SOMOS EVOLUÍDOS OU AINDA VIVEMOS DENTRO DA CAVERNA?

ANÁLISE SOBRE A EVOLUÇÃO DO HOMEM COMO SER PENSANTE NA FILOSOFIA ANTIGA E SEU RETROCESSO NO MUNDO ATUAL

Ellen Dayane Koteski

Introdução

Possuímos mais de dois mil anos de história que conhecemos e os homens buscam o conhecimento há muito mais tempo do que isso. Desde que nascemos e começamos a pensar nos questionamos sobre os mais diversos assuntos, Procuramos respostas, algumas encontramos, outras não. Mas o que leva o homem a buscar incessantemente respostas para o mundo onde vive? E será que realmente todos buscam essas respostas? Ou será que ainda existem pessoas que se contentam com o que os outros dizem ser verdade?

Que a humanidade “evoluiu” em diversos aspectos isto é óbvio, entretanto mesmo estando no século XXI ainda não possuímos todo o entendimento que temos capacidade de possuir, mas por que isto acontece? Se fossemos analisar um por um, levaríamos uma vida inteira para descobrir as mais diversas causas para tal comportamento e isto seria uma tarefa inútil, pois passaríamos mais tempo procurando as causas do que tentando descobrir uma cura para a comodidade da humanidade, onde até mesmos nós muitas vezes nos englobamos.

Portanto, esse artigo não foi desenvolvido para apontar todas as causas possíveis para o problema maior da humanidade, mas a fim de que ao perceber-se o que acontece realmente, e as pessoas que estão presas a isto, acabem por libertar-se de sua caverna e consigam realmente enxergar a verdade e não apenas o que disseram a ela que é verdade, fazendo que estas saiam da caverna onde se esconderam por ser mais cômodo e entendam o que realmente se tem como sendo a realidade.

A Grécia Antiga e a busca pela sabedoria: O nascimento da filosofia

O que entendemos como o nascimento da filosofia aconteceu aproximadamente no final do século VII a.C e começo do século VI a.C; nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto, tendo como seu primeiro representante o filósofo Tales.

Na época do surgimento da filosofia a Grécia passava por um momento de aquisição de prisioneiros de guerra, onde estes foram feitos escravos do povo grego. Com a aquisição destes escravos, os gregos começaram a estar livres para ocupar-se de outras coisas, pois quando não havia os escravos, os gregos precisavam se ocupar de outros afazeres, tais como o trabalho, o negócio, entre outros. Livre desses afazeres, o homem grego começa a pensar sobre muitas outras coisas, tais como a de se perguntar a origem das coisas e o porquê delas acontecerem.

Com esse tipo de pensamento, eis que a filosofia surge, onde seus primeiros representantes começam a querer encontrar uma resposta racional para as coisas, começando a deixar o mito de lado.

O mito, fonte de conhecimento das pessoas na época, era entendido como a verdade absoluta das coisas, sempre repassado por alguém em que os deuses escolheram para tal função, ou por aquele que “presenciou” o acontecimento.

Entretanto, ao falarmos que a filosofia tentou buscar uma forma racional de explicar as coisas e negou o mito temos um problema, pois existem duas teorias sobre este assunto: a de um conflito com o mito e a de uma harmonia com ele e, que não sabemos qual realmente é válida.

Na teoria da harmonia com o mito, nos é explicado que a filosofia nasceu de uma evolução das idéias gregas já existentes, ou seja, uma transformação gradual dos mitos, como se fosse uma evolução de tais. Já na teoria do conflito, como o próprio nome já diz, surge de um conflito entre os mitos e a filosofia, onde este é totalmente negado, devido a ser algo que não pode ser provado racionalmente.

Mas o nascimento da filosofia não possui apenas este problema, existe também o problema dos fatores em que a filosofia se originou, ou seja, de um lado uma teoria orientalista para esse surgimento e, do outro lado possuímos a defesa de uma teoria de um milagre grego para o mesmo problema.

A teoria orientalista nos diz que a filosofia na Grécia não surgiu do nada, mas foi como uma “continuação” das idéias dos povos orientais, da cultura vinda do Oriente, e que tudo que a filosofia possuía como fundamento, advinha completamente das idéias orientais.

Contrariamente a outra teoria, a teoria do milagre grego nos diz que a filosofia surgiu unicamente pelo povo grego sem qualquer relação com outros povos, fazendo entender que os gregos foram um povo excepcional, sem nenhum povo semelhante a eles.

