INTERDISCIPLINARIDADE

INTRODUÇÃO

Esta produção textual, tem como função primordial tratar sobre a interdisciplinaridade, um dos maiores desafios educacionais para o século XXI, estabelecendo o seu conceito, com base nos trabalhos e pesquisas em curso que tratam desta problemática, bem como observar sua importância para a educação e aprendizagem significativa da realidade atual.

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A interdisciplinaridade atualmente é a palavra de ordem para as novas propostas educacionais no Brasil e no mundo, porém a maioria dos educadores não sabem o que fazer com ela, sentindo-se amedrontados com a possibilidade de sua implementação no sistema educacional brasileiro. Nos novos projetos para o ensino visivelmente percebe-se a falta de segurança que faz parte do novo paradigma emergente do conhecimento.

Muitos estudiosos na tarefa de definir a interdisciplinaridade se confundem em meio a diferenciação de termos como: multi, pluri e interdisciplinaridade.

Os currículos organizados pelas disciplinas tradicionais, em termos de ensino, conduzem geralmente os alunos a um acúmulo de informação, muitas vezes sem relação com a vida prática e profissional. Segundo FAZENDA (1999:16) “o desenvolvimento tecnológico atual é de ordem tão variada que fica impossível processar-se com a velocidade adequada a esperada sistematização que a escola requer. Por outro lado a opção que tem sido adotada, da inclusão de novas disciplinas ao currículo profissional, só faz avolumarem-se as informações e atomizar mais o conhecimento”

Há casos isolados em que educadores deixam de lado os conhecimentos tradicionalmente sistematizados e organizados e exploram indiscriminadamente, conhecimentos do senso comum, podendo gerar prepotências ainda maiores que o conhecimento científico. É necessário que haja uma inter-relação do senso comum com o saber científico, gerando uma nova racionalidade, privilégio de todos.

Segundo FAZENDA (1999:17), “o que com isso queremos dizer é que o pensar interdisciplinar parte do princípio de que nenhuma forma de conhecimento é em si mesma racional. Tenta, pois, o diálogo com outras formas de conhecimento, deixando-se inter-penetrar por elas. Aceita o conhecimento do senso comum como válido, pois é através do cotidiano que damos sentido às nossas vidas. Ampliado através do diálogo com o conhecimento científico, tende a uma dimensão utópica e libertadora, pois permite enriquecer nossa relação com o outro e com o mundo”

No projeto em que verdadeiramente se instaura a interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, vive-se e exerce-se.

A principal característica da atitude interdisciplinar é a busca pelo conhecimento, a transformação da insegurança num exercício do pensar.

No que diz respeito à ciência, nossa sociedade nos apresenta a natureza como algo separado de nós, onde diversos aspectos (fato, fenômenos, existência) aparecem fragmentados, ou seja, de forma desconexa, forçando a incompreensão da totalidade.

Na antiguidade grega (séc. VI a.C), filosofia, arte e ciência eram unidos formando o “conhecimento” totalitário, conceituado pela palavra physis.

Com o predomínio romano (civilização latina) a palavra physis foi distorcida, perdendo o seu sentido essencial (força evocativa) e assim a visão do universo começa a se fragmentar ante a sociedade ocidental.

Agora é preciso voltar às “raízes”, buscando superar a visão fragmentada do mundo, substituindo-a pela visão holística. Reconhecer que o universo é um todo e que somos parte deste todo, como as ondas são parte do oceano. A interdisciplinaridade é uma atitude, a exteriorização de uma antiga visão de mundo que é a holística, podendo ser comparada como um ato de troca, reciprocidade, entre as áreas de conhecimento (disciplinas ou ciências).

A interdisciplinaridade, corresponde à necessidade de superar a visão fragmentada de produção de conhecimento, produzindo coerência entre os múltiplos fragmentos que estão postos no acervo de conhecimentos da humanidade.

È preciso estabelecer o sentido de unidade, mediante uma visão de conjunto que permita ao homem ter sentido dos conhecimentos e informações, reconhecendo a identidade do saber multidisciplinar dos conhecimentos.

O pensar e o agir interdisciplinar estão apoiados no princípio de que não existe fonte de conhecimento, por si só completa e que é necessário a interação (interpenetração) com outras fontes de conhecimento, para se compreender a realidade e a forma como se apresenta.

Assim sendo, segundo LUCK (1994:64) o conceito de interdisciplinaridade para o contexto do ensino é: “o processo que envolve a integração e engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de integração das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global de mundo e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realidade atua ”.

