A HISTÓRIA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTA, SOBRE A CRIANÇA E A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL.

O presente trabalho, tem como função primordial traçar um panorama de como foi caracterizada a infância no Brasil, desde o período da colonização portuguesa até a atualidade.

Observa-se a forma como se procedia a educação, seu desenvolvimento e conseqüências.

Apresenta aspectos significativos para a compreensão da forma como atualmente a educação infantil é tratada.

Esta história inicia-se aproximadamente no ano de 1530, quando as terras da recém “descoberta” “Terra de Santa Cruz” começaram a ser povoadas. Nos navios portugueses lotados de homens, com pouquíssimas mulheres, vinham também crianças, na condição de passageiros, grumetes (encarregados dos serviços gerais do navio), págens (fazia um trabalho mais leve, servir a mesa dos oficiais, arrumar camas, catres) ou órfãs do Rei (meninas pobres dos orfanatos, para se casar com os colonizadores portugueses).

Nestas viagens as crianças eram as que mais sofriam, eram abusadas sexualmente, tinham dias inteiros de trabalhos pesados e perigosos, quando os navios sofriam ataques de piratas, eram com freqüência assassinadas ou escravizadas, sendo prostituídas e exauridas até desfalecerem, quando ocorria algum naufrágio, as crianças eram sempre esquecidas e as vezes lançadas ao mar para não ocuparem espaço nos barcos salva –vidas.

A vida das crianças não era valorizada pelo povo europeu da Idade Média, e esta cultura se propagou pelos séculos seguintes, conforme Ramos (2000):

“a expectativa de vida das crianças portuguesas, entre os séculos XIV e XVIII, rondava os 14 anos, enquanto cerca da metade dos nascidos vivos morriam antes de completar sete anos. Isto fazia com que principalmente entre os estamentos mais baixos, as crianças fossem consideradas com o pouco mais que animais, cuja força de trabalho deveria ser aproveitada ao máximo enquanto durassem suas curtas vidas.”

Nota-se que pelo fato das crianças terem uma sobrevida difícil e curta, não havia apego afetivo às mesmas, que deveriam trabalhar ao máximo antes de morrer.”

As crianças embarcadas nestes navios portugueses eram em geral, órfãos desabrigados, filhos de famílias de pedintes, que recebiam um soldo irrisório em troca do serviço do filho, crianças raptadas principalmente judias (forma que os portugueses usavam para controlar a população judia).

A fome e a doença nas viagens eram constantes, às crianças comiam carne em estado de decomposição, biscoitos embolorados, água podre, ratos e baratas; devidos as diarréias e infecções havia desidratação, como a alimentação era pobre em nutrientes, morria-se muito de inanição e escorbuto. Cadáveres eram estendidos no pátio das embarcações para atrair pássaros que serviam como alimento.

Era inexistente o sentimento de infância, e as crianças tornavam-se adultos da noite para o dia, sofrendo cruelmente até o descanso eterno, sem ser considerada pelos adultos.

Com o passar dos séculos, começa a surgir timidamente o sentimento de infância, fruto da observação e da consciência que as crianças são dotadas de particularidades que as distinguia dos adultos, como retrata Ariès apud Almeida (1994),“a idéia de infância estava ligada à idéia de dependência: (...) só se saia da infância ao sair da dependência ou ao menos, dos graus mais baixos de dependência.”

Este sentimento de infância foi se desenvolvendo durante o passar dos séculos e pode ser percebido na arte, quando começaram a surgir pinturas (notadamente de cunho religioso) trazendo a figura da criança, que outrora nem na arte aparecia, posteriormente surgem também, pinturas laicas, com a representação infantil, em cenas normais do cotidiano.

“O século XVII foi fundamental para o surgimento do sentimento de infância, fazendo com que a criança passasse a assumir um papel na sociedade adquirindo definitivamente uma personalidade, de forma a levar as famílias a se preocuparem em acabar com o alto índice de mortalidade infantil existente na época”.

Foi preciso muita observação para se chegar à conscientização do valor da infância, a partir da percepção de que as crianças são inocentes, que não são adultos em miniatura.

Foi pelo esforço dos moralistas e educadores do século XVII que surgiu a idéia da “duração” da infância, as crianças começaram a freqüentas as instituições escolares, a primeira infância terminava ente os cinco ou seis anos, com sete ou dez anos, entravam para a escola.