Porém, a partir do final do século XIX e durante o século XX, essas duas teorias foram corrigidas por diversos estudiosos, corrigindo os exageros que ambas possuíam. Retirados os exageros, percebemos que o Oriente contribuiu fundamentalmente com esse surgimento, tanto com as viagens que colocaram os gregos em contato como os orientais, tanto por alguns dos maiores formadores da cultura grega se basearem em vários “saberes” orientais para a formulação da mitologia grega, transformada racionalmente pelos filósofos. Tambem não podemos negar completamente a teoria do milagre grego, pois tal como a teoria orientalista, retirando os exageros percebemos a sua contribuição para o surgimento, pois os gregos foram os responsáveis por criarem mudanças tão grandes e de qualidades tão profundas no que receberam do Oriente e das outras culturas que pareceram criar a sua cultura a partir de si mesmos, tais como em relação aos mitos, aos conhecimentos, ao pensamento e ao que diz respeito a organização política e social.

Nessa filosofia originada na Grécia podemos apontar algumas características principais desse pensamento filosófico, tais como: a tendência a racionalidade, ou seja, somente a razão pode explicar as coisas; a tendência a oferecer respostas conclusivas para os problemas, isto é, colocado um problema somente será aceita uma resposta se esta for provada racionalmente com verdadeira; que o pensamento apresente suas regras de funcionamento, que não apresente contradições; para cada problema seja exigida uma investigação e solução própria para ele; e que uma resposta (explicação) possua validade para várias coisas.

Percebemos desta forma, a importância do nascimento da filosofia como o despertar do “pensamento humano”, o despertar de um povo em relação à coisas que os mesmos acreditavam e uma busca racional para estas coisas, desapegando-se do que não servia mais.

O ciclo da história da filosofia antiga

O nascimento da filosofia também marca como podemos dizer, o nascimento do “pensamento humano”, que é de suma importância. É a partir desse momento da história grega que começamos a pensar racionalmente sobre a origem e o porquê de todas as coisas, deixando para trás toda a explicação sobrenatural e fantasiosa sobre tudo. Porém, ao falarmos que esse pensamento foi deixado para trás, não podemos generalizá-lo, pois não foram todas as pessoas que dele se desprenderam.

Os primeiros filósofos, os pré-socráticos, também são chamados de filósofos da natureza, pois tentaram encontrar na natureza a explicação racional das coisas. O primeiro filósofo que conhecemos desse primeiro período da filosofia foi Tales de Mileto, que sendo o filósofo da natureza, tentou provar a origem, a explicação e a transformação das coisas através de um elemento natural, que para a ele seria o começo de tudo: a água. Após ele, muitos outros filósofos foram surgindo, sempre buscando uma explicação racional pela natureza para todas as coisas. Vale ressaltar que estes pensadores originários da filosofia não tinham interesse algum sobre as coisas do homem, mas somente as explicações da natureza pela natureza.

O segundo período da filosofia antiga se dá no período que compreende os séculos V a.C e IV a.C.. Nesta época, ou seja, no apogeu da Grécia, onde o império ateniense floresce, chamado de “século de Péricles”. Neste período, a reflexão filosófica começa a mudar, não sendo mais um estudo das natureza, mas devido a própria “evolução” do século, começa a ser uma reflexão acerca da formação do homem, voltando-se para os temas da política, da é tica e da teoria do conhecimento. É a partir daí que a pólis e os humanos tornam-se os objetos filosóficos por excelência. Foi nesse período que se deu origem ao pensamento dos três maiores filósofos da Filosofia Antiga: Sócrates, Platão e Aristóteles.

É neste momento da história da filosofia que conhecemos também os sofistas, os quais conhecemos muito pouco e geralmente de forma negativa para a filosofia. Os sofistas eram professores que ensinavam filosofia aos jovens de algumas famílias e que eram pagos para isso, ao contrário dos outros filósofos da época e anteriormente que não cobravam nada. Platão nos coloca o sofista em seu texto “O Sofista” como sendo aquele enganador das pessoas, aquele que se aproveita das necessidades dos homens para se instaurar em seu meio, dando-lhes uma verdade absoluta, mas que longe de absoluta, é sim a verdade que o sofista quer que os outros acreditem ser, e que não passam de mentirosos.

