ALI JAZ POÇO REDONDO

ALI JAZ POÇO REDONDO

Rangel Alves da Costa*

Doi de doer tudo, seu moço, é forçoso dizer, rasga o coração e enche de amargura, mas ali jaz Poço Redondo. Aquela cidade linda, maravilhosa, aconchegante, com suas praças, pessoas alegres e amigos no proseado, não existe mais, se findou, morreu.

Igual médico que mata por omissão, negligência, imprudência, outras pessoas, infelizmente, têm o poder de agir intencionalmente para matar uma cidade, destruir sua cultura, acabar com sua história, jogar na lama todas as virtudes de um lugar que nasceu para ser honrado e sempre benquisto.

Quando, por uma fatalidade ou fato inevitável, uma cidade deixa de existir, mesmo com toda dor e aflição os seus habitantes acabam se conformando, aceitando o desígnio. A velha Canindé, nascida correndo ao lado do rio, não existe mais. Assim também com as cidades que tiveram de sair do mapa para dar lugar à barragem de Sobradinho. Contudo, nasceram novas cidades, maiores, mais bonitas, mais ricas, num renascimento que acabou agradando a todos.

Contudo, aqueles escombros que se estendem lá no sertão de Sergipe, um monturo de restos espalhados da história, não morreu para o progresso não. Foi morta – e cruelmente vitimada, pois lentamente – pelas mãos daquele que deveria cuidar do seu destino, fortalecê-la para os novos tempos, para ladear com o mesmo progresso que se espalha pelos outros municípios sertanejos.

Quando falo da morte lenta, dessastencializada, jogada à míngua, de Poço Redondo o faço com a razão do meu conhecimento sobre o lugar que tanto amava quando ainda podia encontrá-lo noutras feições. Sou filho e agora órfão de lá, onde nasci há 48 anos, tendo o maior prazer de espalhar pela vida afora que o meu berço de nascimento era o verdadeiro sorriso no olhar do sertanejo e do visitante.

Mas o que fizeram com Poço Redondo, meu Deus? Será que o progresso ocorreu por lá inversamente da lógica normal das coisas? Incrível que isso tenha ocorrido, mas parece que sim, pois o Poço Redondo de alguns anos passados, quando ainda respirava vida, era infinitamente mais desenvolvida, mais progressista, mais bela e acolhedora do que estava até começar a morrer, há cerca de três anos.

Certo é que a doença lhe foi impingida há cerca de quinze anos. Infelizmente há que se dizer que a maioria da população de Poço Redondo é também co-responsável pela morte da cidade, vez que foi ela, através da escolha popular, que outorgou a um eleito o direito de comandar seus destinos. Mas também é certo que ninguém tem o direito de usar aquilo que lhe foi confiado pelo povo contra esse mesmo povo e o seu berço de nascimento.

Como os professores não podem ser responsabilizados pelo médico que forma para matar pacientes, no caso da morte de Poço Redondo igualmente o povo fica imune dessa penalização. E toda a culpa, a máxima culpa, passa a ser daquele que, confiado pelo povo, agiu contrariamente às razões e passou a destruir aquilo que tinha o dever de fazer progredir.

Assim, o administrador municipal é o responsável por essa perda irreparável, que é a morte de uma cidade. E o pior é que nada poderá depor a favor dele, pois as provas do lamentável episódio estão lá pra todo mundo ver: uma cidade que morreu esburacada, feia, suja, sem praças, sem nenhum instrumento de lazer, com lixo espalhado por todo lugar, ruas intransitáveis, mesas velhas de feirantes enfeando ainda mais o quadro dantesco, imundície e mau cheiro de palmo em palmo, urubus passeando pelo céu que era dos passarinhos.

Certamente que somente os filhos, os parentes, os amigos, os que amam, choram pela perda de quem tanto se queria. E talvez por não ser de lá, por não ter nenhum vínculo com a terra, é que o responsável pela morte do lugar não esteja nem aí para o que ocorreu, para a dor do outro. Para ele tanto faz que o outro esteja sofrendo pelo que foi causado. Se a falsa religião dele permitisse saberia muito bem que ainda irreparavelmente morto, Poço Redondo logo voltará num renascimento que os seus filhos tanto desejam.

Poeta e cronista

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