A interdisciplinaridade caracteriza-se pela colaboração entre as disciplinas diversas de uma determinada ciência enriquecida nas trocas provenientes da reciprocidade. È o ponto de encontro ante os movimentos de renovação dos problemas de ensino e pesquisa e o avanço do conhecimento científico. Critica duramente a educação fragmentada (“migalhas”) como forma de romper com o “ encasulamento do universo” e incorpora-la a vida

A interdisciplinaridade permite uma reflexão aprofundada, crítica e salutar sobre o funcionamento do saber unificado, apoiando o movimento de ciência e pesquisa. Observa-se uma possibilidade de extinguir a dicotomia entre a atividade profissional e a formação escolar.

A Interdisciplinaridade e a Formação Geral

a) Inicialmente o objetivo é de permitir aos estudantes melhor desenvolver suas atividades, melhor assegurar sua orientação, a fim de definir o papel que deverão desempenhar na sociedade;

b) É também necessário que “aprendam a aprender”;

c) É importante que se situem no mundo de hoje, criticando e compreendendo as inumeráveis informações que os agridem cotidianamente.

Para “encontrar-se” no mundo atual, requer compreender e criticar as imprescritíveis transformações diárias pelos quais todos passam, superando a separação pré – estabelecida entre as disciplinas.

Se faz necessário a compreensão a compreensão em termos dialéticos das diferentes formas pelas quais o homem conhece, não se admitindo que o conhecimento se restrinja a campos delimitados de especialização.

A Interdisciplinaridade na Compreensão e Modificação do Mundo

O homem precisa compreender o mundo (que é múltiplo) em todas as suas formas e possibilidades, para modifica-lo.

O homem que se deixa influenciar por uma única visão do conhecimento, desenvolve uma visão deturpada da realidade e somente ao despertar para a realidade multifacetada existente, efetivamente terá possibilidade de modifica-la

Através da Paidéia (formação total do homem) inicia-se a preparação para a compreensão do mundo, porém essa formação passou a ser fragmentada (produto da ocidentalização) com o seu aumento do saber e a criação do sistema educacional ( família, igreja, escola, etc.), dando a função de cada um.

Da idéia de transmissão de conhecimento o homem tornou-se objeto, o receptor das transformações, deixando de ser o sujeito afetivo, o agente de transformações.

A Interdisciplinaridade e a Formação Profissional

a) Na maior parte dos casos, a atividade profissional exige atualmente o aporte de muitas disciplinas fundamentais;

b) Reconhece-se que no futuro, todo o indivíduo terá oportunidade de mudar muitas vezes de profissão durante sua vida; pelo fato dessa mobilidade de emprego, há necessidade de uma plurivalência na formação profissional.

Faz-se necessário o aporte das múltiplas e variadas disciplinas, possibilitando adaptações às inevitáveis mobilidades de emprego, criando maior probabilidade de carreira em outros campos.

Da Integração à Interdisciplinaridade

A integração é uma etapa (e não produto acabado) essencial e funcional da interdisciplinaridade, sendo anterior a esta, como uma decorrência natural do processo interdisciplinar .

A interdisciplinaridade é o fator de transformação, de mudança social, enquanto a integração preocupa-se em conhecer e relacionar conteúdos, não aniquilando as barreiras entre as disciplinas.

A integração em relação á interdisciplinaridade conclui-se que há necessidade da integração como momento, como possibilidade de atingir-se uma “interação”, uma interdisciplinaridade com vistas a novos questionamentos, novas buscas, enfim, para uma mudança na atitude de compreender e entender.

A Interdisciplinaridade e as Suas Modalidades

Entre as modalidades possíveis da interdisciplinaridade Cesare Scurati estabelece uma taxonomia com seis níveis, em ordem crescente de inter-relação:

1. Interdisciplinaridade heterogênea – É uma espécie de enciclopedismo, baseada na “soma” de informações procedentes de diversas disciplinas.

2. Pseudo – interdisciplinaridade – O nexo de união é estabelecido em torno de uma espécie de “metadisciplina” . Neste caso existe uma estrutura de união para trabalhar em disciplinas muito diferentes entre si.

3. Interdisciplinaridade auxiliar – Quando em uma disciplina se recorre ao emprego de metodologias de pesquisa próprias ou originais de outras áreas do conhecimento.

4. Interdisciplinaridade composta - Trata-se da situação na qual para a solução de determinados problemas sociais, se propõe a intervenção de equipes de especialistas de múltiplas disciplinas.