Além dos sofistas, existiram três filósofos nessa época sendo eles respectivamente Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates não deixou nada escrito, e só sabemos dele por Platão, seu discípulo, e há pessoas que achem que ele não existiu, mas que foi uma invenção de Platão. Se ele existiu ou não, deixou importantes contribuições para o pensamento filosófico, tal como a idéia de o belo entre as maiores virtudes, junto ao bom e ao justo, é dele tambem a maiêutica, onde através das perguntas formuladas por ele, fazia com que as pessoas compreendessem que nada sabiam sobre qualquer assunto, e depois dessa compreensão poderiam “dar a luz” a novas idéias, podendo, então, conhecer as coisas. Outra coisa que pregava é que, diferente dos sofistas que diziam que a virtude poderia ser ensinada, para Sócrates ela não pode. Sócrates morreu envenenado após ser acusado de ateísmo e corromper os jovens, mas mesmo assim defendendo o seu pensamento e com dignidade.

Entretanto é muito fácil de confundir o pensamento de Sócrates com o de Platão e, erroneamente, muitas das idéias platônicas passam diversas vezes como sendo de Sócrates, tais como a idéia da reminiscência, ou seja, onde o ser humano não adquire o conhecimento no mundo em que vivemos (mundo sensível para Platão), mas apenas relembra as coisas que estava já no mundo das idéias. O pensamento mais conhecido de Platão foi sua teoria sobre os dois mundos: o sensível, ou seja, o que vivemos e onde possuímos contato com a forma das coisas de um modo imperfeito, pois é apenas uma cópia imperfeita do mundo das idéias, mundo este que se encontraria a perfeição das coisas. O livro mais famoso de Platão foi o “A Republica”, onde Platão nos dá a idéia de uma cidade perfeita, nesse livro também está contida a famosa Alegoria da Caverna, mito que retrata a saída do homem de seus pensamentos antigos para a luz do saber.

Posteriormente, mas não menos importante, aparece um filósofo chamado Aristóteles, que introduz, no meio da filosofia, conceitos importantíssimos também, tais como a lógica dedutiva e indutiva, ou seja, de um enunciado particular retiramos uma conclusão universal e vice-versa; a doutrina as quatro causas: material, eficiente, formal e final; o conceito de ato e potência, isto é, algo que já é algo transformado, mas que possui potencia para se transformar em outra coisa; etc. Aristóteles também defende, ao contrário de Sócrates e Platão, que não podemos conhecer coisa alguma sem as sensações, e que é impossível conhecer qualquer coisa sem elas, sendo que, quanto mais conhecemos, mais aprimoramos os nossos sentidos. Outros assuntos tratados por ele são: a política, a ética, a poética, entre outros. Em Aristóteles termina o chamado “século de Péricles” e começa o período conhecido como helenístico.

O período helenístico corresponde ao final do século III a.C até o século VI d. C.. Neste período as preocupações filosóficas fundamentais voltam-se para as questões morais, para a definição dos ideais de felicidade e virtude e para o saber prático. É neste momento que surgem os epicuristas e os estóicos.

Os epicuristas pregavam que um ponto de vista positivista, ou seja, uma concepção de que a vida é bela e que devemos para ter uma vida boa obter o prazer e repassá-lo para os outros (amizade). Para os epicuristas não há conhecimento que se dê seM a experiência. Há tambem na filosofia epicurista a idéia do Tetrapharmacon (os quatro remédios) que seriam os meios para termos uma vida feliz.

Após os epicuristas, surgem os estóicos, que ao contrario dos epicuristas, não acreditam que a vida é bela, mas que tudo que existe em nossa vida é um conflito entre dor e prazer. Para eles, devemos estar sempre preparados para o pior para que não nos decepcionemos com as coisas que dão errado e que devemos ter um autocontrole, ou seja, sabermos lidar com o que possuímos e não querer mais, sabendo controlar as nossas vontades, desligando-nos das coisas mundanas e que não dizem respeito a nós mesmos, tendo e se importando apenas com o necessário. Para os estóicos, a única atividade possível é a passividade que se dá através da Apathea, isto é, devemos nos desligar de nossos sentimentos, negando-os, da realidade de uma forma consciente e criar uma barreira sobre as coisas, possuindo um autocontrole sobre suas ações.

