Heidegger: angústia e morte para uma existência autêntica

Logo de início anuncio duas dificuldades: a primeira, mais óbvia, é que Heidegger é um dos pensadores mais complexos do século XX e, mesmo que eu fosse um exímio conhecedor de seu pensamento, não seria tarefa simples traçá-lo num breve texto. A segunda dificuldade é ainda mais latente: proponho-me, neste artigo, a esboçar algumas diretrizes da filosofia heideggeriana de modo claro para que mesmo quem não tenha grande intimidade com a Filosofia de um modo geral, consiga captar ao menos um pouco.

O homem não é simplesmente dado como uma cadeira ou uma árvore. Ele existe. E existe na acepção mais profunda do termo, como possibilidade, como poder ser. Entretanto essas possibilidades não são infinitas, porque o homem está “lançado no mundo” (inserido num contexto social, histórico e geográfico). O homem só existe no mundo e em relação com o mundo. Assim, o homem existe no que Heidegger denominou de “faticidade”, ou seja, o mundo do cotidiano. Neste mundo, vivemos com as nossas ocupações, cercados por entes que são tomados como utensílios, como instrumentos para determinadas finalidades. É na faticidade que sacrificamos o nosso “eu”, que “declinamos” abstendo-nos do que há de mais essencial: o poder ser. Existimos, assim, no impessoal, de forma inautêntica. Vale ressaltar que o “impessoal”, em certa medida, é necessário à vida humana. Entretanto, há outra possibilidade, a existência autêntica. Com ela, surge a questão: como se dá o trânsito entre a existência inautêntica e a autêntica?

Para responder à questão acima, temos que recorrer ao conceito de angústia. A angústia é uma estranheza em relação ao mundo; um sentimento que não tem causa nos seres do mundo; nada causa a angústia, ela desvela-se no vazio, diferenciando-se assim, do medo ou da tristeza. É na angústia que o homem singulariza-se. É nessa indeterminação absoluta que a parte angustiada do homem interpela a parte declinada, convocando-a a fazer escolhas. É na angústia que emerge o “poder ser”. O homem pode com isso ou recuar para a inautenticidade ou superá-la e, de fato, fazer suas escolhas. Optando pela segunda via, o homem fica “em dívida”, pois, ao fazer sua escolha, ele o faz em detrimento de inúmeras outras possibilidades. E a morte?

Heidegger faz uma análise profunda e chega à conclusão que a morte é vislumbrada pela maioria apenas em seu sentido trivial. Por isso temos medo da morte e tomamos algumas precauções para retardá-la. É paradoxal: temos certeza da morte e, no entanto, enxergando-a cotidianamente, vivemos como imortais (trabalhamos feito loucos, corremos para lá e para cá, queremos resolver inúmeros problemas, mas não nos atentamos para nós mesmos). Eis que angústia e morte interpenetram-se: a angústia nos coloca face a face com a morte; é através dela que podemos nos ver como seres-para-a-morte. O homem, projetando sua própria morte, deve assumir-se como ser finito e, com isso, transcender da faticidade, do impessoal, da inautenticidade para a existência autêntica.