A infância passou a ser entendida como o momento de iniciar a transmissão dos preceitos, modelos e tradições culturais para a criança, protegendo-as das más influências do meio.

Inicia-se a preocupação com a educação das crianças, de início, esta responsabilidade era dos pais, com o crescente desenvolvimento urbano e o trabalho ocupando todo o tempo da família, inclusive, incluindo a mulher no “mercado de trabalho”, a educação infantil passou a ter um caráter assistencialista, um lugar para os filhos ficarem enquanto os pais trabalham, surgem as primeiras creches, idéia do pastor luterano Jean Oberlin, como observa Leal (1990) apud Almeida (1994):

“Historicamente, a primeira creche conhecida foi fundada na França, na aldeia de Ban de la Roche, na região dos Voges, em 1770, e sua motivação resultou da necessidade de se dar assistência aos latentes de famílias que trabalhavam no campo durante longa jornada de trabalho.”

Na Inglaterra Robert Owen, um industrial, criou as primeiras “escolas infantis” ou “asilo de crianças”. Na Europa, o trabalho de Froebel (1782-1852), cria na Alemanha em 1837 o “Jardim de Infância” ou “Kindengarten”. Na Itália, a médica italiana Montessori (1870-1952) inaugurava em 1902 a “casa das crianças” para a educação de crianças menores de seis anos. Nos Estados Unidos da América, em 1858 se cria o primeiro “Jardim de Infância” que só iria vigorar a partir de 1920, sobe a nomenclatura de “Escolas Maternais”.

A Educação infantil norte americana até meados de 1950, caracterizam-se pelo assistencialismo da escola maternal, daí em diante, começa a surgir a pré – escola, para desenvolver a criança americana, evitando os fracassos ao entrarem para a educação regular.

Voltando um pouco na História, e transferindo o foco da presente explanação para o Brasil (“Terra de Santa Cruz”), vemos a chegada dos jesuítas ao país, nos idos do século XVI, com a missão de “civilizar e evangelizar a colônia”, como ressalta Priore:

“Aos olhos dos jesuítas recém – chegados às Índias então descobertas, não só o cenário carecia de ordem que exprimisse a marca civilizatória da metrópole na colônia, mediante a instalação de vilas, ereção de capelas e a semeadura dos campos, mas as almas indígenas deviam ser ordenadas e adestradas para receber a semeadura da palavra de Deus. Transformação da paisagem natural e também transformação dos nativos em cristãos: esta era a missão.”

Os jesuítas tinham a idéia da infância, representada pela “criança mística” e a “criança que imitava Jesus”, em tais modelos, a fé os ajudava a suportar a dor, os sofrimentos e as agonias físicas.

A missão jesuítica intensificou o processo de catequese dos índios, impondo-lhes o os preceitos da fé e da moral católica da época, os índios eram como papel em branco para ser escrito, não importando a realidade própria em que eles viviam, suas crenças e por tanto sua cultura, os jesuítas transmitiam para os nativos a idéia de que seus costumes eram maus e seus deuses eram demônios, assim sendo tudo isto deveria ser mudado.

A Educação ministrada pela Companhia de Jesus era alicerçada na Ratio Studiorum, o documento que regulamentava toda a prática pedagógica jesuítica, impondo aos indígenas a educação humanista, sem respeitar de forma alguma a cultura autóctone. Porém quando as crianças “educadas” e “civilizadas” pelos jesuítas cresciam, acabavam em sua maioria retornando às suas raízes e abandonando as instruções jesuíticas, a tentativa de aculturação não se dava na plenitude como era idealizada pelos jesuítas, como cita Priore:

“Chegando aos anos da puberdade, começaram a apoderar-se de si, vieram a tanta corrupção que tanto excedem agora a seus pais em maldade, quantos antes em bondade, e com tanto maior sem vergonha e desenfreamento se dão as borracheiras e lascívias, quanto com maior modéstia e obediência se entregavam dantes aos costumes cristãos e divinas instruções”.

Alguns anos mais tarde na “sociedade brasileira aculturada” e com os reflexos sociais da sedimentação no trabalho escravo, tarda a se desenvolver o sentimento de infância.

No Brasil, as crianças eram tratadas como animais domésticos, após completarem aproximadamente cinco anos de idade, eram inseridas no contexto do trabalho escravo, quando milagrosamente sobreviviam, pois as mães trabalhavam excessivamente durante a gravidez em más condições de alimentação e higiene.