Como pode-se perceber nessa breve análise do ciclo da filosofia antiga, o pensamento filosófico foi evoluindo, não ao ponto de o pensamento de um filósofo seja melhor do que do outro, mas percebemos o quanto as questões acerca da natureza e do ser foram crescendo e a quantidade de respostas que existiram para tudo.

Nos dias atuais não percebemos o quão importante foi isso, mas se pararmos para analisar perceberemos que não é apenas na filosofia antiga que estas questões são importantes, mas em toda a história da filosofia, pois é do pensamento destes filósofos que os filósofos das outras épocas se basearam para construir as suas idéias, tal como podemos ver em Santo Agostinho, que teve como base Platão para o seu pensamento.

Entretanto o que aconteceu para que o homem tão evoluído em seu pensamento não só neste tempo, mas em muitos outros, acabe por retroceder e aceitar verdades já impostas por outros ao invés de questionar-se realmente sobre os seus princípios?

Platão e a “Alegoria da caverna”

Para entendermos um pouco sobre o que acontece atualmente com o homem, tomemos por base o filósofo clássico Platão e seu famoso diálogo “Alegoria da caverna”. Nesse diálogo Platão faz uso de uma metáfora, assim com quase em todos os seus diálogos, para nos explicar algo filosófico e que faz com que acabemos por construir um novo conhecimento.

A “Alegoria da Caverna” faz parte da obra “A República” escrita por Platão, onde o mesmo escreve sobre uma cidade ideal. Retratada no livro VII da obra, Platão relata um diálogo entre Sócrates e Glauco, onde ambos discutem sobre o conhecimento e como o homem consegue chegar a ele.

“Sócrates – Agora imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.(...) Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio. (...) Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?(...) E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?”(PLATÃO, 2005, p. 261,262)

Em primeiro momento Platão nos descreve Sócrates tentando demonstrar para Glauco como as pessoas acabam por acreditar que o que é universal a todos é a verdade, independente da realidade que existe, mas que estas pessoas são os que ele descreve como sendo os acorrentados que, por algum motivo são forçados a apenas olharem para algo, assim acreditando esta ser a verdade.

Ao continuar a narração da alegoria, Sócrates descreve a libertação de um prisioneiro desta caverna e quão difícil será em primeiro momento o mesmo conseguir enxergar a realidade, pois seus olhos estavam acostumados a escuridão da caverna, tal como nós sentimos dificuldades em enxergar algo após acordarmos, pois inda não estamos acostumados a luz.

Nesta narração Sócrates pergunta a Glauco se em primeiro momento o prisioneiro por não enxergar perfeitamente o que há fora da caverna, pois seus olhos ainda estão desabilitados de enxergar o que há lá, não acreditará que o que existe dentro da caverna não lhe é mais verdadeiro do que há fora, e Glauco o responderá que certamente lhe parecerá.

Sócrates continua seu relato falando que aquele que foi liberto se foi obrigado a sair acabará por primeiramente queixar-se daquele que o assim fez, devido a sofrer tanto com a luz que isto o traga mais dor do que prazer. Entretanto, Sócrates continua dizendo que o liberto aos poucos começara a distinguir os objetos, primeiramente distinguindo as sombras, a qual já estava acostumado, distinguindo sombra após sombra, imagem após imagem refletida nas águas diferenciando homens e objetos até então distinguir os próprios objetos. Primeiramente conseguirá contemplar melhor a imagem da lua e dos astros durante a noite e aos poucos começara a contemplar o céu durante o dia, até que por ultimo consiga contemplar o sol e não as imagens e objetos.

“Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna. (...) Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram? (...) Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?(...) E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?” (PLATÃO, 2005, p. 263,264)

Para Platão, o que Sócrates diz na alegoria é claro: aquele que saiu da caverna e consegue ver a realidade como ela é e não consegue guardá-la para si, mas se compadece daqueles que ainda estão nas sombras e por isso almeja com que estes também a conheçam, voltando para o seu lugar de origem. Porém, o que acontece é que aquele que já contemplou a realidade ao voltar a caverna acaba por mais uma vez cegar-se e não conseguir explicar aos outros o que viu, pois os outros nunca nem ao menos imaginaram o que ele lhes conta e por isso zombam dele, achando-o louco e que é negativo ir para fora da caverna, pois ficaram como ele. Temendo ficar “louco” como ele, preferem o “matar”, para que não seja perigoso a mais ninguém.

