BRASIL, SIL, SIL, SIL!

Foi assunto de grande repercussão nessa semana, a possibilidade de haver caixa-preta da Copa e das Olimpíadas, ou seja, os gastos públicos com tais eventos poderão não ser divulgados. Resolvi então republicar a crônica que se segue, sem modificações:

A EMBRATUR orgulhosamente diz que o Galeão é considerado, pela maioria dos turistas que visitam o Brasil, um dos principais portais do país.

Certamente não hesitarão os tupiniquins responsáveis pela Copa-2014 e das Olimpíadas-2016 em usar a infra-estrutura do Galeão para suporte daqueles eventos de grande repercussão mundial, como já foi feito na ECO-92 e nos últimos Jogos Panamericanos.

Este último evento desportivo custou ao país 6 bilhões de reais, o outro, realizado em época de difícil acompanhamento dos gastos públicos, não se sabe quanto custou.

Porém, na ECO-92 foi até mesmo construída às pressas a famigerada Linha Vermelha no Rio, calcule-se, então, quanto dinheiro extra foi despendido para tanto, sem prestação de contas.

O Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, chamado Galeão-Antonio Carlos Jobim completará no próximo dia 20, trinta e três anos. Atualmente tem capacidade, somados os dois terminais, para 10 milhões de passageiros/ano.

Está velho, embora já tenha sofrido revitalizações.

Revitalização no Brasil feita pelo poder público todo mundo sabe o que significa, por isso, grosso modo, se vê que o mencionado aeroporto, em seu dia-a-dia está despreparado para receber o atual tráfego aéreo nacional, menos para o internacional e absolutamente obsoleto para o tráfego aéreo de eventos mundiais.

Feita essa introdução, conto uma história, exemplarmente negativa para todos nós.

Trata da aventura de um cidadão brasileiro em retorno do exterior, acompanhado de sua família, após doze horas de vôo cruzando o espaço aéreo de vários países, chegando ontem, dia 03 de janeiro de 2010, ao Galeão.

O viajante, nosso aventureiro, iniciou a volta pra casa, depois de dez dias lá fora, a partir de um aeroporto ultramoderno, atualmente com capacidade para 100 milhões de passageiros/ano (quase dez vezes a capacidade do Tom Jobim).

Alerta máximo de segurança em todos os aeroportos do Primeiro Mundo por conta das ameaças do raivoso e momentaneamente desapontado Bin-laden. Dia de nevasca no local. Sensação térmica ao ar livre de -30°C.

Nenhuma dessas dificuldades impediu o perfeito funcionamento daquele sítio aeroportuário.

Isolamento térmico e climatização perfeita garantiam internamente bem-estar a todos os usuários.

Assistia-se a neve caindo sem cessar, como num telão de cinema, através das vidraças que subiam do chão ao altíssimo teto,

As senhoras, muito elegantes, a tudo assistiam sem sentir frio e sem aperreios com vento nos cabelos.

Atendimento normal pelas companhias aéreas transferia ao check-in uma sensação confortável.

Computadores instalados em bases ergometricamente corretas, espalhados em grande quantidade pelo terminal, de fácil entendimento e uso por qualquer leigo, permitiam igualmente de maneira chique e aconchegante, conforto ao passageiro na emissão self-service do cartão de embarque.

Modernas esteiras carregavam rapidamente os usuários de um lado para outro, para cima e para baixo, com diferentes velocidades, em toda a extensão do terminal, mostrando um cenário futurista ao turista do Hemisfério Sul desacostumado com essas overdoses de tecnologia, que quase lhe causam vertigem.

Lá longe, máquinas nas pistas de taxiamento limpavam eficientemente a neve.

Noutra área, numa espécie de lava-jato gigantesco, enormes máquinas banhavam com produto químico, por meio de frenéticos braços robotizados, os aviões antes da decolagem, garantindo condições naturais de operação das aeronaves no momento crítico da subida.

Basta isso para exemplificar a avançada tecnologia embarcada naquele complexo aeroportuário estrangeiro, possivelmente, a julgar pelo visto, já pronto para receber até ônibus espacial.

Voltemos então ao tema da chegada do cidadão ao Galeão.

Desembarcados, o viajante e família aguardaram por quase uma hora para ter às mãos as malas. Tempo absurdo para os dias de hoje.
 
No Galeão isso acontece em razão da esteira de bagagem ser do tempo das pirâmides, de tamanho ínfimo e de velocidade ridícula no transporte rolante das malas, a esteira é inconcebível em aeroportos atuais.

Finalmente recebida, a troçada trazida foi arrumada nos decadentes carrinhos — com as rodas emperrando e de envergadura insignificante para acomodação adequada das malas.

A família que havia saído de trinta graus Celsius negativos, vestia roupas quentes, casacos, segunda pele, botas e meias para neve.

O Rio, em dia de verão, fervia aos 30°C. Imaginem, no mesmo dia, de trinta graus negativos para trinta positivos. Um grande choque térmico. A sensação era de estarem na casa do demo.

