“GALETO AL PRIMO CANTO”

O “Religion News Service” é uma agência de notícias voltada para temas como a religião, a ética, a espiritualidade e as questões morais. Está sediada em Washington, nos Estados Unidos, mas tem uma rede de correspondentes em todo o mundo. Fornece, para o país inteiro, notícias e informações sobre todas as crenças e doutrinas religiosas, por intermédio dos principais jornais, revistas, estações de televisão e publicações de caráter religioso.

Pois foi justamente o “Religion News Service” que trouxe ao conhecimento público os resultados de uma pesquisa, encomendada e divulgada pelo Vaticano — que pouco ou nada repercutiu na imprensa brasileira — acerca de um tema que, de tempos em tempos, deixa a Igreja Católica numa “batina justa” e já a levou a gastar bastante dinheiro, com a indenização de suas vítimas: a prática da pedofilia pelos membros do clero.

Mas, ao contrário do que podem imaginar os mais apressados, o estudo patrocinado pelo Vaticano não pretendeu, por assim dizer, expor as raízes do problema, para por um fim a ele. Teve como objetivo, apenas e tão somente, encontrar justificativas e explicações que permitam desculpar a nefanda prática de muitos dos seus sacerdotes, amesquinhando o significado do problema para a Igreja de Roma, para os fiéis mais fiéis e, de resto, abrindo a “artilharia papalina” em direção ao Concílio Vaticano II.

As conclusões do tal estudo — intitulado “Causas e contextos do abuso sexual de menores, cometido por padres católicos, nos E.U.A. entre 1950 e 2010” — foram plenamente satisfatórias para quem o encomendou. E, por absurdas, merecem ser reproduzidas, ainda que de forma resumida, para quem por isto se interessar. Pois são, em linhas gerais, as seguintes:

1) O problema não é tão grave quanto parece. Menos de 4% dos padres cometeram este tipo de violação.

2) O pior já passou. É sensacionalismo da imprensa, etc.

3) Se o indivíduo (leia-se: a vítima) tem mais de 10 anos, não pode ser considerado como pedofilia.

4) O problema não está na Igreja, nem no celibato, nem na homossexualidade reprimida. A culpa está no padrão de permissividade dos anos 60, que chegou até a Igreja.

5) “O aumento da frequência de abusos nos anos 60 e 70 foi compatível com padrões crescentes de permissividade sexual do período”. O problema estaria atrelado, portanto, ao fenômeno da chamada revolução sexual. (Religion News Service, 18.05.2011, in http://www.religionnews.com)

Se o estudo não houvesse sido divulgado por uma agência conhecida e reconhecida como é a “Religion News”, poder-se-ia pensar tratar-se de alguma brincadeira de mau gosto. Mas, infelizmente, não é! É, de fato, o Vaticano tentando minimizar uma coisa hedionda, praticada por integrantes do clero, do qual “apenas 4%” devem corresponder, em números reais, a um quantitativo assustador de sacerdotes.

Depois, quem foi que atribuiu à cúpula da Igreja de Roma o poder de estabelecer os limites de idade, que definam,para o mundo, o que é ou deixa de ser a prática da pedofilia? Ao que se saiba, quem define isto é a legislação de cada país. E no Brasil, por exemplo, este limite está fixado aos dezoito anos de idade. Então, sejam padres, pastores, bispos, missionários ou leigos, não importando a que culto pertençam, quem bolina, pratica sexo ou qualquer ato libidinoso diverso da conjunção carnal com um menor, estará praticando a pedofilia neste país. Não importa o que o papa, os cardeais, os bispos ou qualquer membro das igrejas evangélicas possam pensar acerca disto!

Dizer que o problema não está na Igreja, nem no celibato e nem na homossexualidade reprimida, por outro lado, é indício de que o Vaticano está, apenas, querendo eximir-se de culpa e não tentando equacionar o problema. Pessoalmente, não me importo se alguém resolve privar-se de um apelo natural do corpo, que é o sexo. Entendo isto como uma espécie de masoquismo tolo, embora compreenda a lógica de quem impôs estes votos, como forma de evitar dispêndios e prejuízos ao patrimônio da instituição, com o pagamento de pensões a viúvas e filhos. O que não se admite é que um homem assuma esse tipo de restrição fisiológica em sua vida e depois vá extravasar os seus instintos carnais, desviando-os para crianças e pré-adolescentes. Meninos e meninas que, não raras vezes, estão entregues à orientação espiritual do depravado que os molesta. E que, por isto mesmo, ficam mais vulneráveis.

Por fim, quando a pesquisa conclui que o cerne do problema está “no padrão de permissividade dos anos 60, que chegou até a Igreja”, isto tem endereço certo. O Cardeal Ratzinger — atualmente, Papa Bento XVI — e muitos dos atuais Cardeais da Igreja Católica, representam a sua ala mais reacionária. E tentam jogar a culpa desse descontrole moral do clero na fase progressista do Concílio Vaticano II (1961 a 1965), inspirada e liderada pelo Papa João XXIII, contra o qual se opuseram ferozmente, naquela época. Agindo assim, os “príncipes” da Igreja procuram um duplo benefício: eximir-se da responsabilidade pelos desmandos morais dos seus sacerdotes e reafirmar o quanto a mudança de certos padrões conservadores fazem mal à instituição, aos seus padres e aos seus fiéis.

Se a Igreja Católica vai ser mais ou menos progressista, mais ou menos tradicionalista, é uma questão interna, que só interessa aos que professam a sua doutrina. Mas que não venham, com isto, justificar o apetite degenerado de alguns dos seus representantes por um “galeto al primo canto”.