Renovação Espiritual [SERMO CXXII}

RENOVAÇÃO ESPIRITUAL

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

Vocês devem deixar de viver como viviam antes, como

um homem velho que se corrompe com paixões

enganadoras. É preciso que vocês se renovem pela

transformação espiritual da inteligência, e se revistam do

homem novo, criado segundo Deus na justiça e na

santidade que vem da Verdade (Ef 4, 22-24).

A essência do evangelho aponta para uma transformação de nossas atitudes e maneira de pensar. Se não nos renovarmos espiritualmente não poderemos nos aproximar de Deus, dando chances aos avanços do Maligno. É preciso buscar uma constante correção nas áreas vulneráveis da nossa vida. Igual a uma instalação hidráulica onde ocorrem pequenos vazamentos, se a gente não consertar, logo teremos uma inundação. Um vazamento de água ou gás, se não combatido rapidamente, poderá causar grandes prejuízos. Assim sucede com a falta de renovação da nossa vida espiritual.

A nossa vida espiritual é frequentemente assaltada pelo império do mal. Com ciúme do homem, que recebeu a adoção paterna de Deus e a irmandade de Jesus Cristo, o Maligno busca derrubar o ser humano da grandeza da amizade com Deus. Por esta razão, a vida humana é uma luta constante entre o bem, que brota da graça de Deus e o mal, que quer impedir a instauração desse bem em nossa vida. Quando não vigiamos, pode ocorrer a queda e a perda do fervor.

Há vários fatores que ocasionam a decadência espiritual. Os mais comuns são a rotina, a imaturidade, o esfriamento da fé, a indiferença e, por fim ocorre a estagnação da vida cristã. Há cristãos que perderam o entusiasmo e o fervor dos primeiros tempos de conversão, acostumando-se a uma vida medíocre, sem testemunho, oração, vida sacramental. Tudo isto impede o crescimento espiritual.

Nesta situação, se não houver um alerta capaz de provocar uma reversão imediata, o cristão vai se desviar dos caminhos da verdadeira espiritualidade, o que o tornará ainda pior do que antes. Aquele fervor espiritual do início da conversão deveria ser conservado, mantendo assim aberto o caminho da renovação pelo Espírito. A renovação espiritual do crente é uma das ações do Espírito Santo que se realiza diária e continuamente no meio do povo de Deus.

Quando falamos em “renovação”, estamos nos referindo ao “ato de renovar”, ou seja, o “ato de fazer algo novo outra vez”, de tornar melhores as coisas velhas. “Se o cristão é filho de Deus, se deseja desfrutar da natureza divina, o tempo não pode, de forma alguma, atingir a sua estrutura espiritual, pois, a partir do instante em que ele “nasce de novo”, nascendo da água e do Espírito”, não sofre mais as seqüelas do tempo e da rotina e, por inspiração de Deus, sua vida espiritual passa a ser um dom, um “eterno acontecimento da graça”.

Se, pois, o cristão desfruta da luz de Deus, desde o momento de sua conversão, ele tem a vida espiritual como um eterno presente. Renovar significa “tornar novo”, “recomeçar”, “refazer”, “reaver”, “retornar“. Hoje existem muitas formas e métodos para se buscar a renovação espiritual, a atualização da nossa fé e o esforço de manutenção de nossa conversão. Esta, por ser um processo sempre carente de retoques. Conversão, dizem os místicos, é obra de uma vida e, como tal, é um processo nunca acabado. Sempre estamos nos convertendo. A conversão não é estática, em função de nossa fragilidade, daquela propensão que todos temos desde as origens, além das investidas do Maligno, ela sempre está ameaçada. Por isto é que se faz necessária a vigilância.

Não entristeçam o Espírito Santo, com que Deus marcou

vocês para o dia da libertação (Ef 4,30).

Na renovação espiritual, o Espírito Santo restaura e revigora a obra que anteriormente havia sido iniciada na vida daquele que crê (cf. Sl 103,5). É o Espírito quem dá o discernimento e perdoa todas as nossas iniquidades, é quem cura todas as enfermidades, redime a vida medíocre, coroando-a de benignidade e de misericórdia. O Espírito de Deus é quem supre de todo o bem, de sorte que a mocidade se renova como a da águia

Não se conformem com o espírito deste mundo, mas transformem-se pela renovação da mente, para que vocês experimentem qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus (Rm 12,2).

No Livro do Apocalipse, o vidente João reproduz o lamento de Deus quanto à infidelidade de um dos membros da Igreja:

Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; e se não, brevemente virei a ti, e removerei do seu lugar o teu candeeiro, se não te arrependeres (2,4s).

Escrevendo aos cristãos de Colossos, o apóstolo Paulo se refere àquela renovação indispensável para o cristianismo autêntico:

Vocês se revestiram do novo de Deus, que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que os criou (3,10).