5. Interdisciplinaridade complementar - Ocorre quando se produz uma sobreposição de trabalho entre especialidades que coincidem um mesmo objeto estudado.

6. Interdisciplinaridade unificadora - Existe uma autêntica integração de duas disciplinas, resultado da construção de um marco teórico comum, como de uma metodologia de pesquisa.

Segundo Marcel Boisot, distingue-se três tipos de interdisciplinaridade:

1. Interdisciplinaridade linear - É uma modalidade de intercâmbio interdisciplinar na qual uma ou mais leis tomadas de uma disciplina são usadas para explicar fenômenos de outra, mediante alguma redefinição das variáveis e parâmetros, ela seria ajustada ao novo contexto disciplinar.

2. Interdisciplinaridade estrutural – Quando as intervenções entre duas ou mais disciplinas levam a criação de um corpo de leis novos que formam a estrutura básica de uma disciplina original, que não pode ser reduzida à coordenação formal de suas geradoras, surge uma nova disciplina.

3. Interdisciplinaridade restritiva - O campo de aplicação de cada matéria é definido exclusivamente conforme um objeto concreto de pesquisa e um campo de aplicação específico.

Jean Piaget, propõe outra importante hierarquização de níveis de colaboração e integração entre as disciplinas:

1. Multidisciplinaridade – O nível inferior de integração. Ocorre quando para solucionar um problema, busca-se a informação e ajuda em várias disciplinas, sem que tal interação contribua para modifica-las ou enriquecê-las.

2. Interdisciplinaridade - Segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre as várias disciplinas provoca intercâmbios reais, existe reciprocidade e enriquecimento mútuo.

3. Transdisciplinaridade - È a etapa superior da integração. Trata-se da construção de um sistema total, sem fronteiras sólidas entre as disciplinas.

Segundo Erich Jantsch os níveis da interdisciplinaridade são:

1. Multedisciplinaridade - Reflete o mais baixo nível de coordenação. Seria a mera justaposição entre as diversas disciplinas, oferecidas de maneira simultânea, com a intenção de esclarecer alguns dos seus elementos comuns.

2. Pluridisciplinaridade - É a justaposição de disciplinas mais ou menos próximas, dentro de um mesmo setor de conhecimento. É uma forma de cooperação que visa melhorar as relações entre as disciplinas.

3. Disciplinaridade cruzada – Envolve uma abordagem baseada em postura de força. A possibilidade de comunicação está desequilibrada, pois uma das disciplinas dominará sobre as outras. A matéria considerada mais importante determinará o que as demais disciplinas deverão assumir.

4. Interdisciplinaridade - É algo diferente, que reúne estudos complementares de diversos especialistas em um contexto de estudo de âmbito mais coletivo. Implica em uma vontade e compromisso de elaborar um contexto mais geral, no qual cada uma das disciplinas em contato são por sua vez modificadas e passam a depender claramente uma das outras.

5. Transdisciplinaridade - Conceito que aceita a prioridade de uma transcendência, de uma modalidade de relação entre as disciplinas que as supere. É o nível superior da interdisciplinaridade, da coordenação onde desaparecem os limites entre as diversas disciplinas e se constitui um sistema total que ultrapassa o plano das relações e interações entre as disciplinas.

CONCLUSÃO

Através deste trabalho, foi possível compreender de forma mais sistemática e com um certo embasamento teórico, o que vem a ser a Interdisciplinaridade e suas relações educacionais.

Assim sendo, observa-se a importância da interdisciplinaridade para acabar com a fragmentação maléfica que assola as áreas de conhecimento atuais, dificultando às pessoas entenderem o mundo como um todo, levando a uma aprendizagem fragmentada do conhecimento, que na realidade deveria se aprender em sua plenitude.

Este é um dos grandes desafios da educação para o século XXI e deve ser encarado com veemência para que se possa alcançar o êxito necessário.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FAZENDA, Ivani. Interação e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: Afetividade ou Ideologia. São Paulo: Loyola, 1993.

__________ . Práticas Interdisciplinares na Escola. 6.ed. São Paulo: Cortez,1999.

LUCK, Heloísa. Pedagogia Interdisciplinar – Fundamentos Teórico – Metodológicos. 6ed. São Paulo: Vozes.,1994.

SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. São Paulo: Artmed,1998.

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L.M.J.

(Fevereiro/2002)

Leandro Martins de Jesus
Enviado por Leandro Martins de Jesus em 18/11/2006
Código do texto: T294810
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