DAS PAIXÕES...

A paixão é um dado do mundo sublunar e da existência humana. Devemos contar com as paixões.

Gerard Lebrun

As paixões são movimentos do espírito que cimentam novidades num universo de tendências modificadoras. Nossa grande pergunta é: qual mesmo a verdadeira causa desta paixão? Afinal, minhas ações visam a quê? Todo e qualquer impulso que nos ponha numa rota de padecer, ou seja, de apagamento do Ser e predominância do movido, não hesito em afirmar: é paixão rasteira, reles, deletéria.

Paixão salutar é metamorfose constante sem acarretar mobilidade novidadeira, sem corrupção do essencial, sem esmagamento do outro, sem a desfiguração de absolutamente nada. Na paixão, nossas forças reagem com intensidade e proporções inimagináveis que, se a sabedoria flanar longe, tremenda será a nocividade. Aristóteles ensinou: “tudo o que faz variar os juízos e de que se seguem sofrimento e prazer, entendo por paixões”. Sem irmos a fundo nesta afirmação, à luz de sua filosofia, o mestre acerta. Ora, ódio, ira, cólera estão presentes em todos nós; o que, de fato, conta é nosso, digamos, tempero. Vale, aqui, o alerta de Lebrun: “Há um grau além do qual nenhum ser humano pode suportar uma emoção e um grau de apatia abaixo do qual não há como descer”.

O elemento chave no campo das paixões, destarte, é o desejo. Somos impregnados por ele, o problema é que se trata de algo infinito. Além das pedras sócio-culturais e econômicas, o corpo nos impõe limites que o desejo não desconfia. Não é à toa o fracasso sob lances angustiantes. Não há um caráter de sucesso automático no desejo. Ser algo, atingir certa meta, chegar a um telos requer profundidade de experiência e despojamento dos alívios momentâneos. Rotina e conduta imersas no enfado atiçam ainda mais nossos desejos desenrijecendo nossa percepção sonhadora, mas, infelizmente, com forte prenúncio de insanidade, caso fuja do controle. Feliz, portanto, a personalidade que vive o desejo de “Sangue”. Afinal, o desejo não É. Ou seja, ele não se encontra na dimensão ontológica. Ora, ele (Desejo) é um acontecimento, um aspecto agonístico, posto impactar o Ser.

Paixão dominada, amigo, é, sim, Luz libertadora, ela é virtude. Ela nos arranca do jugo para o Bem, nos conduz da folastria para a Felicidade. O dever cede ao Amor genuíno. Nas variações, o sentido é certamente iluminamento. Se somos despertados por uma, convém acionar nossas ferramentas, regular os solavancos. Agirmos, claro, não como seres incapazes de convivência antropofágica com elas (paixões) e, sim, sujeitos sabedores de que o ofuscamento de que são portadoras não suportam um agir correto, nos termos de Lebrun, em harmonia porque as dominamos de uma vez por todas. Não só aprendemos a agir de modo convenientemente, mas sentimos o pathos adequado.

As paixões, enfim, são transações que sempre estarão por ser satisfeitas. Daí seus riscos mais iminentes: despersonalização do indivíduo e servidão total. A despeito daquele arranque ou impulso necessário para que algo seja efetivamente realizado, estou com Mangabeira Unger: “As paixões dificilmente poderiam ser defendidas como instrumentos de um esforço deliberado para mudar o mundo”.