Enquanto o “homem velho” é Adão, cheio das seqüelas do pecado, o “homem novo”, ao qual somos chamados a aderir é a prefigura do Cristo Ressuscitado. É nele que devemos buscar, diuturnamente, a nossa renovação espiritual. Para fins de estudo, relacionamos, de forma acadêmica, sete passos para uma renovação espiritual. Portanto, renovar espiritualmente, conforme Hermes da Gama é:

1. Retornar às experiências espirituais do passado

No início da fé cristã, o homem recebe do Senhor, bênçãos extraordinárias que antes da conversão jamais poderia obter: fortificação pela fé em Cristo, certeza de vida eterna, batismo no Espírito Santo, dons sobrenaturais, milagres, comunhão com Deus, santidade, vida cristã vitoriosa e tantas outras maravilhas que acompanham a salvação. O amoroso Pai tem prazer de, no início da jornada da fé, encher o cristão de vida, graça e poder espiritual. Ele nos eleva muito além das experiências puramente humanas. Nossa vida é um contínuo amealhar bênçãos e graças. Precisaríamos um caderninho para anotar tantos presentes...

Todavia, infelizmente, muitos esfriam na fé e perdem o contato com a Fonte da Graça. Há muitas pessoas na Igreja que conhecem o estilo do culto e os hinos; lêem a Bíblia ao menos uma vez por ano; são contínuos contribuintes financeiros, mas não conservaram seu amor pelo Senhor, nem o fervor de outrora.

Lamentavelmente, não aplicam o que ouvem da Palavra de Deus às suas vidas. Estão próximas da igreja, mas distantes de Cristo – são os considerados crentes nominais. Só o Senhor, por meio do seu Santo Espírito, pode revigorar aqueles que perderam a força e a altitude das águias (Is 40,28-31).

2. Restabelecer as bênçãos perdidas

É difícil aceitar que o cristão possa perder algo que recebera de Deus. Alguém imagina que o Pai Celestial jamais retirará as bênçãos de seus filhos, especialmente as espirituais. O cristão que mantém uma contínua e perseverante comunhão com o Senhor certamente não perderá as bênçãos recebidas.

O processo pelo qual o Espírito Santo veio habitar em seu interior, quando ocorreu a salvação, estabelece uma situação que não se altera com o decorrer do tempo: a pessoa entrou no reino de Deus, vive em novidade de vida, novidade esta que nunca deixa de existir, daí porque Paulo ter dito que o homem interior se renova de dia em dia, ou seja, que, apesar do decurso cronológico do tempo na vida material, em termos espirituais nada é afetado por causa da passagem dos segundos, minutos, horas, dias, meses ou anos (1Cor 4,16).

Porém, a Bíblia é categórica ao afirmar que, se não cuidarmos bem da nossa vida espiritual, poderemos, sim, perder as bênçãos advindas do Senhor. A Palavra de Deus nos diz que podemos perder o amor (Ap 2,4), a alegria da salvação (Sl 51,12), a fé (1Tm 6,10), a firmeza em Deus (2Pd 3,17), o poder (Jz 16,20), e muitas outras coisas. É por isso que somos advertidos a guardar o que temos (Ap 3,11).

Graças a Deus, pela renovação espiritual, o Senhor nos restaura completamente o espírito e torna a nos dar copiosamente as bênçãos perdidas (cf. Sl 51,10).

3. Receber novas bênçãos

A conversão inclui grandes e ricas promessas de Deus para a vida do cristão, as quais Ele cumpre fielmente. Na renovação espiritual, o Senhor nos dá as bênçãos prometidas que até então não tínhamos recebido (Is 4,3), e nos anima a conquistarmos muito mais (Js 18,3).

Aquele que peca necessita de avivamento ou renovação espiritual, pois o pecado cria um obstáculo entre o homem e Deus, impedindo que venhamos a ter um eterno presente de comunhão com o Senhor. O pecado gera um afastamento, e uma quebra da comunhão multidimensional (Deus/próximo/natureza/comigo mesmo). Enquanto estivermos no mundo, o pecado é um risco sempre presente, pois ainda não fomos libertos do corpo do pecado, algo que somente ocorrerá quando passarmos para a eternidade ou, então, se estivermos vivos no dia do arrebatamento, formos transformados.

Na Bíblia, foram registrados grandes avivamentos em que um grande número de pessoas voltou-se para Deus e desistiu de seu modo pecaminoso de viver. Os avivamentos foram liderados por alguém que reconheceu a crise espiritual da nação, superou o medo e tornou a vontade de Deus conhecida às pessoas.