As crianças negras, filhos dos escravos, só eram “menos mal tratadas” quando o dono dos escravos, tinha poucos escravos e situação econômica mais precária, vivendo do trabalho dos seus escravos, vendo por tanto lucro no nascimento de mais um escravo “uma benção de Deus”.

É constatado que no tocante a educação uma parcela da “sociedade” era excluída, não possuía qualquer valor.

As crianças brancas, filhas do dono da fazenda tinham uma ama negra para lhes cuidar assim que nasciam, fazendo até o aleitamento. A falta de ternura por parte da mãe biológica, vinha do fato de serem muito jovens para serem mães no sentido pleno da missão.

A criança branca recebia um “amiguinho” negro de mesma idade ou pouco mais jovem, para lhe servir de brinquedo (“saco de pancadas”), se submetendo a todos os gostos de seu pequenino dono.

A mortalidade infantil era alta tanto para crianças brancas como para as negras, devido principalmente a falta de higiene ao nascer e a alimentação inadequada. A vida infantil era muito pouco valorizada pois, se morresse um, outro viria.

As crianças brancas só passavam a ter um tratamento diferenciado quando chegavam à idade escolar, em torno dos nove anos. Com a saída dos Jesuítas, a educação ficou ao encargo dos padres – mestres, preceptores estrangeiros e capelões de engenho.

O primeiro Jardim de Infância Brasileiro, foi inaugurado em 18 de maio de 1896, junto à Escola Normal “Caetano Campos” em São Paulo, sendo destinado às camadas mais abastadas da população.

Analisando o período da república, de 1889 a 1930, observa-se que com a expansão da lavoura cafeeira, a crescente industrialização e o desenvolvimento das cidades, substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, vive-se um período de efervescência social, cheio de crises e problemas, a educação é visada como a solução para o Brasil, mas nem com as reformas ocorridas no período, a educação pré – escolar foi enfocada.

Em 1930, cria-se o Ministério da Educação e Saúde, em 1931 ocorre o movimento de reforma para as universidades e o ensino secundário ( reforma Francisco Campos). Em 1932 a sociedade civil, educadores e intelectuais buscam uma reforma global e democrática e lançam o Manifesto dos Pioneiros, com os ideais da escola publica, gratuita, obrigatória, leiga, homogênea, enfatizando também a educação e a assistência física e psiquiátrica para as crianças em idade pré – escolar, (de 0 a 6 anos) e uma organização escolar unificada da pré – escola à universidade.

Em 1935, cria-se em São Paulo o serviço municipal de Jogos e Recreio, com parques infantis para abrigar as crianças.

Com o crescente aumento da participação da mulher no mercado de trabalho industrial, a primeira Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional nº 4024/61, regulamenta a educação pré – primária para as crianças menores de 7anos, porém sem uma obrigatoriedade do poder público ou privado.

É sobre toda esta base sócio - cultural e histórica, que a “moderna” educação infantil brasileira está alicerçada.

Espera-se que através da reflexão possa verdadeiramente ser implantada uma educação libertária e democrática, com valor formativo e crítico, capaz de dotar os brasileiros de cidadania não só no papel, mas na realidade.

É esta a possibilidade que existe para a transformação verdadeira e duradoura de nossa sociedade.

Através da observação de todo este processo histórico – social, pôde-se ter uma compreensão de como a Educação Infantil evoluiu na sociedade Européia colonizadora de nosso país, influenciando na formação e estruturação da sociedade brasileira.

Só através de um estudo aprofundado, onde se perscruta as origens, torna-se capaz uma compreensão global de uma temática tão vasta e fascinante como o desenvolvimento do ser infantil na perspectiva do processo sócio-histórico e o desenvolvimento da educação voltada para as crianças.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Ordália Alves. Contextualização histórica do surgimento de uma política para a infância. São Paulo: UFScar, 1994

CAMBI, Franco. História da Pedagogia, São Paulo: UNESP,1999.

PRIORE, Mary Del. O papel em branco,a infância e os jesuítas na colônia.

RAMOS, Fábio Pestana. História trágico – marítima das crianças nas embarcações portuguesas do século XVI. In: PRIORE, Mary Del. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.

Escrito por L.M.J em Fev/2002.

Leandro Martins de Jesus
Enviado por Leandro Martins de Jesus em 13/11/2006
Reeditado em 13/11/2006
Código do texto: T289999
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