Religião

Diz um sábio e muito conhecido ditado popular que, futebol, política e religião não se discute. Claro, pois são temas que geram polêmica, discussões acaloradas, quando não terminam, estas discussões em xingamentos e até agressões.

Mas, vou arriscar a falar do tema religião, narrando fatos verdadeiros, ocorridos comigo, ultimamente. Conheci um senhor, 40 anos, casado, pai de 4 filhos, e o contratei para serviços em minha casa, coisa sem grande importância como retocar uma pintura aqui, arrumar uma telha ali, rebocar uma parede acolá. Por educação, convidei-o para tomar chimarrão, que tomo por hábito.

Aceitou sorridente, dizendo ser gaúcho. Quase não falava, durante as suas tarefas. Sempre dizia "graças a Deus", "se Deus quiser" enfim esses termos que todos nós dizemos, às vezes simplesmente por força do hábito. Mas ele dizia de maneira diferente. Até que eu, curioso, comecei a "especular" sobre a vida dele. Disse-me que há muitos anos tinha se convertido para "a religião evangélica e agora somente vivia pela palavra". Eu, admirado, perguntei o porquê daquela conversão. Disse-me "que era para encaminhar de novo o filho mais velho para o caminho do bem”. Até aí tudo bem. Perguntei se tinha dado resultado, e ele foi categórico: "Claro que meu filho se regenerou, passou a freqüentar o templo, já tem uma namorada, de família, porque para Deus, quando se pede com fé nada é impossível”.

Dali uns tempos, alguns dias quando muito, veio me visitar. Era um domingo. Fiz o chimarrão, perguntei como ia à família, aquela conversa protocolar. De repente ele me perguntou se "eu iria acompanhá-lo naquela tarde à sua igreja". Pertencia ele ao grupo de "estudo da Bíblia" e sempre que conhecia alguém que precisava de Deus, e eu, se o desculpasse e não o levasse a mal, era um que precisava e muito ir ao templo. Conversa vai, conversa vem, falamos sobre família, um pouco de política, algo de futebol, livros, filmes e nada. Ele só lia a Bíblia, vivia pela palavra, orava todos os dias das 5 às 7 da manhã, ia todos os domingos ao templo, e participava de um projeto de salvação de prostitutas, viciados, gente "envolvida com a polícia", em nome da sua comunidade, e em solidariedade ao pastor, gente "fina mesmo".

Confesso que fiquei entre surpreso e meio incrédulo com aquela fé entusiasmada, com aquele vaticínio, de parte dele de que "eu estava realmente necessitando de Deus". Oriundo que sou de religião católica, confesso que andei bastante tempo meio distante das coisas de Deus, Jesus, Bíblia, Templos, Igrejas, Palavra das Sagradas, muito embora nos meus estudos básicos, estive 6 longos anos enterrado num seminário franciscano, estudando latim, grego, rezando todos os dias, que talvez eu já esteja "rezado" por uns 100 anos. Mas, para cercar o pobre homem, já que tinha ele pouca intimidade com as letras, mostrei-lhe um jornal, que na manchete de capa dizia que

“um pai e três filhos assaltaram um banco, o pai morreu, um filho morreu, os outros dois ficaram feridos e morreu também uma cliente, comerciante, mãe de família de apenas 30 anos.” Presos que foram os feridos, se declararam "evangélicos", e um tinha até gravado um disco "gospel" veja só. Aproveitei a deixa, e lhe disse que os homens não tem mais jeito, que nas cadeias "está assim" de "evangélicos", que já mataram, traficaram, violentaram, etc, etc e agora “encontraram Jesus”.

Pois ele contra atacou de "livre arbrito", assim mesmo, dizendo que em algum momento o demônio "tentou eles e a carne é fraca, já tá na Bíblia, e eles pensaram em ganhar dinheiro fácil" e tal e coisa. Duas horas e meia depois, já quase na hora do culto, pedi licença, me arrumei e disse: "então vamos ao culto". Perguntou-me se eu tinha uma Bíblia Sagrada, e eu prontamente disse que sim, trazendo-a.

Quase 40 anos depois de ter simplesmente deixado de lado a igreja, lá estava eu "no templo”. Gente de todas as idades, classes sociais, se apinhavam, entusiasmadas com as pregações. "Meus irmãos, vamos abrir em João, cap.tal versic. Tal, aleluia". "Abrace o irmão que está a seu lado, neste momento de fé cristã, aleluia.”

“Cantemos o cântico numero tal, aleluia”... E em cima do palco uma "senhora" banda, com guitarra, contrabaixo, sax, uma bateria a todos decibéis, teclado, duas cantoras, e aquela música ia aumentando, as pessoas cantando, chorando, levantando as mãos, e o pastor de posse de seu microfone "aleluia, aleluia" o "Senhor é meu Deus, é o Deus supremo, tudo o que eu pedir ele me dará, aleluia".

Eu, já quase surdo, meio extasiado, estupefato, misto de incrédulo, crédulo, duvidoso, curioso, vi o meu amigo praticamente em êxtase, gritando "Jesus vai voltar" "vai

redimir todos os nosso pecados, aleluia, aleluia". Como num filme já visto, "obreiros" e "obreiras" a pedido do pastor com seu microfone, passavam as "sacolinhas".

"Doem irmãos, dizia o pastor brandindo seu microfone, doem porque Jesus devolverá centenas de vezes mais”... Eu, não esperando pelas "centenas de vezes mais" dei a minha modesta contribuição, talvez até com medo de ser censurado pelo meu amigo. Este culto demorou exatas 3 horas e meia.

No final, todos se cumprimentam, se abraçam, se conhecendo ou não. Dão testemunho, segundo me "ensinou" meu amigo. "Eu era um sem vergonho", assim mesmo, dizia um homem, "mas depois que encontrei e aceitei Jesus, minha vida mudou aleluia”... "Eu andava tão desanimada, até pensando em me matar, não tinha emprego, não tinha nada, aceitei viver pela palavra, já to casada, já tamo construindo nossa casinha, aleluia"...

Saí dali muito impressionado. Não com os fiéis, ou seus rituais, cânticos, ou com as prédigas dos pastores que se revezavam no palco. Mas saí mesmo impressionado comigo mesmo. Como pude ficar tanto tempo sem religião? Como pude viver sem agradecer, ou mesmo sem pedir? Como pude deixar de ler a Bíblia, achando que eu era auto-suficiente, que tudo ia obter sem nada pedir?

Resultado: Já fui umas 4 vezes aos cultos. Dia desses fui rezar às 5 da manhã, como muitos o fazem.

E tenho me lembrado muito do Werner Von Braum, lembram dele? Aquele cientista alemão considerado o pai dos foguetes, que graças aos seus estudos o homem conseguiu ir até a lua. Perguntaram-lhe numa entrevista coletiva, se acreditava em Deus. Ele, enigmático, respondeu:

“Deus? Se não existisse, certamente teria que ser inventado".

Aleluia!

Matogrosso

Matogrosso
Enviado por Matogrosso em 12/12/2006
Reeditado em 12/12/2006
Código do texto: T315674