Foram então aos banheiros para colocação de roupas leves.

Só que, sendo no Galeão, os banheiros são públicos e, no Brasil, banheiro público é sinônimo de sujeira. É cultural, não adianta querer mudar. O brasileiro adora emporcalhar banheiros públicos. Enojados, o viajante e família desistiram de mudar de roupa.

Tentariam no próximo, se estivesse menos nojento.

Por outro lado, como soe acontecer com os brasileiros na volta de viagem ao exterior, a família veio carregada de malas, dentro dos limites máximos permitidos de volumes e pesos.

A família, em conexão para outra cidade brasileira, passou pela alfândega e foi direto para o elevador, com o objetivo de alcançar o piso onde deveriam confirmar no balcão da empresa aérea, o vôo em transferência.

No Galeão, são dois únicos ascensores, vagarosos e acanhados, aliás, acanhadíssimos para toda aquela área de desembarque dos vôos internacionais.

Ao chegarem defronte do par de portas viram uma placa avisando que um estava fora de serviço e o outro, aberto, tinha um vaso de lixo enorme colocado bem na boca de entrada impedindo o uso.

A ascensorista (no Galeão ainda há ascensoristas), modestamente vestida com roupas em desuso, sentada ali ao lado em um banquinho de material plástico, cortesmente explicou ter recebido ordem para desligar o maquinário daquele elevador que não estava (ainda) quebrado, pois desde cedo o local sofria queda constante de energia elétrica.

A solução era a família viajante subir os três níveis que separam o desembarque internacional do balcão de check-in de conexão do vôo doméstico, por meio da escada rolante.

Corajosa e sofregamente, totalmente enfadados, empurraram os desengonçados (e pesados) carrinhos que rangiam mais que carro de boi, até a escada rolante.

A mísera escada rolante do Galeão é um aparelho mais apertado que bolso de assalariado no fim de mês e, tal qual o elevador, estava desligado.

Recordando, eram três andares a serem percorridos.

Não havia como subir a bagagem sem ajuda dos elevadores ou da escada rolante. Trinta minutos se passaram. O tempo correndo, a hora do vôo de conexão chegando e nenhuma solução.

É fácil imaginar que se o elevador e a escada rolante estavam desligados, o ar-condicionado também estaria desligado... E estava!

Blackout!

Aliás, em português bem brasileiro, apagão!

Tristeza. Como chegamos a esse ponto?!

Se esse é um aeroporto que orgulha a EMBRATUR imaginemos o restante.

Inobstante esse problema - somente falando de aeroportos - o povo brasileiro mascarado e utopicamente comemora a Copa e as Olimpíadas como se existisse uma varinha de condão, ou uma generosa Nossa Senhora, que irá num passe de mágica transformar o nosso país, de uma hora para a outra mesmo, aeroportos e tudo o mais, dando-lhe condições tecnológicas modernas para atender a repercussão mundial dos citados eventos.

Não está o nosso povo interessado em saber quantos bilhões de nossas reservas serão gastos, afinal, se estamos emprestando dinheiro ao Fundo Monetário Internacional, não há porque se preocupar com alguns bilhões a mais a serem estouporados no orçamento.

Lembremo-nos que serão construídos vários estádios, reformados outros tantos (olha a revitalização pública aí de novo), construídas incontáveis praças para prática específica de esportes além, é claro, de toda a infra que cerca esses eventos, em tempo curto, o que em nosso meio significa morte às regras de licitação pública.

Não interessa se irá, em futuro próximo, nos faltar ainda mais recursos para serem aplicados em educação, saneamento, saúde, previdência, ou outra qualquer rubrica.
Não interessa se não temos aeroportos, hotelaria, estradas, se há buracos nas ruas, se não temos calçadas, se há violência em qualquer um de nossos centros urbanos, se as armas de nossas forças estão sucateadas, isso só para citar.

Somente se deseja a realização dos eventos, sem a mais mínima reflexão sobre esses, digamos assim, pequenos problemas.

Torçamos (verbo bem adequado nessa hora de comoção desportiva nacional) para que exista realmente essa magia desejada pelo povo, ou estrategicamente surja alguma ajuda dos céus, pois se não temos condições de suprir nossas necessidades no dia-a-dia e vivemos num caos inacabável, coroado pela corrupção desenfreada, que dirá prover as exigências de eventos mundiais.

Assim, demos por iniciada a contagem regressiva, não sabemos se para termos um Brasil grandioso ou a bancarrota final.

Quem arrisca um palpite?

Aguardemos, com sorte chegaremos lá, o final da década que ora se inicia.

Brasil, sil, sil, sil!!!!!

ps. A família chegou sã e salva em casa, apesar do Galeão.


MARCELO RUSSELL
Enviado por MARCELO RUSSELL em 18/06/2011
Reeditado em 25/06/2013
Código do texto: T3042339
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