Direito Penal-Processual Penal Brasileiro -O STF E A CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS

Por muito tempo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se posicionou, e alguns Ministros ainda se posicionam, no sentido de não permitir a concessão da liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas em face do dispositivo do art 44 da Lei 11.343/2006. Este entendimento foi retomado pelo Ministro Eros Grau em julgamento do Habeas Corpus 95.539/CE.

Na mesma linha de raciocínio, foi o voto do Ministro Ricardo Lewandowski que indeferiu liminar no HC 100.831/MG, alegando em suma:

Em que pese o tráfico ilícito de drogas ser tratado como equiparado a hediondo, a Lei 11.343/2006 é especial e posterior àquela – Lei 8.072/90. Por essa razão, a liberdade provisória viabilizada aos crimes hediondos e equiparados pela Lei 11.464/2007 não abarca, em princípio, a hipótese de tráfico ilícitos de drogas.

Assim também foi, e continua sendo, o posicionamento da Ministra Ellen Gracie nos HC 96041 e HC 97579, que negou o pedido liminar de relaxamento de prisão por tráfico nos seguintes termos, alegando que “Nos termos dos artigos 5º, XLIII, da Constituição Federal, e 44, caput, da Lei 11.343/06, o crime de tráfico ilícito de drogas não admite a concessão de liberdade provisória”, acrescentou que “primariedade, bons antecedentes, residência fixa e profissão lícita são circunstâncias que, por si só, não afastam a possibilidade da preventiva”.

Por outro lado, insta salientar que os Ministros da Corte Máxima Brasileira que não admitiam a concessão da liberdade provisória têm mudado seu posicionamento e se alinhado ao pensamento defendido pelo Ministro Celso de Mello no HC 96.715-9/SP:

[...] a vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do ‘due process’, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República.

Este mesmo posicionamento também foi defendido pelo Ministro Celso de Mello ao deferir liminar no HC 97.976/MG.

Afirmando que o posicionamento do STF é o de que o preso em flagrante por tráfico de entorpecentes não tem direito à liberdade provisória, por expressa vedação do art. 44 da Lei n. 11.343/2006, o Ministro Eros Grau reformulou seu posicionamento e concedeu liminar em pedido de Habeas Corpus, alegando que o Ministro Celso de Mello, ao deferir a liminar requerida no HC 97.976/MG, já havia destacado que o tema está a merecer reflexão por parte da Corte Suprema.

Assim, decidiu Eros Grau, que a vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, é expressiva de afronta aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa.

No HC 98966 , o mesmo Ministro proferiu a seguinte decisão:

[...] A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88.

Continua Eros Grau afirmando que:

Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória.

Sendo assim, afirma o Ministro Relator que “nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla defesa e do devido processo legal”.

Assegura ainda este Ministro que é inadmissível, que diante das garantias constitucionais, “possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal”. Finaliza pontuando que a inconstitucionalidade do preceito legal lhe parece inquestionável.

Colaciona-se também a decisão da segunda turma do STF, proferida pelo Ministro Celso de Melo, que julgou o HC 100362-MC/SP e concedeu a Ordem assegurando direito à liberdade provisória a acusado pela prática incursa na lei de tráfico de entorpecentes previsto no art. 33 da Lei de Drogas. Verbis:

Ementa: “habeas corpus”. Vedação legal absoluta, imposta em caráter apriorístico, inibitória da concessão de liberdade provisória nos crimes tipificados no art. 33, “caput” e § 1o, e nos arts. 34 a 37, todos da lei de drogas. Possível inconstitucionalidade da regra legal vedatória (art. 44). Ofensa aos postulados constitucionais da presunção de inocência, do “due process of law”, da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. O significado do princípio da proporcionalidade, visto sob a perspectiva da “proibição do excesso”: fator de contenção e conformação da própria atividade normativa do estado. Precedente do supremo tribunal federal: adi 3.112/df (estatuto do desarmamento, art. 21). Caráter extraordinário da privação cautelar da liberdade individual. Não se decreta nem se mantém prisão cautelar, sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao “status libertatis” daquele que a sofre. Precedentes. Medida cautelar deferida.

