Da tecnologia à paixão

Como nenhum outro meio de comunicação anterior (os tambores nos deixam distantes, as cartas demoram para chegar, ao telefone muitas vezes o som da voz nos seduz ou nos irrita mais que as palavras proferidas, a televisão é dos donos dos canais, a rádio concessão para igrejas e deputados fisiológicos), a Internet nos coloca interativamente em contato, superando barreiras de idade, sexo, cultura, preconceitos e, principalmente, distância geográfica. Aqui, cada um pode não apenas ler o que quiser quando tiver vontade, mas pode escrever, participar, ter os tais 15 minutos de fama que foram prometidos e ninguém dava...

As pessoas perdem um pouco certos referenciais, que muitas vezes impedem que indivíduos se conheçam. Aqui, os preconceitos afloram mais que na vida real, escancarados em textos escritos na hora, sem censura, mas aqui também os preconceitos viram tigres de papel, bytes que se esvaem, pois colocam as pessoas, irremediavelmente, em íntimo contato umas com as outras. O contato delas aqui se dá através de seus cérebros, de suas almas, desprovidas de barreiras físicas. O racista pode perceber que está falando com o objeto de seu preconceito tarde demais: quando já houver feito amizade com ele. O jovem e o velho conversarão bastante até descobrirem a idade mútua. E duas pessoas carentes de calor humano e de amor, entes sensíveis que saibam traduzir em palavras suas emoções, poderão se apaixonar antes de se conhecer...

Tudo depende de saber escrever. Na vida “real”, as pessoas bonitas, bem vestidas e que saibam falar levam toda a vantagem nos primeiros contatos, ao passo que os tímidos, feios ou mal-vestidos precisam de muito valor para superar tais barreiras. Neste mundo “virtual”, a palavra é o pó de pirlimpimpim que transforma a gata borralheira em princesa – e sua meia-noite é quando a conexão fica irritantemente lenta ou cai, e então aquele computador na sua frente vira uma abóbora. Aquele que não sabe pontuar, não tem poder de síntese das idéias, não conhece um vocabulário rico, ah... esse “dança” na mão desta comunidade – que pode ser tão cruel com ele como o outro mundo para com os quasímodos de aspecto repelente.

Esta nova valorização da palavra escrita é um fenômeno interessantíssimo. O que a humanidade criou – e nos deu de Shakespeare a Fernando Pessoa – parecia que a informática iria acabar, a palavra escrita seria substituída por cliques no mouse, a literatura trocada por ícones. O que se vê não é isso, mas sim uma nova importância do escrever, essa atividade que na escola foi reduzida ao ritual sadomasoquista das provas, na sociedade aos formulários da burocracia. Agora, e com a Internet isso obriga a fazê-lo em mais de um idioma, quem não sabe escrever está isolado – como alguém que olha a estrada diante de si e não sabe usar os pés para caminhar.