4. Estabelecer uma renovação diária

Assim como o corpo físico revigora-se diariamente, nosso homem interior precisa de constante renovação para manter-se fortalecido e plenamente saudável espiritualmente. Conforme nos orienta a Palavra de Deus, a renovação espiritual deve ocorrer “de dia em dia” (2Cor 4,16). A vida espiritual é uma continuidade, mas uma continuidade que é construída por uma comunhão e obediência exercidas dia-a-dia, momento-a-momento, sem qualquer intervalo. A renovação deve ser consciente e desejada.

Precisamos ter consciência da urgente necessidade da renovação espiritual: “transformai-vos pela renovação do vosso entendimento” (Rm 12,2). Assim como a chuva cai sobre as plantações, gerando e produzindo fruto (Sl 65,7-13), devemos pedir ao Senhor que envie sobre nós, sua lavoura, uma abundante chuva de renovação (1Cor 3,10; Sl 72,6s; Os 6,3). Quando essa chuva começar a cair, o Espírito Santo de Deus certamente fará maravilhas, a começar pelas vidas renovadas. Aleluia!

5. Saber que a renovação é fruto do Espírito Santo

A renovação mantém o cristão afastado do mundo. A renovação aprofunda o cristão na Palavra de Deus. Quando somos renovados, nosso espírito é impelido pelas verdades eternas da Palavra (Jo 6,63), e nossa fé cresce abundantemente (Rm 10,17). A renovação dá poder ao cristão. “Os que esperam no Senhor renovarão as suas forças” (Is 40,31).

No dia de Pentecostes, todos os cristãos ficaram cheios do Espírito Santo (At 2,4). Não obstante, pouco tempo depois foram cheios novamente; do mesmo poder e pelo mesmo Espírito (At 4.30,31). A renovação torna o cristão sensível à direção do Espírito. Quando somos renovados ficamos bem atentos à voz do Espírito, para sermos conduzidos e instruídos por Ele (At 16,6s; 10,19). Se o Espírito Santo conhece todas as coisas em seus pormenores, pode nos guiar com precisão. Só um cristão renovado tem sensibilidade espiritual para ouvir e obedecer a voz do Senhor: “… Este é o caminho; andai nele…” (Is 30,21).

6. Quem permanece renovado não perde o ânimo

Muitas vezes as lutas e tribulações nos fazem diminuir o passo, reduzir o ritmo de nossa corrida e até pararmos. Ao cristão não é lícito desistir ou retroceder. Para não sermos vencidos na batalha contra o mal, busquemos a renovação espiritual em Cristo. Não podemos parar! Não há espaço para o desânimo: “Desperta, ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos” (v.14); “Levantai-vos, e andai, porque não será aqui o vosso descanso” (Mq 2,10; 1Rs 19,7; Hb 10,38). No passado, na “Ação Católica” cantávamos triunfalmente: “Levantai-vos soldados de Cristo, para frente marchai à vitória”. É esse sentimento de vitória, de confiança e de comunhão que é urgente resgatar.

Os ataques do pecado têm derrubado muita gente que se julgava no bom caminho, mas se descuidou de vigiar, de orar e frequentar os sacramentos bem como praticar as boas obras.

7. Os que permanecem renovados são purificados

Às vezes, perdemos a bênção, por entristecermos o Espírito de Deus (Ef 4,30). Quando o Espírito Santo determina que algo seja feito e o homem se recusa a fazê-lo, sendo, como é, uma Pessoa, dotada, portanto, de vontade e de sensibilidade, o Espírito Santo se entristece, fica triste, pois, como ama o ser humano, pois é Deus de amor (1Jo 4,8), e quer sempre o melhor para o homem.

Concluindo, o fogo da perseverança não pode se apagar! Mas para o fogo não se apagar é necessário lenha continuadamente no altar. Portanto, devemos agir como os sacerdotes do tabernáculos – a cada manhã eles deveriam trazer lenha nova pra colocar no altar do holocausto (Lv 6,12), pois o fogo nunca poderia se apagar, tinha de estar, sem cessar, ardendo no altar. A lenha fala-nos do combustível do fogo, daquilo que faz com que se mantenha a temperatura e o fervor espiritual.

O crente não pode viver de porções passadas que serviram para a estruturação da sua fé, da sua comunhão com Deus. Tudo aquilo que serve de alimento espiritual deve ser cultivado e mantido em porções diárias, sempre renovadas a cada instante, para que o fogo continue ardendo continuadamente em nossas vidas.

Assim como o Espírito “renova a face da terra” (cf. Sl 104,30) deve ser renovado o nosso coração para a transformação de nosso agir, no sentido de uma espiritualidade discernida e plena de bons frutos.

Glória a Deus!

Texto da pregação em um retiro de religiosos que o autor realizou em São Paulo, em maio de 2010. Filósofo, escritor e Doutor em Teologia Moral. Pregador de novenas, romarias e retiros espirituais. Assessora workshops de teologia, filosofia e história do Oriente Médio. E-mail: kerygma.amg@terra.com.br