corpo inteiro do grupo no qual o poder de decidir é reclamado. Decisões que afetam a todos sendo debatidas e votadas por todos. É básico. É elementar. É fundamental.

Ainda que exista o alentador entendimento de que “Nenhuma monocracia, ainda que disfarçada, é pra sempre”, isso não nos basta em nosso cotidiano. Decisões impostas repercutem no ânimo, no moral, na vida prática e produtiva das pessoas. Desvios nesse sentido não podem ser corrigidos com operações discursivo-políticas baratas. No caso de professores, podem ser solucionadas com atitudes que se baseiem no respeito à pessoa humana e em sua dignidade, tanto quanto no respeito à liberdade de cátedra e à autonomia funcional de cada docente que compõe o coletivo em questão.

Para alguns, talvez seja fácil falar em “construção coletiva”, e, no dia-a-dia, atropelar e tentar aniquilar o outro, colega professor, ofendendo-o publicamente e submetendo-o a constrangimento vil em privado.

"Construção coletiva" talvez não passe de mera retórica para quem se julga no direito de destruir os projetos alheios, atacando-os sem nem ao menos tomar conhecimento do que se trata, como se a tese do "aqui é o que quero e faço o que deve prevalecer" fosse cláusula pétrea, na tentativa de negar ao profissional da educação o sagrado direito de se organizar e se desenvolver.

De igual modo, "construção coletiva" pode não passar de fala enganosa de quem entende que a própria causa é superior a todas as outras, manipulando, em nome dessa causa monocrática, cargos e pessoas, à revelia do coletivo, jamais chamado a apreciar decisões nessa esfera, a qual alcança o quefazer diário de todos.

A expressão "construção coletiva" pode bem servir como máscara para quem, desmascarado no cotidiano pelos próprios atos, ampara-se na tecnicisse burocrática das normas e regras para impedir o mérito e acobertar o apadrinhado, praticando a injustiça (a qual também não será para sempre), mas ferindo profundamente o senso da equidade.

Enfim, "construção coletiva", para alguns, ou para algum, pode não ir além da tirania, da retórica, da prestidigitação, da máscara, do acintoso desrespeito à elementar e boa ética das relações interpessoais e profissional.

Para mim, quando um assunto de interesse coletivo é lançado à apreciação, votação e decisão por esse coletivo, então estamos dando o primeiro passo para uma construção coletiva mais saudável. O que pode resultar disso é uma prática que humaniza e educa. Isso eu aprendi em todas as instâncias do movimento estudantil de que participei e nos diversos cargos administrativos, colegiados e de direção, que já ocupei, sob os estudos que tive de realizar, a duras penas, para hoje poder atuar na docência.

O que me estranha não é o desejo de construção coletiva manifesto por colegas sobre certos processos humanos e profissionais, mas o uso dessa expressão por parte de quem não tem o menor interesse em viver e praticar as saudáveis regras da democracia.

Por isso, se são os princípios democráticos, elementares para a existência da tal construção coletiva, o que estiver sendo levado à prática, podem contar sempre comigo. Do contrário, não posso agir como boneco que apenas legitima decisões alheias. Como posso me comprometer com aquilo sobre o qual não recaiu a minha decisão?

Por fim, isso tudo se justifica pelo seguinte: minha alegria é a de trabalhar sempre em prol de um mundo renovado e pulsante, e não em favor de um mundo caduco. Que os caducos desse mundo cuidem de si próprios.