Autossalvação

A sabedoria grega veio de outros povos e lá floresceu; uma verdadeira república de gênios, como bem qualificou Schopenhauer. De Tales a Sócrates muito frutificou em termos teóricos, mas pouco se realizou. Depois de séculos, o mesmo homem se desencontra, se estranha, desmorona.

Tudo o que alguma vez veio a ser, voltará a não ser. A questão do ser e do não ser persiste.

Se a multiplicidade vem da unidade, o que ela significa? De onde se origina o vir a ser? E por que o homem não veio a ser melhor do que aquele que existiu há séculos?

Aprendemos com os gregos que o físico e o metafísico se confundem, e que ninguém baixa duas vezes no mesmo rio. Que o eterno vir a ser é o fundamento de toda a filosofia. Que Deus não é mais que uma criança a construir castelos de areia na praia; constrói e destrói, e recomeça eternamente.

O homem criou um Deus a sua imagem e semelhança e afastou-se dele. Ele é justo? É injusto? Não se resiste ao Deus atroz que os próprios filhos devora sempre, escreveu o inspirado Pessoa de Portugal.

A vida é um ininterrupto vir a ser, um futuro de ilimitadas possibilidades que pode ser construído ou o resultado de acontecimentos que, sem consciência, a ordem (ou desordem) universal direciona.

Não há obscuridade no acaso, senão a conseqüência de uma grande vontade, que tudo pode direcionar, inclusive o homem, o pequeno Deus em formação que pode gerar destinos, construir futuros.

Plauditi, amiti, comedia finita est (aplausos amigos, a comédia terminou), teria dito Beethoven no leito de morte após uma extrema unção contra a sua vontade.

E para que a vida não seja uma comédia, há que construí-la e direcioná-la para o bem próprio e coletivo, e também para que não seja uma tragédia. Será necessário liberar-se das imposições da cultura das massas, que torna o homem um anônimo na multidão. Não há individualidade no homem-massa, só comicidade e tragédia.

Buscar e explorar a si mesmo, como nos fez chegar o pensamento de Heráclito, é a nossa saída, autossalvação. Deixar de ser o que somos para ser algo melhor, auto-suficientes e livres, podendo dizer aos quatro ventos: ambulo, ergo sum (ando, logo existo), em contraposição ao cogito, ergo sum (penso, logo existo) de Descartes que não se realizou.

A autossalvação não está mais que no conhecimento de si mesmo que implica o domínio do que se pensa e sente. Voltar o olhar para dentro, desviá-lo das pequenas distrações do mundo diminuto, avaliar-se, melhorar-se, ser livre e criador de si, liberar-se das amarras seculares dos preconceitos.

Não há outro caminho que aquele que se souber construir e percorrer.

A autossalvação está no pensar e criar.

Criar a si mesmo, obra de arte que nenhuma filosofia poderá fazer pelo homem.

Nagib Anderáos Neto

Santiago, Primavera de 2011.