No mesmo sentido é o informativo nº 566 do STF que apontou decisão da segunda turma no Habeas Corpus nº 100742/SC. Veja-se:

A Turma, superando a restrição fundada no Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu de ofício, habeas corpus para assegurar a denunciado pela suposta prática do delito de tráfico de substância entorpecente (Lei 11.343/2006, art. 33) o direito de permanecer em liberdade, salvo nova decisão judicial em contrário do magistrado competente fundada em razões supervenientes. Enfatizou-se que a prisão cautelar do paciente fora mantida com base, tão-somente, no art. 44 da Lei 11.343/2006 (“Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.”) que, segundo a Turma, seria de constitucionalidade, ao menos, duvidosa.

No caso do HC 96041/SP a Ministra Ellen Gracie, relatora do processo, teve seu voto vencido. Assim, sob a presidência do então Ministro César Peluso, foi concedido a Ordem para que o acusado de participação no crime de tráfico de drogas aguardasse o trânsito em julgado da sentença em liberdade. Veja-se a ementa da decisão:

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Manutenção de flagrante. Decisão fundada apenas em referência ao art. 44 da Lei nº 11.343/06. Inadmissibilidade. Insuficiência da mera capitulação normativa do delito. Necessidade da demonstração de existência de uma das causas previstas no art. 312 do CPP. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida. Voto vencido. Interpretação do art. 5º, incs. XLIII, LIV, LV, LXI, LXVI, LVII, da CF, e art. 310 do CPP. É ilegal a decisão que mantém prisão em flagrante ou decreta prisão preventiva, mediante simples referência ao disposto no art. 44 da Lei nº 11.343, de 2006, sem mencionar a existência de uma das causas previstas no art. 312 do Código de Processo Penal.

Ainda convém observar, que no HC 97579/MT, anteriormente citado, a Ministra Ellen Gracie foi outra vez voto vencido e, mediante o voto favorável do Ministro Eros Grau, o Ministro César Peluso concedeu Ordem de Habeas Corpus para conceder liberdade ao acusado pela prática de crime disposto no art. 44 Lei de Drogas. Eis o teor do acordão:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. GRAVIDADE DO CRIME. REFERÊNCIA HIPOTÉTICA À POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTOS INIDÔNIOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AO PRESO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES [ART. 44 DA LEI N. 11.343/06]. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva. Precedente. 3. A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88. 4. A inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla e do devido processo legal. 6. É inadmissível, ante tais garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável. Ordem concedida a fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Quanto à tendência de uma possível declaração de inconstitucionalidade do dispositivo que veda a concessão da liberdade provisória na lei de drogas, por parte do Supremo Tribunal Federal, a doutrina acentua que num passado não muito distante, o art. 21 da Lei de Armas que possuía conteúdo idêntico ao art. 44 da Lei de Drogas (não concessão da liberdade provisória) foi declarado inconstitucional pelo STF através da ADI 3112/DF.

Neste sentido discorreu Renato Marcão afirmando que:

[...] Ainda que tardiamente, o Supremo Tribunal Federal vem revendo seu posicionamento, de maneira a reconhecer a inconstitucionalidade da vedação a priori à liberdade provisória, e, de consequência, a insubsistência da negativa ao benefício com fundamento exclusivo na literalidade do artigo 44 da Lei de Drogas.

Pensamento reforçado ainda pela doutrina de André Luís Callegari e Miguel Tedesco Wedy que afiançam que a decisão proferida na ADI 3113/DF pode servir de parâmetro e fundamento para um futuro reconhecimento da inconstitucionalidade difusa ou concreta da vedação à liberdade provisória tipificada no art. 44 da Lei. 11.343 de 2006.

Eduardo Franco Vilar

Edu vilar
Enviado por Edu vilar em 10/06/2011
Código do texto: T3026589