Transformações tecnológicas e as Tecnologias Sociais

Toda a tecnologia social deve ser planejada para combater algum problema que afete os indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a qualidade de vida da população a partir dos eixos de educação, expectativa de vida e renda. Ao par disso, o ideal é que as tecnologias sociais tenham os seguintes componentes: a) participação da comunidade, b) organização social, c) baixo custo, d) sistematização, e) reaplicabilidade, f) acompanhamento e g) avaliação.

Este cenário ainda é difícil de ser encontrado, pois boa parte das tecnologias sociais não apresentam todos os requisitos. Mas nem por isso elas devem deixar de ser reconhecidas como tal. Não se deve cometer o erro de criar um molde e tentar colocar os projetos nele para que possam ser chamados de tecnologia social. Também é importante não cair no extremo oposto: chamar qualquer projeto de tecnologia social. O fundamental é atender a pelo menos alguns desses critérios.

O aspecto menos implementado na área de Tecnologia Social, a nosso ver, tem sido a ausência de metodologias de acompanhamento de resultados e a falta de indicadores que os avaliem e que considerem quais melhorias e adaptações precisam ser feitas antes de replicar determinadas tecnologias sociais. Antes de a iniciativa ser posta em prática de novo, em outro local, deveria haver um diagnóstico inicial para identificar as mudanças necessárias. Não adianta avaliar o processo depois de implementado pois fica muito mais difícil corrigir seus rumos.

A ausência de sistematizações mais elaboradas ocorre especialmente nas tecnologias sociais centradas no processo, como as da área de educação. Avaliar os resultados de um processo é complexo. Se não for sistematizado, acaba oferecendo como indicação de sucesso apenas o desempenho de um aluno na prova ou o número de pessoas atendidas – ou pior: fica-se apenas no mérito da boa intenção sem avaliar os impactos reais.

O engajamento da população beneficiada também deve ser enfatizado, o que contribui para a apropriação cidadã da tecnologia social. A população beneficiada deve ser informada sobre o impacto das iniciativas, de modo claro e didático, por meio de estatísticas, mapas e gráficos. Se os resultados não são oferecidos à comunidade, ela não é educada para participar de um processo no qual atua – idealmente – em todas as etapas, e sem isso não há real apropriação, o que pode afetar seriamente a sustentabilidade, outro eixo importante (e geralmente tão resumido ao abandono pré-programado, após um tempo de investimento definido somente pela verba disponibilizada).

Outro aspecto a considerar é a criação de patentes na replicação de soluções sociais, o que é ao mesmo tempo um risco e uma necessidade. A franquia social é um exemplo. É preciso definir normas para impedir apropriações indevidas. Precisamos de um “copyright social”, alguma forma de Creative Commons ou coisas do gênero que garantas a apropriação do saber social por todos sem restrições ou entraves.

A aplicação de tecnologia social pressupõe atuar em conjunto com o poder público, com a sociedade e, no caso de empresas, até com organizações que poderiam ser vistas como concorrentes. A complementaridade de recursos e competências deve ocorrer sem a preocupação sobre a paternidade da idéia, quem vai aparecer mais ou deter a patente. Esta é uma barreira de natureza cultural a ser transposta no Brasil. Sem rompê-la não se iniciará nenhum processo realmente transformador nem se alcançará a escala necessária para fazer frente à complexidade e ao tamanho de nossos problemas sociais. Colaboração é uma palavra-chave na tecnologia social e um elemento estranho na estratégia empresarial convencional.

A produção de solução em escala, além da reaplicabilidade, diferencia a tecnologia social dos projetos e ações comuns no terceiro setor. Nesse sentido, ela deve estar afinada com alguma política pública. Não dá para considerar tecnologia social um projeto que atenda dez crianças na Praça da Sé ou uma ação isolada que beneficie apenas uma pequena fração da comunidade. Observa-se hoje muitas ações positivas no País, mas que não mudam as estruturas nem representam solução impactante.

A tecnologia social não incorpora necessariamente as sofisticações da ciência e tecnologia, mas também não as renega. Em uma empresa, quanto menos mão-de-obra, melhor. O mesmo não ocorre com a tecnologia social. Um de seus objetivos é o envolvimento do maior número possível de pessoas. Essa diferença não transforma o produto ou processo automatizado em um vilão, um gerador de desemprego. Seria um raciocínio muito simplista. Envolver um grande número de pessoas não é um culto ao trabalho pelo trabalho, mas uma forma de desenvolvimento. Seu objeto é o crescimento humano e não o produto em si.

A origem da tecnologia social está na associação do pensamento acadêmico à ação coletiva da comunidade. O ser humano faz tecnologia social desde que começou a andar em duas pernas. Ele busca soluções locais como fez Robson Crusoé. O papel da academia é identificá-las e refiná-las. Assim, as comunidades são despertadas para o protagonismo e cada uma constrói o seu próprio caminho. Como resultado, espera-se uma conscientização que permita engajamento, autonomia e senso crítico na transformação da realidade.