O que Platão tenta nos mostrar realmente com este diálogo não é a verdade em si mesma, mas como ela se dá, ou seja, uma idéia de Paidéia, onde o homem consegue alcançar o conhecimento ao momento que deixa de lado o senso comum e ruma ao encontro da sabedoria. A alegoria da caverna é um modo de transformação e formação que o homem deve seguir, ao libertar-se do que acreditava e passar a conhecer a verdade, tendo como guia a filosofia.

“Para Martin Heidegger, a “alegoria da caverna” dá concretude à essência da “formação”. No entanto, a alegoria não visualiza apenas a essência da formação e a transformação do homem, mas abre igualmente a visão para uma mudança na essência da verdade. Decisivo para Heidegger é que “formação” e “verdade” estão implicadas de modo essencial. Ou seja, não há uma verdadeira formação – no sentido de Platão – sem uma mudança na essência da verdade.”(2010, Humanismo, verdade e formação na ontologia fundamental de Martin Heidegger, p. 13)

No dizer de Heidegger: “É somente a essência da verdade e o modo de sua mutação que possibilita a formação” (p. 230). Somente a filosofia como sendo o modo de contemplar a verdade é a responsável por fazer com que o homem se liberte do mundo das aparências que vive, e isto somente é feito quando o mesmo consegue perceber a mentira em que vivia e acreditava que era verdade, mas como fazer com que o homem de hoje consiga ser regado por essa filosofia e assim contemplar a verdade e não apenas as aparência? Tentemos analisar então o caminho por qual o homem seguiu.

O homem atual e seu retrocesso no pensar por si mesmo

No mundo em que vivemos acabou virando um ato comum as pessoas seguirem o que as outras pessoas dizem ser certo e verdadeiro e em não se incomodarem em buscar por elas mesmas a verdade das coisas. Entretanto por que isto acontece? Será que todas as respostas já foram encontradas para que possamos confiar no que se diz? Mas se todas as verdades já foram encontradas, por que ainda existem pessoas que procuram respostas?

Atualmente, somos são atarefados pelos afazeres do nosso dia-a-dia que acabamos por perder o que os gregos nos deixaram de “herança”: a reflexão sobre as coisas. Até mesmo quando temos tempo livre para refletir preferimos utilizar o nosso tempo com outras coisas, deixando de lado essa questão, como se ela não fosse importante.

Somos todos os dias bombardeados por conceitos já formados pelo meio onde vivemos, nossa família, amigos, pessoas “mais instruídas” como se julgam ou nós as julgamos assim, por autoridades religiosas, culturais, entre outros, que acabamos nos acomodando com essas verdades como se elas fossem construídas por nós mesmo.

Mas como acabamos por perder os nossos valores a aceitarmos valores já premeditados por outros? Nietzsche (1844-1900) em seu livro “Genealogia da moral” coloca entre os principais culpados dessa transvaloração de valores a cultura religiosa judaica e cristã, pois são estas que nos colocam a idéia de bem e mal na sociedade em que vivemos, fazendo que não sejamos nós que decidimos se nossos atos foram bons ou maus, pois não refletimos sobre eles, pois estes já estão criados. Se formos pensar sobre assunto, vemos que de nada é falsa essa afirmação, pois se nos perguntassem sobre como julgamos algo bom e algo ruim, logo perceberíamos que são as regras de uma cultura passada que nos utilizamos para o caso.

Outro ponto que nos faz aceitar idéias que não são nossas é o nosso desinteresse pela reflexão dos problemas que temos, a “preguiça” que o homem acaba por carregar consigo por já ter tudo pronto. Um filósofo, otimista, a meu ver sobre o assunto, é Immanuel Kant (1724-1804) ao escrever um artigo respondendo a pergunta “O que é o esclarecimento?”(1783), onde o mesmo escreve sobre uma época que esta chegando onde os homens pararam de pensar com a ajuda dos outros e serão responsáveis pelo seu próprio entendimento. Tentando explicar o que faz com que o homem necessite de outros para executar tal tarefa, Kant nos diz:

A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma parte tão grande dos homens, libertos há muito pela natureza de toda tutela alheia (naturaliter majorennes), comprazem-se em permanecer por toda sua vida menores; e é por isso que é tão fácil a outros instituírem-se seus tutores. É tão cômodo ser menor. Se possuo um livro que possui entendimento por mim, um diretor espiritual que possui consciência em meu lugar, um médico que decida acerca de meu regime, et c., não preciso eu mesmo esforçar-me. Não sou obrigado a refletir, se é suficiente pagar; outros se encarregarão por mim da aborrecida tarefa. Que a maior parte da humanidade (e especialmente todo o belo sexo) considere o passo a dar para ter acesso à maioridade como sendo não só penoso, como ainda perigoso, é ao que se aplicam esses tutores que tiveram a extrema bondade de encarregar-se de sua direção. Após ter começado a emburrecer seus animais domésticos e cuidadosamente impedir que essas criaturas tranqüilas sejam autorizadas a arriscar o menor passo sem o andador que as sustenta, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentam andar sozinhas. Ora, esse perigo não é tão grande assim, pois após algumas quedas elas acabariam aprendendo a andar; mas um exemplo desse tipo intimida e dissuade usualmente toda tentativa ulterior. (2010, O que é o Esclarecimento?, p.1,2)

Há algum tempo o homem cansou de pensar por si mesmo e decidiu acreditar no que já está imposto. E como bem se pode perceber, isto não é algo fácil de romper, pois isto esta impregnado de uma forma tão profunda em nosso cotidiano que as pessoas que seguem esse “raciocínio” não percebem o quanto estão erradas e assim “pensar”. Isso é tão profundo que é apenas pararmos para analisar nas escolas logo percebemos isso claramente, onde ao questionar à um aluno sobre a importância da disciplina de filosofia, geralmente este diz que é perca de tempo.

Essas pessoas são aquelas mesmas pessoas que vivem na caverna que Platão relata na alegoria, são pessoas com medo de buscar a verdade. Estas preferem viver nas sombras, pois lá é mais cômodo, pois lá não sentem-se incomodados e podem continuar sua vida como se as questões que o mundo nos dita nem a elas pertencessem.

São estas as pessoas do mundo da doxa, aquelas que vivem de acordo com o ditado “Deixa a vida me levar”, sem ao menos perceberem o potencial que o ser humano tem, potencial este que séculos atrás estavam em seu ápice, e que pareciam que não ia retroceder.

Denominamos-nos seres racionais mas nem ao menos utilizamos nossa razão, somos acorrentados, delimitam nosso território, nos ditam as regras a se seguir e nem ao menos somos capazes de nos questionarmos porque as seguimos, deixamos os outros ditarem as regras como se estes fossem melhores que nós, acreditamos na verdade que falaram ser e não na verdade que buscamos. Reclamamos da nossa vida, mas não possuímos coragem para mudá-la e nos julgamos evoluídos mesmo assim.

Poucos são os que saem da caverna e estes poucos ainda são reprimidos por serem diferentes, somos seres covardes e preguiçosos, estranhamos o que não é parecido conosco, o excluímos de nosso meio, não porque ele não está certo, mas porque julgamos perigosa a mudança, o diferente não deve existir na nossa concepção, lhe rotulamos, lhe expulsamos ou até o matamos. Somos miseráveis e nosso pensamento é retrogrado, mas não os aceitamos como tal, o egocentrismo em que vivemos faz com que não consigamos nos denominar assim e é por isso que é mais fácil excluir o que nos fala isso do que aceitar o lugar onde realmente vivemos: em um buraco.

BIBLIOGRAFIA

Brasil, Anped, Humanismo, verdade e formação na ontologia fundamental de Martin Heidegger. Disponível em: <http://www.anped.org.br/33encontro/app/webroot/files/file/Trabalhos%20em%20PDF/GT17-6664--Int.pdf>. Acesso em 11 de novembro de 2010.

Brasil, Scribd. O que é o Esclarecimento? Disponível em: <http://www.scribd.com/doc/7183234/Kant-Immanuel-O-Que-e-oEsclarecimento>. Acesso em 11 de novembro de 2010.

HEIDEGGER, M. Teoria Platônica da Verdade, in Marcas do Caminho. Trad. Enio Paulo Gichini e Ernildo Stein. Petrópolis, Editora Vozes, 2008b.

PLATÃO. A República: uma obra fundamental na trajetória do pensamento filosófico. Trad. Ana Paula Pessoa. São Paulo, Editora Sapienza, 2005.

Ellen Koteski
Enviado por Ellen Koteski em 25/04/2011
Código do texto: T2930439
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